Alma gêmea, ou cara-metade, diz respeito à ideia que propõe que cada alma (Espírito) tem, desde sua origem, uma ligação íntima e direta com um determinado semelhante com quem estaria fatalmente predestinado a se encontrar e então a compartilhar uma relação perpétua de mútuo afeto — por vezes associado à paixão carnal — como que um completando ao outro, formando as “metades eternas”. A Doutrina Espírita refuta essa ideia mediante o princípio de indivisibilidade de cada ser, bem como por revelar o verdadeiro caráter das ligações espirituais (que são desprovidas de paixões e interesses materiais) do que resulta que os Espíritos perfeitos formam uma fraternidade universal, em que todos — e não um mero par — se afeiçoam uns aos outros de igual maneira, como irmãos, pelo princípio de que somos todos igualmente filhos de Deus.
O termo gêmeo vem do latim gemìnus e têm quatro concepções distintas, a saber: 1) duplo, duplicado; 2) igual, semelhante, parecido; 3) corpulento; e 4) intenso. O misticismo reuniu os quatros níveis de significados para elaborar a tese de que um indivíduo (alma ou Espírito) é na verdade uma dualidade — dois seres que podem estar separados, mas que estão destinados a se unirem e se completarem — de dois seres muito semelhantes em sua essência íntima, embora se figurem numa polaridade física — um no corpo de homem e o outro no de mulher — cujo destino é a união eterna, para viverem essa intimidade intensamente de uma forma especial de integridade.
Segundo o Espiritismo, cada Espírito é uma individualidade e, sendo indivisível, a alma não pode estar sujeita a outra, nem tampouco ser completada. Embora todos sejam criados de uma natureza semelhante e todos destinados a uma igualdade de valores morais e intelectuais, cada qual conserva sua unicidade e identidade própria, não podendo haver parelhas particulares absolutas.
Os Espíritos se simpatizam, se atraem e se ligam verdadeiramente uns aos outros por sentimentos, não por laços materiais ou outra força qualquer. No curso evolutivo, aqueles que compartilham dos mesmos desejos e instintos atraem-se e, inclusive, costumam se habilitar para compartilharem de múltiplas experiências reencarnatórias juntos — como cônjuges, irmãos, amigos etc.
As atrações particulares entre as almas são momentâneas, circunstanciais e relativas ao seu grau evolutivo. Porém, uma vez que alcancem a perfeição espiritual, largam as particularidades e se entrelaçam pelo princípio da fraternidade universal, em que somos todos irmãos, todos filhos de Deus, destinados ao amor universal (O Livro dos Espíritos, questões 298 a 303):
Uma importante opinião no meio espírita controversa a esse tema é a do Espírito Emmanuel; na obra Há Dois Mil Anos, 1ª Parte, capítulo IV, psicografada por Chico Xavier e publicada em 1939 pela Federação Espírita Brasileira, pela qual ele narra uma de suas jornadas terrenas, então encarnado como o senador romano Públio Lentulus, encontra-se o poema seguinte, que ele dedica a sua amada esposa Lívia:
Poder-se-ia supor a menção “alma gêmea da minh’alma”, exposta já no primeiro verso, apenas como uma figura de linguagem, ou mesmo a crença daquele personagem carnal, ou mesmo a crença daquele personagem, inclusive porque o poema também faz menção aos deuses romanos (primeiro verso da segunda estrofe); porém, não seria comum pensar esta ser a crença do Espírito Emmanuel, guia espiritual do referido médium. No entanto, um ano depois é lançado o livro O Consolador, do mesmo autor e pelo mesmo psicógrafo, no qual a entidade espiritual parece validar a tese de almas gêmeas:
Na questão seguinte, da mesma obra mencionada, Emmanuel pondera — respondendo se a união das almas gêmeas poderia constituir uma restrição ao amor universal — que: “O amor das almas gêmeas não pode efetuar semelhante restrição, porquanto, atingida a culminância evolutiva, todas as expressões afetivas se irmanam na conquista do amor divino. O amor das almas gêmeas, em suma, é aquele que o Espírito, um dia, sentirá pela Humanidade inteira.” Portanto, conforme este entendimento, a união íntima dos ditos pares predestinados se efetua particularmente apenas durante o curso evolutivo dessas almas, perdendo essa exclusividade em favor da afeição indistinta pela coletividade geral.
Ainda assim, parece permanecer no conceito de Emmanuel a ideia de uma necessária associação intrínseca e privada entre “dois corações” que rumam à própria culminância evolutiva — o que mantém a controvérsia, por levar a crer na suposição das chamadas “metades eternas” rejeita pela codificação kardequiana, conforme expresso na questão a seguir:
Desmistificada a ideia vulgar das almas gêmeas, ressalta-se os laços de afetos que atraem a simpatia e aproximação dos Espíritos — não limitada a um par — estando um deles ou todos os envolvidos encarnados ou na erraticidade; essa afeição, o Espiritismo enfatiza, se dá pela similaridade de sentimentos e interesses comuns, pelo que um procura cooperar com os demais em seus propósitos (O Livro dos Espíritos - questão 302).
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