Naquela noite, fomos à casa de Hélio.
Tudo parecia tranquilo. Hélio levantou-se da cama assim que adentramos o corredor que levava até seu quarto. Tive a impressão que Helio ao sair do quarto havia me avistado e então ensaiei uma fuga na intenção de esconder-me.
— Qual o problema, César? — perguntou-me Miguel, que como sempre me acompanhava.
— Podia jurar que Hélio me viu.
— E que problema há nisto?
— Nenhum, eu creio. Mas é que algo mecânico me impulsionou à fuga, eu não sei dizer exatamente porque, mas talvez se Hélio avistasse um de nós poderia sentir-se mal.
— Acho bom você ir se acostumando com isso, pois em breve nosso amigo manterá contato visual conosco.
— Hélio desenvolverá clarividência?
— Em verdade ele já a possui, e, muitas vezes, nem percebe que pessoas a quem se dirige no dia a dia estão desencarnadas.
— Como pode ser? — curioso, indaguei.
— Aos poucos Helio começará a discernir, pois ele apenas está começando os seus estudos espíritas.
— Você diz que em breve ele estará mantendo contato visual conosco? E diz que eu deveria me acostumar com isso?
Miguel foi enfático na resposta:
— Sim.
— Então quer dizer que eu não irei reencarnar tão cedo?
— Não se aflija com isso agora, César, tudo há seu tempo.
Naquele instante, pensei em quão sublime é a vida. Pensei nas diversas transmutações que temos ao incorporar a esta ou aquela personagem na terra; e que atitudes pequenas como um abraço, acordar um pouco mais cedo só para poder ver o nascer do sol, passar uma ou duas horas ouvindo seu filho falar sobre o dia na escola, narrando muito feliz inúmeras vezes que aprendeu a ler esta ou aquela palavra, situações assim, quando vivenciadas em sua plenitude, nos fazem evoluir de modo arrebatador. Sendo assim, direcionei meus pensamentos a Ícaro, para que ele sentisse um pouco daquela maravilhosa sensação que se apossara de mim.
— Não vamos acompanhar Hélio? — interroguei a Miguel.
— Não. Hoje viemos aqui para prestar atenção em seu filho, que, em breve terá em seus braços um presente enviado por Deus. Viemos conversar com esse jovem, que em sua tão pouca idade, recebe tamanha responsabilidade.
— E quantos tantos outros jovens não estão na mesma situação...! — exclamei.
— Tem razão, meu caro. Mas há muitos que trabalham em função destes, porque para a sociedade em geral, o que é encarado como irresponsabilidade pura e simples, não é senão uma ferramenta para que seres, que não desejando o incomodo ao corpo físico, possam fazê-lo.
Neste ponto eu questionei:
— Mas se eles não querem, por que há esta imposição?
— Não somos detentores de plenas capacidades de escolha, pois há coisas que ainda desconhecemos, o que nos faz inaptos à joeira. Portanto, meu amigo, o retorno ao corpo somático encerra uma vastidão de benesses que estes irmãos ignoram. Saiba Cesar, seu trabalho junto a Ícaro nos é de extrema importância, pois todas as conversas que você teve com ele lhe serão exemplificadas durante seu estágio na terra, e assim, ele tendo absorvido o devido conhecimento, guardará para sempre tais ensinos.
Ali permanecemos por algum tempo, vimos Hélio descer as escadas, e após ter-se demorado poucos minutos, retornou a seu quarto, unindo-se novamente em sono tranquilo com sua esposa.
Enfim, adentramos ao quarto de Diogo, o filho de Hélio. Havia outras entidades lá dentro, dentre elas, aquela que fora minha mãe, ao lado de Ícaro. Não pude disfarçar a surpresa ao vê-lo, pelo que, interroguei ao meu orientador:
— Como poderia ser, Miguel?
Bondosamente, ele respondeu-me:
— Enquanto nosso jovem dorme na terra, nosso amado Ícaro dorme no plano espiritual, desta forma, estando liberto da roupagem da carne, Diogo pode ser conduzido ao encontro de Ícaro.
— Mas então, por que estamos aqui, se nossa Colônia está em outro local?
— Não há barreiras para o pensamento. Os Espíritos amigos que estão cuidando de Ícaro neste momento obtiveram a permissão divina para conduzir este encontro aqui mesmo, no lar de Hélio. Mesmo que, fisicamente, por assim dizer, o estimado socorrido aqui não esteja. Desta forma, quando encarnar, não se sentirá deslocado e guardará boas lembranças destes momentos vividos aqui. O retorno de Ícaro já está para acontecer, eu temo por sua relutância, devo dizer que nosso amigo é um abençoado, pois conta com o carinho de muitos irmãos que o auxiliam neste processo. Desse modo, o que faz com que Ícaro permaneça relutante à ideia de renascimento é o simples fato de que ele será neto de Hélio, a quem ele não quer bem. Como disse, suas conversas o tem feito perceber aos poucos o grande bem que lhe será o retorno à Terra. Há irmãos César, que estão reencarnando sem o menor amparo espiritual, e outros tantos tem seu retorno dirigido por grupos de Espíritos ainda em dor e sofrimento.
— Mas por que Deus permite tal situação?
— Os irmãos que encarnam sem o devido amparo, estes logo retornam à erraticidade, pois é para estes um modo de refazerem sua forma perispiritual. Já os que encarnam sob a diligência de Espíritos ainda inferiores, Deus os permite, pois, mesmo sem o desejarem, estão ambos contribuindo no processo incessante da evolução.
Naquela noite, Diogo e Ícaro conversaram longamente. Diogo estava nitidamente emocionado, fato que tilintou no fundo da alma de Ícaro, que, ao final do encontro, abraçou Diogo em choro copioso, chamando-o de pai.
Alguns meses se passaram e finalmente Ícaro embarcou na viagem carnal, agora sob o gênero feminino, recebendo o nome de Clara. Ao tomá-la no seio de seu lar, Diogo foi envolvido pela emoção comum de pai diante de um novo fruto, sem nenhum resquício da identidade espiritual que abraçava ali.
PRIMEIRA PARTE (Médium Wilton Oliver) Capítulo 1 - Visitas à casa do irmão Hélio
Cap. 5 - Na câmara de miniaturização
Cap. 6 - Preparação para o porvir
Cap. 8 - Oportunidade para recomeço
Cap. 12 - Nos campos da Colônia
Cap. 14 - Influências nefastas
Cap. 15 - Exposição esclarecedora
SEGUNDA PARTE (Médium Rodrigo Felix da Cruz) - Cap. 1 - Notícia feliz
Cap. 4 - Estágio no Hospital Irmã Margarida
Cap. 7 - Laboratório da Memória
Cap. 9 - Primeiras atividades socorristas
Cap. 10 - Visita a François Dupont
Cap. 12 - Grupo de planejamento
Cap. 13 - Implantação do projeto
Cap. 14 - Trabalho em conjunto
Cap. 15 - Comprometimento, esperança e perdão
TERCEIRA PARTE (médiuns Alessandra Aparecida Silva e Rodrigo Felix da Cruz) Cap. 1 - Balanço
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