Após o encontro com Diogo, Ícaro havia aceitado o retorno ao plano físico, porém muitos outros pontos precisariam agora ser colocados em prática, a começar pelo processo de esquecimento do passado. Ícaro não poderia levar consigo as reminiscências da vida anterior, da qual ele somente guardava mágoas.
Fiquei muito entusiasmado, pois a irmã Madalena havia me dito que eu iria acompanhar esse processo, porque, antes de qualquer coisa, aquele fato ímpar me seria particularmente um aprendizado proveitoso.
Naquela mesma tarde, fui ao local onde Ícaro fora encaminhado para os últimos arranjos perispirituais, que lhe colocariam em condições reais de aderir novo estágio na dimensão física.
Por aqueles instantes, no corredor onde fiquei aguardando, uma senhora que cuidava da limpeza do recinto se aproximou de mim com olhar doce.
— Você já está aí há um bom tempo...
— Não me dei conta, espero não estar atrapalhando — respondi.
— Absolutamente, não se preocupe com isso! Na verdade, você só está ajudando.
— Queria fazer mais — falei pesaroso.
— A vontade em fazer já é algo grandioso.
Depois de uma pausa, ela me perguntou:
— Gostaria de conhecer o resto deste setor do hospital?
— Eu posso?! — perguntei entusiasmado.
— Claro, vamos!
Desta forma, fomos caminhando pelos brancos e iluminados corredores daquele lugar, que parecia uma incubadora em escala aumentada.
— Sabe irmã — dizia eu, enquanto caminhávamos —, Tenho vindo muitas vezes a este local, desde que Ícaro veio para cá, mas ainda não sei se este prédio tem algum nome. Por exemplo, o Centro de Convenções se chama Maria de Nazaré, e me parece bem óbvia a homenagem; e outras salas menores também possuem placas com respectivos nomes, que suponho ser em homenagens a personagens queridos da colônia.
— Sim, são sim — ela me confirmou.
— Não sei se foi desatenção minha, mas não me lembro de ter visto nenhum letreiro na fachada do prédio. Ele não tem nome?
— Tem sim, caro amigo, o nome do prédio em que estamos é Casa de Repouso e Auxílio Irmã Margarida. Aqui nós tratamos de casos simples de socorros, reparações perispirituais e preparativos para irmãos que irão reencarnar. E você tem razão, não há nenhum letreiro na fachada — falou sorrindo, ao final.
— Então o planejamento reencarnatório de Ícaro foi todo elaborado aqui?
— Não amigo César, esse é outro departamento, aqui nós cuidamos dos arranjos físicos que darão as condições ideais para o Espírito reencarnante e também cuidamos para que o período de gestação não seja algo desconfortável para a mãe, o que facilmente aconteceria no caso do irmão Ícaro.
— Pensei que isto já tivesse sido feito desde que Ícaro chegou aqui.
— Não! — disse-me ela — Quando Ícaro chegou à nossa humilde casa Assistencial, tínhamos a certeza de que ele seria mais um caso de encarnação compulsória e com grande chance de aborto espontâneo, pois sua estrutura já estava a se destoar das condições básicas para a elaboração de um corpo habitável. Porém este quadro mudou quando você se dispôs a acompanhá-lo em seus sonhos, conversando com nosso amigo. Você fez com que ele se encorajasse a uma nova aventura na terra. Sendo assim, o processo reencarnatório efetivamente começa agora, neste local que chamamos incubadora.
Ri ao ouvir aquela expressão, pois há pouco eu havia feito uma idêntica comparação com uma incubadora.
Em seguida, exprimi mais dúvidas:
— Como se explica o fato de Ícaro, ao longo de minhas visitas, ainda na outra ala, já ter a sua forma perispiritual reduzida ao tamanho de um feto humano?
— Cada palavra que você lhe dirigia com amor, simplesmente fazia com que nosso amigo se desligasse de suas mágoas, dando a seu perispírito a flexibilidade que lhe é peculiar. Esses momentos de flexibilidade são tão proveitosos, por assim dizer, pela equipe que monitora estes casos e que faz a redução e modelagem perispiritual...! Porém, Ícaro ainda não estava ligado àquela que será sua mãe, e por isso não patenteia o inicio do processo reencarnatório.
— Nossa! Complicado tudo isso...
Ela riu e completou:
— É sim, mas você acaba se acostumando.
— Irmã, ainda não sei o seu nome?
— Margarida. É assim que todos me chamam. Perdoe-me por não ter me apresentado antes. Acredito que foi muito deselegante de minha parte.
— Não irmã, não precisa se desculpar, não foi minha intenção constrangê-la.
— Não constrangeu César, mas me alertou. Da próxima vez ficarei mais atenta para não cometer a mesma deselegância.
— Irmã Margarida, gostaria de voltar para junto de Ícaro.
— Claro, César. Acompanharei você e de lá me encaminharei para os meus outros afazeres. Aqui o trabalho é ininterrupto.
Chegamos ao local onde estava Ícaro. A Irmã Margarida nos deixou e retomou às suas atividades diárias.
Vi que ela parou no meio do corredor para falar com um homem alto e esguio, a quem eu ainda não havia conhecido. Ele olhou para mim e acenou com a mão. Eu lhe devolvi o cumprimento e fiquei a pensar se ele me conhecia, mas não me demorei muito com esse pensamento, pois aprendi que por aqui todos parecem se conhecer, e pelo que tenho observado, de alguma forma, ou em algum momento, nós já nos encontramos.
Voltei então minha atenção para Ícaro, que agora tinha sua forma perispiritual reduzida, semelhante a um feto vultoso, ou seja, sem definição de traços físicos.
Uma equipe de médicos e enfermeiros o acompanhava de perto. Eles pareciam estar manipulando alguma coisa que eu não sabia bem o que era, mas que tinha ação direta na estrutura física de Ícaro.
Naquele, momento, julguei que o que aqueles irmãos estavam fazendo era a modelagem do corpo somático ideal para a nova experiência de Ícaro na esfera terrena.
Ali fiquei a obsevar este trabalho por longo tempo e tive a oportunidade de servir como doador, quando um dos médicos que ali trabalhava chamou-me à sala convidando-me a permanecer em estado de prece em favor do nosso irmão.
— Como poderia ajudar? — perguntei.
— Você, caro amigo, guarda em si uma vontade adimensional de ajudar este nosso irmão. Desta feita, fluidos que desprendem de você são muito utilizados por nós neste processo de organização perispiritual. Estando nosso irmão ainda na condição de Espírito desencarnado, não podemos, por enquanto, usar fluido animal para este fim; pois aqui não se trata de auxilio a um irmão com necessidades de refazimentos físicos, por assim dizer, e sim de elaboração de um novo corpo orgânico.
Fiquei absorto com tanta informação. Naquele primeiro momento, confesso não ter entendido muito bem o que aquele irmão havia me dito. Mas procurei me concentrar apenas em permitir que o que houvesse de bom em mim a ser doado em prol de Ícaro, assim fosse feito.
— Muito prazer, Augusto! — disse-me o médico, ao fim da sessão de elaboração somática — Espero não ter-lhe causado confusão, caro amigo.
— Certamente, causou, mas sei que em breve, entenderei tudo isso.
— Fique à vontade para perguntar. Terei o prazer em ajudar, se eu puder, é claro.
Então, aproveitei para perscrutar:
— Fiquei confuso, pois não sabia como poderia ser útil nesses trabalhos. Nem mesmo sabia como fazer para que meus fluidos pudessem chegar até Ícaro.
— Como eu já lhe disse César, você guarda em seu íntimo grande vontade de ajudar e esta vontade basta para que não haja barreiras para o desprendimento das suas boas energias.
— Mas é possível fazer isso sem ter conhecimentos?
O bondoso interlocutor me respondeu:
— Perfeitamente, porém, isso não anula a necessidade de se obter conhecimentos daquilo que se realiza. É com o conhecimento unido com a vontade real que fazemos os prodígios que Jesus disse sermos capazes de fazer. Sabe César, se na Terra os homens tivessem um pouco de vontade verdadeira, ou seja, da fé de que o Cristo nos fala, fariam grandes obras das quais eles mesmos duvidam. Foi por isso que o convidei a entrar na sala de elaboração. No momento quando você entrou, pude te esclarecer sobre alguns pontos de nosso trabalho. Assim, você começou a ter noção do que se passava naquele instante. A partir daí, você contribuiu um pouco mais, porque sabia o motivo de participar daquele trabalho. Sabia que encontramos em muitos ambientes de socorro espiritual grandes dificuldades somente por que alguns irmãos encarnados, que se dispuseram a ajudar, desconhecem sua própria importância e que, ao longo das tarefas, se perdem enfatizando os trabalhos alheios e, com isso, não conseguem direcionar seus próprios pensamentos.
— Não imaginei que isso fosse tão importante!
— Suponho que você tenha frequentado um centro de amparo espiritual algumas vezes, certo?
— Sim, mas nada que me coloque no patamar de espírita, eu acho...
— Bom, quanto a isso, devo dizer que não é o fato de frequentar uma instituição que lhe dará a alcunha de espírita. Porém, isso é um outro assunto. Nas vezes em que frequentou uma casa de amparo, o amigo deve ter recebido o chamado passe, certo?
— Sim — confirmei.
— Pois bem, esses passes, que muitos aqueles que aplicam nem sabem por que o fazem, na verdade, são doações de fluidos peculiares dos Espíritos encarnados. Muitos médiuns passistas, desconhecendo essa origem, deixam de imprimir sua vontade e relegam a nós, Espíritos, a função de dirigir essas energias, o que fazemos com enorme devoção. No entanto, nosso trabalho, terá sempre maior eficácia se a vontade do doador interagir com nossos esforços. Entenda a palavra vontade por fé racional. Sendo assim, é como se esses irmãos dissessem "estou aqui, mas não sei o que fazer; que seja feita a vontade de Deus". É claro que Deus, nosso Pai Criador sempre haverá de querer o bem a todos os seus filhos, mas Ele nos deu a sublima tarefa de trabalharmos em função do bem comum, proporcionando o bem singular de todos que nos procuram. E se não nos entregarmos verdadeiramente a essa tarefa, falo da necessidade de assumirmos nossos papeis nos trabalhos abarcados, unindo nossa vontade ao conhecimento adquirido, será como agir comodamente, para não dizer displicentemente.— Então suponho que isto que o amigo acabou de fazer comigo foi me dar a oportunidade de saber o porquê eu doava fluidos a Ícaro, além de conhecer a finalidade de tudo isso, correto?
— Sim, mas não somente isso. Deixo um convite a você para que busque informações sobre o assunto. Que você se instrua César, pois quem sabe faz muito, quem ama faz muito mais e quem ama sabendo o que faz, realiza os feitos de Jesus.
PRIMEIRA PARTE (Médium Wilton Oliver) Capítulo 1 - Visitas à casa do irmão Hélio
Cap. 5 - Na câmara de miniaturização
Cap. 6 - Preparação para o porvir
Cap. 8 - Oportunidade para recomeço
Cap. 12 - Nos campos da Colônia
Cap. 14 - Influências nefastas
Cap. 15 - Exposição esclarecedora
SEGUNDA PARTE (Médium Rodrigo Felix da Cruz) - Cap. 1 - Notícia feliz
Cap. 4 - Estágio no Hospital Irmã Margarida
Cap. 7 - Laboratório da Memória
Cap. 9 - Primeiras atividades socorristas
Cap. 10 - Visita a François Dupont
Cap. 12 - Grupo de planejamento
Cap. 13 - Implantação do projeto
Cap. 14 - Trabalho em conjunto
Cap. 15 - Comprometimento, esperança e perdão
TERCEIRA PARTE (médiuns Alessandra Aparecida Silva e Rodrigo Felix da Cruz) Cap. 1 - Balanço
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