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Capítulos:



Cap. 11 - Depoimento de Hanzi


Ali mesmo, defronte o hospital, esperamos pelo transporte, porque a área rural da Colônia fica bem afastada. Como eu ainda não desfrutava da volitação, os irmãos ponderaram que seria melhor seguirmos de aeróbus.

Durante a viagem, pudemos conversar mais e nos conhecer um pouco melhor. Aristeu falou-me do tempo de sua estadia na colônia Cidade dos Lírios e aproveitou a oportunidade para narrar sua última aventura na Terra. Disse-me que era professor de nível superior, com formação em História, sendo especialista em Egiptologia e História greco-romana. Confessou ele que se envaidecera muito dos títulos conquistados e que pouca importância dava às questões religiosas; disse ainda que teve dois filhos, sendo cada um de determinada mãe, pois havia sido bígamo. Sua vida dupla somente foi descoberta após sua partida da dimensão física.

Acrescentou ter sido detentor de muitas posses, pelo que sentiu maior dificuldade no desenlace perispiritual, pois em todo momento era lembrado com amargura — por suas duas esposas e por seus dois filhos.

— Não era religioso, mas acreditava na existência de Deus, ao menos vagamente — confessou ele.

No entanto, uma de suas mulheres dizia-se católica fervorosa e talvez isso tenha lhe ajudado um pouco, uma vez que Ana Luzia — a tal —, mesmo se sentindo traída e guardando alguns resquícios de mágoa, por vezes entregava-se às preces em prol do falecido esposo.

Ele aditou que, pós-desencarne, por longo tempo permaneceu preso ao ambiente familiar — por vezes no endereço de uma de suas mulheres e por outras vezes no endereço da outra.

Quando finalmente começou a se desligar de tudo aquilo, iniciou-se em seu íntimo um sentimento de autorrepreensão em virtude de seus atos descabidos, dando início a um novo processo de sua estadia no plano espiritual. Aristeu expôs que a partir de então começou a reconhecer seus erros e por isso passou a não se perdoar. Ponderou que tudo aquilo poderia ser diferente, mas, segundo ele mesmo, ainda não admitia que Deus pudesse estender-lhe a mão, porque, ainda que não fosse fiel a nenhuma crença, acreditava piamente que aquela condição em que se encontrava lhe seria perpétua.

Porém, passado o tempo e cansado de toda aquela penúria, Aristeu, em um momento de sufocante agonia, solicitou ajuda, sendo então alcançado pelos irmãos da Cidade dos Lírios.

Percebendo que eu dedicava toda a atenção em sua história, Aristeu continuou:

— Desencarnei por complicações no fígado, devido o abuso de bebidas alcoólicas. Não faz muito tempo que estou na Colônia e, por ter dado brecha às minhas más inclinações, por vezes ainda sinto dores figadais.

Esse fato me chamou a atenção em especial, pelo que interroguei:

— Há quanto tempo o irmão está na Cidade dos Lírios?

— Pelos cálculos humanos, uns dois anos.

— Nossa! — exclamei — Desculpe-me pela intromissão, mas por todo esse tempo e o irmão ainda guarda as dores desse gênero?...

Um tanto contrariado, ele respondeu:

— Infelizmente sim, amigo César. Se bem que, em raros momentos. Quando me desvio do caminho reto, quando mesmo que em pensamento, eu suponho sorver uma mísera porção de fluidos alcoólicos.

Depois de breve pausa, ele prosseguiu:

— Mas isso me serve de alerta, pois me faz reviver momentos que eu não desejo.

— Entendo — falei fraternalmente.

Aristeu não fez cerimônia para me relatar mais sobre suas vivências:

— Hoje participo de um grupo de apoio, que reúne amigos em semelhante processo de recuperação. Nossa equipe se reúne aqui mesmo na Colônia Recanto de Irmãos. Você até poderia nos visitar, um dia desses...

— É de lá que nos conhecemos — interviu Maria Aparecida, que até aquele momento guardava-se em silencio, em atenção à palestra de Aristeu.

Ela continuou:

— Eu também abusei de químicos, enquanto na Terra, e não me limitei ao consumo de álcool, comportamento esse que abreviou minha estadia na carne em apenas vinte e sete anos. Retornei ao mundo espiritual como suicida, onde experimentei toda sorte de dor que se pode imaginar. Entretanto, graças a Deus, os amigos da Casa de Maria vieram em meu socorro. Desconheço como o auxílio se sucedeu... Recordo somente do tempo em que andava a procura de meios de abrandar a agonia que sentia. Então, por vezes, encontrei alguns grupos de Espíritos viciados, que sugavam os fluidos entorpecentes em rodas de jovens encarnados e também dependentes. Em um desses momentos, liguei-me fortemente a um usuário que, para minha ventura, vivia em lar espírita. Foi então durante uma reunião, em que os familiares leram textos que exaltavam o amor e a caridade cristã, que os amigos da Colônia me convenceram a lhes acompanhar.

Fiquei extasiado com aquelas narrativas e pude perceber o quanto sou agraciado por Deus, pois a breve passagem que tive nas regiões escuras não corresponde a um terço dos percalços que aqueles irmãos viveram.

— E você, amigo César...? — indagou-me Maria Aparecida — Como foi seu retorno ao mundo dos Espíritos?

— Fui vítima de afogamento. Dirigia meu carro em alta velocidade, em razão de minha esposa estar prestes a dar a luz ao nosso primeiro filho. Perdi o controle do automóvel, lançando-o ao rio, sem nenhuma chance de salvação. Marisa, a minha mulher, perdeu o bebê na mesa do parto. Quando tomei consciência de que já não fazia parte do mundo físico, desesperei-me e comecei a procurar alguma forma de saber notícias de Marisa e de meu filho, pois ainda não sabia que a criança não havia sobrevivido. Nesse período de busca, deparei-me com mil situações em que eu obsediava pessoas, sem me aperceber disso. Todo lugar por onde eu passava, e que eu pudesse topar com alguém semelhante às minhas condições de lamúria, ali me achegava, despejando meus pensamentos negativos. Aquilo para mim era como um divã, onde me deitava para derramar toda a minha angústia e de lá saia leve e pronto para continuar minha busca por informações dos parentes. Quando finalmente encontrei o caminho de minha antiga residência, parecia tarde demais, pois Marisa não mais morava ali. Mesmo assim, resolvi ficar, porque aquele cenário, de algum modo, me dava uma sensação de segurança, enquanto que lá fora tudo era incerto e sem forma. Pelo período em que me instalei naquela casa, pude perceber que às vezes me era possível produzir ruídos nos objetos e, na medida em que compreendi a maneira pela qual aquilo se dava, julguei ter encontrado um jeito de chamar a atenção da minha querida esposa. Sabia, àquela altura, que aquela família que ali havia se instalado, não tinha comprado o imóvel, habitando-o por concessão de aluguel. Sendo assim, tal família efetuava depósitos mensais em nome de minha senhora. Comecei então a produzir os fenômenos com mais frequência a fim de que, incomodados com a situação, os inquilinos a chamassem para averiguar o lugar. A partir daí, seguiria Marisa até seu novo endereço e finalmente poderia voltar a viver perto de minha família.

Respirei fundo, e dei continuidade ao meu depoimento:

— Demorou um bom tempo até que aquela família entrasse em contato com Marisa. Porém, quando isso aconteceu, coloquei em prática os meus planos. Assim que a avistei, meu coração se encheu de ânimo novamente. Sentia-me inteiramente vivo e num impulso irresistível, saltei para abraçá-la. Devo dizer que foi somente ao ver Marisa que me dei conta de quanto tempo já havia passado desde meu desencarne. Aquele acidente fatal tinha ocorrido no ano de mil e novecentos e setenta e cinco, quando estava nos meus vinte e nove anos de idade. Marisa era dois anos mais velha do que eu. Naquele momento, tomei o cuidado de observar o calendário fixado à parede da sala. Estávamos no segundo dia do mês de dezembro do ano de mil e novecentos e setenta e oito. Três anos apenas havia se passado e minha amada, agora nos seus trinta e quatro anos, aparentava ter muito mais. Pensei no tempo que havia ficado perdido perambulando de um lado para outro no meio da escuridão, ora em um lugar agonizante, outrora em lugares que se assemelhavam a bordeis, onde o sexo, as drogas e as paixões de toda sorte são os grandes atrativos. Nunca me utilizei desses recursos, mas nesses ambientes, sempre encontrei pessoas que ali estavam somente a mascarar suas tristezas e, como disse antes, era por meio delas que eu encontrava o meu divã.
Prossegui em minha narrativa:

— Não tinha nenhuma consciência do mal que as causava. Finalmente cheguei ao novo endereço de Marisa. Ao entrar na casa, deparei-me com um enorme vazio. A maioria dos móveis ainda estava guardada em caixas, exceção feita a alguns itens de cozinha, com destaque para alguns pratos e talheres usados e encostados na pia. Impressionei-me com a cena, pois muito me admirava ver aquele cenário que em nada condizia com a prendadíssima Marisa, que outrora fora minha esposa.
Naquele momento as lágrimas escorriam em meu rosto, então pedi forças a Deus e continuei:

— Logo, pensei em nosso filho. Queria vê-lo. Tinha vontade de conhecê-lo. Imaginei que estivesse dormindo em algum quarto, na parte superior daquela casa. Aprecei-me em subir as escadas e quando cheguei ao corredor, imediatamente, identifiquei o aposento do meu bebê, já que a porta estava ornada com enfeites infantis. Fiquei parado por alguns instantes procurando dentro de mim as forças necessárias para entrar. Meus olhos inundaram-se em lágrimas e eu estava radiante, apesar do misto de medo e alegria que de mim se apossara.

— Por fim, entrei. E ao contrário do resto da casa, o quarto estava impecável. Tudo muito bem organizado, cada coisa em seu lugar e artigos de muito bom gosto. De pronto, pensei que aquele ambiente era guardado com muito carinho por aquela que fora minha doçura na Terra. Entretanto, notei que ali não havia ninguém. Supus então que Marisa pudesse ter deixado nosso filho sob a guarda de sua mãe, enquanto resolvesse as pendências com seus inquilinos.

— Desci as escadas e encontrei Marisa chorando. Ela segurava nas mãos o álbum de fotografias de nosso enlace matrimonial. Aproximei-me dela e fiz algum esforço para que ela pudesse sentir minha presença. Pude ouvi-la sussurrar meu nome e em seguida, olhando para o horizonte, indagar a Deus o porquê de tanto sofrimento. Desabafou em íntima e longa conversa, pelo que, durante seu lamento, foi que descobri que ela havia perdido o fruto do nosso amor.

— Revoltei-me contra Deus desequilibradamente. Dilacerava-me o peito mais esta decepção e de novo coloquei-me a andar a esmo a fim de esquecer tudo aquilo e fugir da tristeza que condizia agora com a vida de Marisa. Não suportaria vê-la definhar sozinha, sabe-se lá até quando.

— Foi então que, mesmo revoltado, propus-me a me ajoelhar e solicitar alguma ajuda. Pensei que, se Deus realmente se importasse, Ele haveria de me ajudar no auxílio à minha esposa.

— Neste momento, os anjos desta Colônia vieram em meu socorro. Disseram-me que eu mesmo poderia ajudá-la, porém que, antes, era imperioso que eu me permitisse ser ajudado. Até que, com a graça de Deus, hoje estou aqui.


Capítulos:


Introdução

PRIMEIRA PARTE (Médium Wilton Oliver) Capítulo 1 - Visitas à casa do irmão Hélio

Cap. 2 - Encontro doce

Cap. 3 - O papel dos mentores

Cap. 4 - O resgate de Ícaro

Cap. 5 - Na câmara de miniaturização

Cap. 6 - Preparação para o porvir

Cap. 7 - A gestação

Cap. 8 - Oportunidade para recomeço

Cap. 9 - Confissões

Cap. 10 - Equipe socorrista

Cap. 11 - Depoimento de Hanzi

Cap. 12 - Nos campos da Colônia

Cap. 13 - Reminiscências

Cap. 14 - Influências nefastas

Cap. 15 - Exposição esclarecedora

SEGUNDA PARTE (Médium Rodrigo Felix da Cruz) - Cap. 1 - Notícia feliz

Cap. 2 - O retorno de Marisa

Cap. 3 - Estudos na Colônia

Cap. 4 - Estágio no Hospital Irmã Margarida

Cap. 5 - Reencontro com Ícaro

Cap. 6 - As dimensões do Além

Cap. 7 - Laboratório da Memória

Cap. 8 - Na equipe socorrista

Cap. 9 - Primeiras atividades socorristas

Cap. 10 - Visita a François Dupont

Cap. 11 - Importante projeto

Cap. 12 - Grupo de planejamento

Cap. 13 - Implantação do projeto

Cap. 14 - Trabalho em conjunto

Cap. 15 - Comprometimento, esperança e perdão

TERCEIRA PARTE (médiuns Alessandra Aparecida Silva e Rodrigo Felix da Cruz) Cap. 1 - Balanço

Cap. 2 - Novos trabalhos

Cap. 3 - Reunião na casa de Ricardo Felício

Cap. 4 - Laerte

Cap. 5 - Irmã Margarida

Cap. 6 - Irmã Maria Madalena

Cap; 7 - Irmã Lia

Cap; 8 - Inácio

Cap. 9 - Thales

Cap. 10 - Augusto

Cap. 11 - José de Matusalém

Cap. 12 - Estevão, guerreiro

Cap. 13 - Clara

Cap. 14 - O resgate de Rômulo

Cap. 15 - Mensagem de Laerte



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