Agênere é a denominação do estado temporário em que um Espírito se manifesta materializado sob a forma humana, num grau tal de realismo que pode produzir a ilusão de ser uma pessoa comum encarnada. Tal corporificação se dá por uma combinação de determinados fluidos manipulados pelo ser espiritual. Na Codificação Espírita, há alguns relatos desse tipo de fenômeno e uma apreciação teórica sobre suas condições e o seu caráter, de modo a estabelecer certos critérios sobre os agêneres. Pela sua complexidade, é uma modalidade raríssima de aparição tangível.
Agênere: Espírito materializado na forma humana
Definição etimológica
O termo agênere vem do idioma grego: a = sem, privado de (prefixo de negação) + géine, géinomaï = gerar, gerado, equivalente a “que não foi gerado”, designando que um agênere é uma espécie de ser que não nasceu, que não foi gerado nas condições humanas normais. Sua designação tem origem na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, quando da apreciação de uma manifestação extraordinária — a história do menino de Bayonne (ou Baiona, comuna no Sul da França):
“Questionado sobre esse ponto, um Espírito superior respondeu que realmente podemos encontrar seres dessa natureza, sem que o suspeitemos; acrescentou que isso é raro, mas possível. Como, para nos entendermos, precisamos dar um nome para cada coisa, a Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas os chama agêneres, assim indicando que sua origem não é o resultado de uma geração.”
Revista Espírita - fev. 1859, ‘Os agêneres’
Em O Livro dos Médiuns, assim definiu Allan Kardec:
“[...] diremos apenas que é uma variedade da aparição tangível; é o estado de certos Espíritos que podem revestir momentaneamente as formas de uma pessoa viva, ao ponto de causar completamente uma ilusão.”
O Livro dos Médiuns, Allan Kardec - cap. VII, item 125
Modo de manifestação
O agênere é, portanto, um tipo de fenômeno de materialização espiritual, e mais especificamente de aparição espiritual (porque às vezes as materializações podem ser de formas diversas, como objetos, flores etc.), ou seja, em que o indivíduo desencarnado se corporifica e assume a aparência completa de um encarnado, inclusive tão tangível quanto.
Por mais espantoso que possa parecer, o típico fenômeno dos agêneres não se trata de nenhuma ação sobrenatural, quer dizer, mágica, mística, fora das leis naturais; a forma física com a qual o Espírito se apresenta no fenômeno agênere se produz mediante a capacidade que o perispírito tem de ser moldado, através de suas transformações moleculares e da mistura com outros fluidos, dentre os quais o fluido universal do ambiente e os fluidos extraídos dos médiuns que se prestam a essas operações; essas emanações também são conhecidas como ectoplasma.
Essa capacidade de modulação do perispírito permite ao agênere dissolver-se lentamente ou se desmaterializar com a rapidez de um relâmpago, através da desagregação das moléculas fluídicas.
A Codificação Espírita registra ainda que — muito embora, bem mais raramente — uma aparição desse porte está ao alcance de um ser encarnado em estado de emancipação da alma:
“Como o perispírito é o mesmo tanto nos encarnados como nos desencarnados, por um efeito completamente idêntico, um Espírito encarnado pode aparecer, num momento de liberdade, em ponto diferente do lugar onde seu corpo repousa, com seus traços habituais e com todos os sinais de sua identidade. Foi esse fenômeno, do qual se conhecem muitos exemplos autênticos, que deu origem à crença nos homens duplos..”
A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, Allan Kardec - cap. XIV, item 37
Características dos agêneres
A característica principal de um fenômeno envolvendo os agêneres é a de um tipo especial de aparição em que o Espírito condensa seu corpo perispiritual de maneira tão acentuada e eficiente que o torna bem parecido com o corpo de uma pessoa encarnada, fazendo-se visível, sólido e tangível; porém, essa semelhante é só aparente. Tratando de semelhantes manifestações, codificador espírita anota importantes características dos agêneres:
“É de se destacar que as aparições tangíveis tenham somente as aparências da matéria carnal, mas não tenha as qualidades dela; em razão da sua natureza fluídica, elas não podem ter a mesma coesão, pois, na realidade, isso não é da carne. Elas se formam instantaneamente e do mesmo modo desaparecem, ou se evaporam, pela desagregação das moléculas fluídicas. Os seres que se apresentam nessas condições não nascem e nem morrem como os outros homens; nós os vemos e não os vemos mais sem sabermos de onde eles vêm, como vieram, nem para onde vão; ninguém poderia matá-los, nem os acorrentar ou aprisioná-los, pois eles não têm um corpo carnal; os golpes que lhes fossem desferidos só atingiriam o vazio.
“Tal é a característica dos agêneres, com os quais podemos conversar sem suspeitar do que sejam eles, mas que não demoram longo tempo e não podem se tornar convivas habituais de uma casa, nem figurar entre os membros de uma família”
A Gênese - cap. XIV, item 36
Na incidência de tal manifestação, um agênere pode representar as mínimas características de um organismo humano, podendo ser tocado, apalpado, a fim de que o observador possa sentir a resistência da matéria, o calor e o odor de um corpo comum. Conquanto não disponha das necessidades orgânicas dos seres humanos, os agêneres podem reproduzir os hábitos mais triviais, por exemplo, comer e beber. Enfim, é um pseudo-organismo físico humano:
“Um Espírito cujo corpo fosse assim visível e palpável teria, para nós, toda a aparência de um ser humano; poderia conversar conosco e sentar-se em nosso lar qual se fora uma pessoa qualquer, pois o tomaríamos como um de nossos semelhantes.”
Revista Espírita - fev. 1859: ‘Os agêneres’
Contudo, Kardec pondera que, apesar de todo o esforço para se produzir uma máxima semelhança, não deixa de haver em tal fenômeno certa estranheza:
“Há, aliás, em toda a sua pessoa e nas suas atitudes, algo de estranho e de insólito que vem ao mesmo tempo da materialidade e da espiritualidade; seu olhar vaporoso, e penetrando tudo de uma vez, não tem a nitidez do olhar através dos olhos da carne; sua linguagem breve e quase sempre sentenciosa nada tem da claridade e da mobilidade da linguagem humana; a aproximação deles causa uma sensação incomum indefinível de surpresa que inspira uma espécie de temor, e, enquanto os tomando por indivíduos iguais a todo mundo, diz-se involuntariamente: Eis aí um ser estranho.”
A Gênese - cap. XIV, item 36
Apreciando o caso dos agêneres, o Espírito São Luís (mentor espiritual da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas), ajuizou os objetivos que levam certos Espíritos a tomar esse estado corporal:
“Frequentemente o mal; os Espíritos bons têm a seu favor a inspiração; agem pela alma e pelo coração. Como o sabeis, as manifestações físicas são produzidas por Espíritos inferiores, e aquelas são desse número. Entretanto, como disse, os Espíritos bons podem igualmente tomar essa aparência corporal com um fim útil. Falei de maneira geral.”
São Luiz
Revista Espírita - fev. 1859: ‘Os agêneres’
E definiu também as seguintes características para essa modalidade de fenômeno:
- Os agêneres são manifestações de Espíritos de diversos estágios evolutivos;
- Além da própria vontade, eles se manifestam e somente mediante a permissão superior;
- Espíritos inferiores podem algumas vezes tomar a forma agênere para fruir de vícios e das paixões que conservou de quando estava encarnado, mas a sua forma materializada não tem as mesmas necessidades de um corpo humano;
- Bem como não passam pela gestação, os agêneres não podem procriar e nem morrem;
- Esse é um fenômeno temporário e normalmente de pouca duração.
- Pode produzir no observador uma completa ilusão de realismo, sendo percebido então pelo ato de seu inesperado desaparecimento.
Eventos de supostos agêneres
Diz o Espírito São Luís que a Bíblia é um notável repositório de aparições de agêneres, por exemplo, o anjo Gabriel, quando do anúncio da gravidez de Maria, mãe de Jesus. Também extraordinário é o episódio narrado no livro de Tobias (na Bíblia católica), em que, atendendo às preces do pai de Tobias, o anjo Rafael “desce do céu” e se disfarça de homem para acompanhar e ajudar Tobias em sua jornada de casamento, protegendo-o, em sua viagem de volta à casa paterna, e também a sua noiva, livrando-os de obsessores e de um enorme peixe. Esse anjo, ao fim, recebendo ofertas de recompensas, recusa-as informando que Deus o enviara para ajudá-los, em função de seu merecimento e, pedindo que narrassem o ocorrido para a posteridade, “desapareceu diante deles e eles não o puderam ver mais” (Tobias, 12:21). Conhecendo esse episódio, Kardec vai comentar:
“Se o anjo que acompanhou Tobias lhe tivesse dito 'Sou enviado por Deus para te guiar na tua viagem e te preservar de todo perigo', Tobias não teria tido nenhum mérito; confiando no seu companheiro, nem sequer teria precisado pensar. Eis a razão por que o anjo só se fez conhecer ao regressarem.”
O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec - cap. XXII, item 8
Nos tempos modernos, destacamos a visita que Jan Huss recebeu na prisão, pouco antes de ser condenado à fogueira da Inquisição, sendo o visitante a materialização do Espírito que outrora havia sido São Metódio (irmão de São Cirilo; os dois foram consagrados copatronos da Europa devido seus esforços para evangelizar os povos eslavos no século IX). O agênere então recomenda ao prisioneiro muita firmeza perante a morte próxima, prometendo ajuda permanente e as recompensas da vida espiritual.
Já na era da fenomenologia espiritualista do século XIX, é um caso clássico o da aparição do Espírito Katie King, materializado via mediunidade da jovem inglesa Florence Cook, conforme as investigações do eminente químico e físico inglês Sir William Crookes (entre os anos 1871 e 1874), que pesou, mediu e fotografou a entidade. Para dissipar as suspeitas de que o dito Espírito seria a própria médium, Crookes nos enseja uma rica descrição da forma espiritual materializada:
“Ultimamente tendo examinado muito Katie, iluminada à luz elétrica, posso acrescentar aos pontos, já mencionados, de diferenças entre ela e o seu médium, que tenho a mais absoluta certeza de que a Senhorita Cook e a Senhorita Katie são duas individualidades distintas, no que se refere aos corpos. Vários sinais no rosto de Cook não existem no de Katie. O cabelo de Cook é de um castanho tão escuro que parece negro; um cacho do cabelo de Katie, que tenho agora em minha frente, e que ela me permitiu cortasse de suas tranças exuberantes, inicialmente examinado e, para minha satisfação, verificado que cresceu, é de um rico dourado escuro.
“Uma noite contei o pulso de Katie. Tinha 75 pulsações, enquanto o da Senhorita Cook pouco depois marcava 90 pulsações. Aplicando o ouvido ao peito de Katie, pude ouvir o coração a bater ritmado e pulsando mais firmemente que o da Senhorita Cook, quando esta me permitiu que a auscultasse depois da sessão. Examinados do mesmo modo os pulmões de Katie pareceram mais fortes que os da médium, pois ao tempo em que a examinei, Miss Cook estava sob tratamento médico de uma tosse rebelde.”
A História do Espiritualismo, Arthur Conan Doyle - cap. 11
Sir William Crookes e a materialização do Espírito Katie King
Jesus, um agênere?
Nos seus trabalhos de desenvolvimento do Espiritismo, Allan Kardec não ignorou certa teoria de que o próprio Cristo, em toda a sua passagem na Terra, não teria tido um corpo carnal comum e, portanto, teria sido um agênere; conforme a doutrina do Roustainguismo — baseada na obra Os Quatro Evangelhos, coordenada e publicada por Jean-Baptiste Roustaing. Diante dessa tese, o pioneiro Espírita ponderou que, apesar de “não ser radicalmente impossível, no mínimo, seria um evento inteiramente excepcional e em formal oposição ao caráter dos agêneres”, que, pela sofisticação do fenômeno, é de pouca duração; além disso, a narrativa da vida de Jesus — desde seu nascimento até sua morte, por crucificação, na sua linguagem e nas circunstâncias normais do seu cotidiano — demonstra um aspecto natural de quem teve um corpo físico normal. Tais observações implicam em dizer que:
“Se Jesus tivesse estado durante sua vida nas condições de seres fluídicos, ele não teria experimentado nem a dor nem qualquer uma das necessidades do corpo; supor que tenha sido assim é tirar dele todo o mérito da vida de privações e de sofrimentos que ele havia escolhido como exemplo de resignação. Se tudo nele fosse somente aparente, todos os atos de sua vida — o reiterado anúncio de sua morte, a cena dolorosa do jardim das Oliveiras, sua prece a Deus para afastar o cálice dos seus lábios, sua paixão, sua agonia, tudo até o último grito no momento de entregar o Espírito — tudo não teria passado de uma vã simulação para enganar quanto à sua natureza e fazer crer num sacrifício ilusório de sua vida — uma comédia indigna de qualquer homem honesto, e com mais forte razão de um ser tão superior; numa palavra, ele teria abusado da boa-fé dos seus contemporâneos e da posteridade. Tais são as consequências lógicas dessa teoria, consequências que não são admissíveis, porque o rebaixa moralmente, em vez de o elevar.”
A Gênese - cap. XIV, item 66
Donde Kardec concluiu: “Jesus então, como qualquer pessoa, teve um corpo carnal e um corpo fluídico, o que é atestado pelos fenômenos materiais e pelos fenômenos psíquicos que marcaram a sua vida”.
Por outro lado, continua ponderando Kardec, após a sua morte e destituído do envoltório físico humano, Jesus manifesta-se em diversas ocasiões, a diversos observadores, da maneira típica dos agêneres, a ponto de ser confundido com um encarando qualquer, pois apresentava-se com as características semelhantes à de um homem, inclusive permitindo ser tocado pelo apóstolo Tomé. Ainda assim, um tanto diferenciado de quando estava encarnado.
“Depois de sua morte, ao contrário, tudo nele revela o ser fluídico. A diferença entre os dois estados é tão evidente que não se pode confundi-los [...]
“Se observarmos as circunstâncias em que se deram as suas diversas aparições, reconheceremos em Jesus, nesses momentos, todas as características de um ser fluídico. Ele aparece instantaneamente e do mesmo modo desaparece; ele é visto por uns e por outros não, sob aparências que não o tornam reconhecível nem sequer pelos seus discípulos; ele se mostra em recintos fechados, onde um corpo carnal não poderia penetrar; até sua linguagem não tem a vivacidade daquela de um ser corpóreo; fala em tom breve e sentencioso — peculiar aos Espíritos que se manifestam dessa maneira; em resumo, todas as suas atitudes têm alguma coisa que não é do mundo terreno. Sua visualização causa simultaneamente surpresa e pavor; ao vê-lo, seus discípulos não lhe falam com a mesma liberdade; sentem que já não é mais o homem.”
A Gênese - cap. XIV, itens 66 e 61
Se já se considerava o fenômeno dos agêneres um evento raro em tempos remotos — quando as manifestações de efeitos físicos exerciam o papel elementar de tocar os homens pelos sentidos mais concretos e neles despertar a curiosidade às coisas espirituais, com muito mais razão podemos ajuizar que, doravante os tempos mais modernos, esse tipo de manifestação é e será bem menos frequente, pois a humanidade avança para tocar a espiritualidade mais pelas ideias do que pelos fenômenos.
Veja também
Referências
- O Livro dos Médiuns, Allan Kardec - Ebook.
- A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, Allan Kardec - Ebook.
- Revista Espírita, Allan Kardec, especialmente a coleção de 1859 - Ebook.
- A História do Espiritualismo, Arthur Conan Doyle, especialmente o cap. 11 - Ebook.
- ‘Roustainguismo: uma análise espírita mais aprofundada e menos apaixonada’ em Espiritismo em Movimento (visitado em 21/11/2018).
- ‘Curiosidades sobre os agêneres’ por Gilberto Perez Cardoso, em Espiritualidade e Sociedade (visitado em 24/11/2021).