Berthe Fropo, nascida Berthe-Victorie-Alexandrine Thierry de Maugras (Sarreguimes, França, 4 de outubro de 1821 - Paris, França, 9 de novembro de 1898) foi uma grande ativista espírita, amiga íntima do casal Kardec (Amélie Boudet e Allan Kardec), membro da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, cofundadora e primeira vice-presidente da União Espírita Francesa. Sua biografia se notabilizou pela coragem e determinação com que ela defendeu os princípios doutrinários e a memória do codificador espírita. Madame Fropo escreveu diversos artigos para o jornal O Espiritismo (Le Spiritisme) e é a autora do livro Muita Luz (Beaucoup de Lumière), obra expressiva para a compreensão das primeiras gerações da História do Espiritismo pós-Kardec.
Berthe Fropo (1821-1898)
Berthe Fropo nasceu em Sarreguemines, cidade do noroeste da França pertencente ao departamento de Mosela, perto da divisa com a Alemanha e não muito distante da Bélgica, em uma família originária de Fontainebleau e composta de nobres, militares e pintores renomados. Foi o terceiro dos quatro filhos de Honoré-Louis Thierry de Maugras, diretor do Hospital Militar de Sarreguemines, e Frederika Rowenhagen, natural de Luxemburgo (Alemanha). Seus irmãos mais velhos foram Henri Thierry de Maugras (nascido em 1817, médico militar, oficial da Legião de Honra) e Louise-Wilhelmine Thierry de Maugras (nascida em 1819); a caçula da família foi Camille Thierry de Maugras (nascida em 1824, médica militar, também oficial da Legião de Honra).
A intensa carreira militar do pai resultou que a sua família precisasse transferir morada para sucessivos lugares (Rocroi, Lille, Briançon e Calais) até que ela fosse se estabelecer na capital francesa. Apesar dessas mudanças, Berthe teve primorosa educação formal e artística, inclusive desenvolvendo sua voz para o canto lírico. Por razões políticas, durante o reinado de Louis-Philippe, seu pai é demitido do exército em 1837 e a situação financeira da família sofre colapso.
Mademoiselle Berthe
Em 1846, já em Paris, Berthe conhece Augustin-Joseph Fropo (1820-1885), embora jovem, já um respeitado cirurgião militar, que com apenas 23 de idade havia concluído o curso de medicina e brilhantemente defendido sua tese de doutorado, o que lhe conferiu a honra de em 1845 ser iniciado na maçonaria pela loja Amis Réunis de l’Orient de Lille. Berthe e Augustin Fropo se casam em 1 de setembro de 1846, com uma celebração católica realizada na igreja de Saint-Jacques-du-Haut-Pas em Paris.
Augustin Fropo, esposo de Berthe
Depois de anos passados na Argélia, pós-campanha italiana de 1859, Augustin Fropo foi nomeado, em 1863, médico do Regimento de artilharia da Guarda Imperial de Paris e o casal estabelece residência na Avenida Duquesne, nº 40.
Enquanto o esposo se destacava na carreira médico-militar, Berthe Fropo se alistava em movimentos humanistas, inclusive integrando uma associação pela luta contra o tabagismo, apesar de ameaças da indústria do cigarro. Também usou seus dotes vocais em benefício dos necessitados, por exemplo, com um solo num concerto na Capela Militar de Paris, oferecido pelo Marechal Regnault de Saint-Jean-d'Angély.
Folheto de campanha contra o tabagismo na França
Com a Guerra Franco-Prussiana, em 1870, a França — e sobretudo a capital parisiense — desmorona diante dos alemães; o Napoleão III é destituído do trono imperial e se exila na Inglaterra; a miséria se espalha e as famílias choram as mortes de seus jovens. Augustin Fropo é nomeado médico-chefe do Hospital Militar de Versalhes, onde em 1871, com reconhecido espírito de caridade, defenderá os feridos da Comuna de Paris (levante armado dos parisienses que propunha criar uma república operária independente do restante da França e fazer resistência aos prussianos) contra os maus tratos infligidos contra esses, pelo que será condecorado Comandante da Legião de Honra Adolphe Thiers.
Com o falecimento do esposo em 1885, Berthe Fropo passará a viver de sua pensão militar, que também usará para praticar atos de benevolência em favor de miseráveis da Vila de Ségur.
Não temos registro de quando e como exatamente Berthe Fropo conheceu a Doutrina Espírita e passou a participar das atividades doutrinárias. O que os registros nos contam é que em algum momento ela foi membro da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, da qual depois se afastou — talvez por ocasião de obrigações militares de seu esposo — também foi amiga íntima do casal Kardec e zelosa defensora da pureza doutrinária da codificação espírita.
Depois do falecimento do codificador do Espiritismo, Madame Fropo foi a grande sustentação da viúva Kardec, sendo inclusive quem tentou socorrê-la quando do passamento de Amélie, conforme a própria Fropo relata:
Fropo ganha destaque no Movimento Espírita a partir de quando ela contesta o modo como as instituições destinadas à continuação das obras doutrinárias de Allan Kardec estavam sendo administradas. Segundo ela, o principal líder e responsável pelo Espiritismo — Pierre-Gaëtan Leymarie — estava corrompendo suas funções, tanto materialmente, tomando proveito particular dos bens dos Kardec, quanto doutrinariamente, deturpando os conceitos espíritas em favor de outras correntes espiritualistas e místicas, notadamente o roustainguismo de Jean-Baptiste Roustaing e a teosofia de Madame Helena Blavatsky. De fato, Leymarie era o real mandatário da Revista Espírita, da Livraria Espírita e da Sociedade Anônima Espírita (criada para administrar os bens institucionais legados pelas obras de Kardec) e, no contexto apresentado por Fropo, havia tomado todas as providencias legais para afastar a influência da viúva Kardec das deliberações institucionais, bem como de todos os que se opusessem aos seus interesses — bem diferentes dos princípios espíritas.
Fropo denunciou Leymarie à viúva Kardec e conclamou os “espíritas sinceros” a se levantarem contra os ditos desmandos daquele. Em certa reunião realizada em 27 de janeiro de 1881 na casa de madame Kardec, entre os espíritas convocados para fazer frente a Leymarie, um médium psicografou uma comunicação do Espírito do codificador conclamando seus confrades para a fundação de uma nova sociedade espírita, do que mais tarde viria a ser a União Espírita Francesa, fundada em 24 de dezembro de 1882, originalmente presidida por Gabriel Delanne, sendo Berthe Fropo sua vice-presidente. Além dessa nova sociedade, foi deliberado o lançamento de um jornal que servisse como órgão de comunicação da União: o periódico O Espiritismo (Le Spiritisme).
O Espiritismo (Le Spiritisme)
Foi Berthe Fropo quem levou a público e em larga escala o que chamou de desvios de Leymarie. Através do periódico O Espiritismo, edição da segunda quinzena de outubro de 1883, ela assinou um artigo intitulado ‘Um pouco de luz’, em resposta ao artigo ‘Aos nossos leitores’ publicado na Revista Espírita do mês anterior, aproveitando para exprimir abertamente a má condução da herança doutrinária deixada por Kardec e exemplificando, entre outras coisas, pelo ato de Leymarie e seus aliados renomear a “Sociedade Anônima para a continuação das obras de Allan Kardec” pela insígnia “Sociedade Científica do Espiritismo” — o que motivou Fropo a inserir em seu artigo-resposta:
O artigo foi uma espécie de ensaio para o que Fropo viria fazer logo adiante: publicar o dossiê Beaucoup de Lumière, ou, traduzido, Muita Luz.
Além de outros tantos artigos importantes publicados no periódico da UEF, O Espiritismo, Berthe Fropo legou para o Movimento Espírita uma obra histórica importantíssima: Beaucoup de Lumière, que vertida para o nosso português é Muita Luz. Esse livro, bem como toda a obra de Fropo e da União Espírita Francesa, ficou por um bom tempo no esquecimento, ou mesmo no desconhecimento das gerações posteriores daquela de seu lançamento, em 1884, só vindo a ser descoberto mais de um século depois.
Beaucoup de Lumière de Berthe Fropo
Como a burocracia francesa exigia pelo menos uma cópia de cada obra que fosse publicado — a título de registro histórico e controle contra possíveis ativismos contra o governo — um exemplar da obra de Fropo ficou arquivado na Biblioteca Nacional da França. Com a popularização da internet, a Biblioteca deliberou digitalizar seu acervo e disponibilizá-lo livremente através de seu site: Gallica, vindo então a publicar uma fotocópia daquela obra, possibilitando assim que pesquisadores espíritas pudessem retirá-la dos escombros da História e com isso enriquecer os dados que compõem a historiografia do Espiritismo.
Os pesquisadores pioneiros a desbravar a obra de Fropo foram: Adriano Calsone, em seu livro Em Nome de Kardec; e Paulo Henrique de Figueiredo, em seu livro Revolução Espírita - a teoria esquecida de Allan Kardec. Também serviu de base para o roteiro do filme-documentário Espiritismo à Francesa - a derrocada do Movimento Espírita Francês pós-Kardec, que ajudou a disseminar um grande interesse entre os estudiosos espíritas acerca da História do Espiritismo nascente, e que motivou o trabalho de tradução para o português realizado por Ery Lopes e Rogério Miguez, cujo ebook foi publicado pelo Portal Luz Espírita em 5 de outubro de 2017.
Muita Luz (Beaucoup de Lumière) de Berthe Fropo
Os elementos históricos inéditos que a obra de Berthe Fropo trouxe à tona nos ajuda a compor uma melhor compreensão acerca do contexto histórico do Movimento Espírita francês e seu declínio, assim como o enfraquecimento do Espiritismo em toda a Europa logo após a desencarnação de seu grande líder: Allan Kardec; essa compreensão se amplia com a apuração das denúncias oferecidas por Fropo, a começar pela defesa de Leymarie, ao longo dos fascículos da Revista Espírita e do livro Ficções e Insinuações: resposta à brochura Muita Luz (Beaucoup de Lumière) publicada pela Sociedade Científica do Espiritismo, também em 1884, bem como acompanhando as edições do jornal O Espiritismo.
Aos setenta e sente anos de idade, Berthe Fropo desencarnou na Capital francesa, no dia 4 de outubro de 1898, sendo lembrada como uma femme forte espírita: mulher forte, guerreira, fiel à doutrina kardecista que professou e divulgou com fervor. O periódico Le Progrès Spirite, dirigido pelo memorável confrade Laurent de Faget, destacou o necrológio de Madame Fropo:
Polêmicas à parte, diante da grandeza de sua dedicação em favor da causa espírita, Berthe Fropo — ainda que de certo modo tardiamente — está posta no lugar de honra entre os grandes pioneiros do Movimento Espírita e, femme forte que foi, será sempre lembrada com carinho e tomada como inspiração pelos espíritas sinceros.
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