Anália Emília Franco Bastos (Resende, RJ, 1 de fevereiro de 1853 — São Paulo, 20 de janeiro de 1919) foi uma professora, jornalista, poetisa, escritora e filantropa brasileira, além de espírita, cuja doutrina pautou os valores de sua memorável biografia, realizando assim uma das maiores obras sociais já registradas na História do Brasil, especialmente no tocante à pedagogia, razão pela qual é lembrada como “A Grande Dama da Educação Brasileira”. Dos seus quase sessenta e seis anos de vida, a maior parte foi dedicada às obras de caridade, sendo responsável pela fundação de mais de setenta escolas, vinte e três asilos para crianças órfãs, dois albergues, uma colônia regeneradora para mulheres, uma banda musical feminina, uma orquestra, um grupo dramático, além de diversas oficinas para manufatura, abrangendo vinte e quatro cidades do interior e da capital paulista, onde mais concentrou seus empreendimentos beneficentes, especialmente atendendo mulheres desamparadas, para quem institui a Associação Feminina Beneficente e Instrutiva, cujo prédio mais tarde seria tombado pelo Patrimônio Histórico da Cidade de São Paulo. Em seu projeto de filantropia, seu lema maior era acolher, educar, capacitar para o trabalho e dignamente favorecer que o necessitado passasse a uma condição de autossustentação. Também concretizou uma extensa lista de produções literárias. Foi ativa em sua obra social até o fim da vida e deixou um legado inestimável, muito honrando o título de adepta do Espiritismo.
Anália Franco (1853-1919)
Anália Emília Franco nasceu em uma família tradicionalmente católica, filha do paulista Antônio Mariano Franco Junior e da pernambucana Teresa Emília de Jesus, sendo a primeira filha do casal, do qual também nasceram Antônio e Ambrosina. Até os seus oito anos de idade, morou na cidade natal — Resende, no Rio de Janeiro; em 1861, ela acompanhou seus pais na mudança para o Estado de São Paulo, passando por estadias em diversas cidades do interior.
Nesse ínterim, recebeu boa instrução de sua mãe, que exercia a profissão de professora — o que, de certa forma, já era um pioneirismo o fato de uma mulher assumir uma atividade profissional, pois, o cenário vigente não parecia promissor:
Nesse contexto imperial o ensino elementar permaneceu geralmente como tarefa da família e, muitas vezes, era realizado na própria casa das camadas privilegiadas, que contratavam seus preceptores particulares. Com isso, a difusão de escolas de primeiras letras ficou praticamente estagnada; o ensino secundário foi desenvolvido principalmente por iniciativa privada e o aparecimento de escolas normais foi restrito; o ensino superior era controlado pelo governo e exigia exames preparatórios. Em relação à formação de professores, A Reforma Couto Ferraz adotou a formação de professores por meio de professores adjuntos, ou seja, na prática os professores se formavam atuando como professores auxiliares de outros professores públicos.
Dificuldades à parte, por um instinto vocacional irrefreável Anália conseguiu em 1868, na idade de debutante, iniciar o curso de magistério e logo mais recebeu permissão para ser professora primária, começando como auxiliar de sua mãe na Província de São Paulo; naquele mesmo ano é assinado o Manifesto Liberal, com o qual começa um movimento marcante no final do Império que reivindica a liberdade do trabalho, do voto e da consciência: a monarquia entra em crise e o cenário político começa com suas primeiras transformações em direção à proclamação da República.
A base do pensamento de Anália Franco se forma em torno dos ares de mudanças sugeridos pelo cenário social, apoiando-se na crença do poder da educação para todos como uma forma de progresso para o Brasil, em sintonia com o ideal da abolição da escravidão e da emancipação da mulher.
Com a promulgação da Lei do Ventre Livre (28 de setembro de 1871) os filhos de mulheres escravas nascidos a partir daquele ano estavam livres da escravidão negreira, ficando estes sob o domínio dos senhores de suas mães até os oito anos completos — o que resultava em abusos e descaso por parte dos fazendeiros, que não tinham interesse em cuidar dessas crianças por não terem nenhum retorno financeiro com isso; muitos desses desvalidos iram parar nas ruas a mendigar. Nessa época, Anália era professora pública concursada em Jacareí, SP, onde então ela se mobilizou em favor desses abandonados; ela usava seu talento de escritora para redigir cartas para as mulheres fazendeiras, pedindo amparo para essas crianças e com isso criou um local próprio — a Casa Maternal — para o primeiro acolhimento; Anália até consegue a isenção do aluguel para tal empreendimento, mas sob a condição de que não houvesse a “promiscuidade” de misturar crianças brancas e negras numa mesma sala de aula; Anália recusou a oferta e preferiu pagar o aluguel de uma outra residência. Quando seu salário não cobria os custos, ela saía às ruas solicitando o auxílio da caridade.
A jovem Anália Franco
Em 1872, Anália é aprovada em concurso da Câmara da Província de São Paulo e oficializa seu trabalho como auxiliar de sua mãe, cargo que não assume na capital, mas transfere para o interior com a finalidade de levar adiante seu projeto de “Escola Maternal”, ainda em Jacareí, embora houvesse uma trama para sua expulsão:
Em 1876, Anália vai morar em Guaratinguetá, onde ela passa a lecionar ao lado de sua mãe. No ano seguinte ela retorna à capital para fazer a escola normal. No final daquele ano, o jornal A Província de São Paulo elogia o exame por ela prestado. Seu talento para escrever lhe permitiu ingressar no meio jornalístico, compondo artigos para alguns jornais e revistas da região.
Em 1888 e 1889, com o decreto da abolição da escravatura e a Proclamação da República no Brasil, o trabalho de Anália avançou ainda mais e ela conseguiu construir dois colégios gratuitos para meninos e meninas. No mesmo ano, ela ainda criou uma revista própria, o Álbum das Meninas — após já ter feito contribuições a revistas femininas, tais como A Família, A Mensageira e O Eco das Damas.
De fato, os ares republicanos eram inspiradores, baseados numa promessa de valores para uma maior igualdade de direitos entre os cidadãos; contudo, a educadora vocacionada não se deixou iludir pelas promessas e vez ou outra denunciava em seus escritos os privilégios mantidos pelo Partido Republicano, do qual era simpatizante.
Associação Beneficente Feminina e Instructiva fundada por Anália Franco.
Mas sua lucidez missionária lhe mantinha no foco do trabalho e longe da inércia das falácias e promessas políticas. Em 1901, fundou a Associação Feminina Beneficente e Instrutiva, de apoio às mulheres e crianças, que levou até o final de sua vida. Contou com o apoio de vinte senhoras e inaugurou-o no dia 17 de novembro daquele ano. Com esse projeto, construiu ainda mais escolas maternais e primárias, além de instituir o Albergue Diurno para os Filhos de Mães Jornaleiras, seguido de creches, bibliotecas, escolas noturnas, oficinas profissionalizantes, asilos, liceus, abrigos, centros de atendimento médico e oficinas.
Em 1902, inaugurou o Liceu Feminino, destinado a instruir e preparar professoras para a direção e a educação em suas escolas. Durante os cursos, publicou inúmeros livros, folhetos e tratados sobre a infância e o processo pedagógico, como O Novo Manual Educativo, que também tratava sobre a adolescência e juventude. Em 1903, passou a publicar uma revista mensal A Voz Maternal.
Anália Franco e alunas do Liceu Feminino, em 1907
Em 1911, conseguiu adquirir, mesmo com parcos recursos financeiros, a Chácara Paraíso, 75 alqueires de terra que pertenciam ao padre Diogo Antônio Feijó, que havia se tornado regente do Império do Brasil de 1835 a 1837. Nesse espaço, fundou a Colônia Regeneradora D. Romualdo de Seixas (alusão a um bispo baiano, cujo espírito de caridade a inspirava), com o objetivo de regenerar centenas de mulheres ditas “desviadas” (que caíram na prostituição ou que engravidaram fora das convenções).
Escola profissionalizante vinculada à AFBI
Enfim, os projetos se multiplicaram e a pedagoga filantropa estava cada vez mais ativa:
Anália encontrou uma alma parceira para suas atividades sociais em Francisco Antônio Bastos, com quem se casaria oficialmente em 1906, pois a união de fato já era reconhecida pelas pessoas próximas, segundo a biografia Anália Franco: A Grande Dama da Educação Brasileira, de Eduardo Carvalho Monteiro, acrescentando que ela propunha a Bastos a oficialização do casamento deles “simplesmente para não prejudicar as obras da Associação, já que muitos estavam a comentar sua união.”
Ele era espírita convicto, e talvez tenha sido a porta de entrada para a “conversão” de Anália — que outrora admitia ser católica. Há pistas de que ele também tenha sido maçom, sendo supostamente a ponte principal para o suporte — inclusive financeiro — da maçonaria em favor das instituições fundadas por Anália Franco.
O casal não teve filhos, porém adotou algumas crianças, além de indiretamente cuidar da grande família de assistidos internos nas instituições que Anália e Bastos fundaram.
Francisco Antônio Bastos e o Teatro Infantil do Asilo e Creche
Anália e Bastos assinaram a coautoria do livreto Questionário para Habilitação à Assistência das Sessões Práticas de Espiritismo, de 1912. Quatro anos depois, ela publicou Compêndio de Preces, com algumas composições suas ajuntadas à transcrição de algumas orações de O Evangelho Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec.
O preponderante caráter ativo e determinado daquela professora em favor dos “desvalidos” comovia e inspirava as pessoas, no entanto também suscitava antipatias. Sem do que terem o que concretamente falar de Anália, seus críticos, intencionando prejudicá-la, normalmente se valiam do fato de ela ser adepta do Espiritismo — opção bastante desafiadora em um período cuja sociedade dominante era conservadora e profundamente marcada pelo catolicismo. Tal antagonismo fez com que Anália, a fim de não prejudicar seus projetos sociais, fosse sempre muito cautelosa com relação à fé que professava — apesar de que sua convicção pessoal nada interferia no seu ideal de filantropia:
A grande educadora se valia da Reforma Leôncio de Carvalho, decretada em 18 de abril de 1879, que assegurava a laicidade do ensino público, rompendo com o juramento católico, anteriormente vigente, que era obrigatório para todos os pretendentes a educadores. Ainda assim, a influência da igreja era patente; todos os seus biógrafos concordam que após Anália se declarar espírita ela passou a ter maiores dificuldades financeiras e a sofrer perseguição eclesiástica.
Falando da Associação Feminina Beneficente e Instrutiva, a historiadora Samantha Lodi assevera que, sob a direção de Anália: “Embora a Associação se declarasse leiga, ensinava a existência de Deus, a imortalidade da alma e moral, sem fazer proselitismo a uma ou outra religião, como previsto em estatuto, para não prejudicar as crenças familiares das crianças. Por isso, qualquer culto deveria ser externado fora das dependências dos estabelecimentos da Associação.”
Esse zelo com o social mais do que com a Doutrina Espírita também foi pretexto para ela receber críticas dos próprios confrades: uma carta recebida por Anália Franco em 13 de março de 1906, escrita por Manoel Felippe de Souza, residente em Uberaba, fazia críticas à educadora por ela não transformar o jornal A Voz Maternal — que divulgava a Associação Feminina Beneficente e Instrutiva de São Paulo — em um órgão de divulgação kardecista.
Incompreensão de um lado, reconhecimento de outro: numa visita à cidade de Ribeirão Preto, por ocasião de um evento espírita, a dama da educação foi recepcionada por um sacerdote local, o Padre Euclides, que a rendeu muito respeitosa e calorosamente, dizendo:
Anália Franco faleceu em 20 de janeiro de 1919, nas dependências da Associação Feminina Beneficente e Instrutiva, vítima da epidemia de gripe espanhola que ceifou outras tantas vidas mundo afora.
Seu legado é inestimável e está longe de ser minimamente reconhecido, especialmente no campo da pedagogia no Brasil, para a compreensão da verdadeira obra social (diferente do assistencialismo barato e interesseiro) e para a exemplificação do caráter ativo que deve ter o autêntico espírita, jamais satisfeito com divagações teóricas.
Seu lema foi sempre socorrer o necessitado, educá-lo com amor e favorecer para que ele próprio deixasse a condição de carência através da educação e do trabalho — sublime propósito digno da verdadeira caridade ensinada pelo Espiritismo.
Sua produção literária é vastíssima; dela, destacamos os romances: A égide Materna, A Filha do Artista e A Filha Adotiva; entre as obras didáticas os destaques são: Manual das Mães, Lições aos Pequeninos, Manual Para as Creches e Escolas Maternais, Noções de Geografia Elementar, Brevíssimo Resumo de Aritmética e Primeiras Lições para as Escolas Maternais; de cunho moral e doutrinário espírita, ele nos legou: As Preleções de Jesus (1901) e os já citados Questionário para Habilitação à Assistência das Sessões Práticas de Espiritismo (1912) e Compêndio de Preces (1916).
Manual das Mães para o 2° ano Elementar, obra de Anália Franco
Além destes trabalhos, perdemos a conta de outras tantas composições de poesias, comédias, diálogos, operetas, canções, cançonetas, dramatizações escolares e contos cômicos. Das peças para teatro que escreveu, levadas à cena nos teatrinhos das suas instituições de São Paulo e de cidades do interior do Estado, podemos citar: A Escolinha, A Feiticeira e A Caipirinha.
No Senado Federal, no final de 1903, o senador paulista e notável jurista Dr. Paulo Egídio discursou sobre a obra da Grande Dama da Educação Brasileira à frente da Associação Feminina Beneficente e Instrutiva: “Realmente, não conheço no Brasil uma senhora da sua estatura em dedicação e espírito (...) Esta mulher está fazendo o que os mais intrépidos homens não fizeram ainda.”
Em sua homenagem, um conceituado bairro da capital paulista foi nomeado “Jardim Anália Franco”.
O ex-presidente da Federação Espírita Brasileira, Zêus Wantuil, declarou:
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