Comunicabilidade Espiritual ou Comunicabilidade dos Espíritos é a capacidade de os desencarnados (também chamados de mortos, de Espíritos) entrarem em contato com os chamados vivos (os encarnados), para lhes impressionar, transmitir mensagens ou dialogar com estes. Consiste basicamente no mesmo princípio da mediunidade, embora o intercâmbio mediúnico algumas vezes seja referido especificamente como um trabalho vocacionado e mais bem organizado, como nos casos em que o médium desempenha assim uma missão preestabelecida. A comunicação com os Espíritos é um dos princípios fundamentais do Espiritismo, como sendo um elemento essencial para a própria constituição desta doutrina. As duas formas básicas desse tipo de contato são: manifestações espontâneas de Espíritos, como nos fenômenos de efeitos físicos, e; emancipação da alma, ou animismo (dos encarnados), a exemplo dos casos de sonho, telepatia e transe sonambúlico. A comunicabilidade espiritual também é explorada pela necromancia, a dita arte de consultar os mortos, tipicamente aplicada para a adivinhação do futuro e tratar de questões particulares. O fenômeno da comunicação entre os vivos e os mortos está presente na História dos povos, desde os tempos mais remotos, cujo modo de interpretação e reputação do fenômeno variam conforme os valores culturais do local e do período, acontecendo por vezes de ser abominada a sua prática comum (fora do círculo dos iniciados), como é praxe em algumas tradições religiosas. A Doutrina Espírita fomenta o intercâmbio espiritual mediante certos critérios, sobretudo os de responsabilidade, utilidade, bem comum e desinteresse particular, considerando essa interação um meio de promover a evolução espiritual da humanidade, além de solidariedade e confraternização entre os entes queridos. Principalmente no Brasil, esta faculdade também é difundida em cultos afrodescendentes (umbanda, candomblé e culturas afins). Ao redor do mundo, este canal de intercâmbio é recorrido para fins diversos, tais como para estudos científicos e investigação forense.
Exemplo de uma aparição espiritual
Desde a mais remota Antiguidade, a prática da evocação dos mortos tem sido registrada em todas as grandes civilizações — seja no âmbito popular, seja no ambiente dito sagrado, do círculo dos iniciados. No primeiro caso, no qual se classifica a necromancia, figura-se a consulta aos Espíritos acerca de curiosidades triviais e respostas para problemas corriqueiros, sem um controle nem método mais criterioso; são intermediários nessas evocações os conhecidos magos, feiticeiros, bruxos, pitonisas, oráculos e outras tantas variações, de acordo com a cultura local e temporal. Já no ambiente sagrado, os iniciados buscam praticar a comunicabilidade espiritual mais criteriosamente, visando fins mais nobres, por exemplo, para auxiliar os seus governantes e desvendar os mistérios da natureza. O Egito, a Grécia e a Roma da Antiguidade são os exemplos mais notáveis desses costumes.
O filósofo espírita José Herculano Pires entendeu a precisão dessa prática, que denominou de mediunismo primitivo num horizonte oracular, como princípio do ensaio evolutivo para o desenvolvimento da mediunidade que então o Espiritismo vem estruturar como mecanismo de aproximação com a natureza superior e com a divindade.
Nesse contexto, Deus vai se revelando paulatinamente à humanidade e permitindo que ela penetre gradativamente no conhecimento da natureza superior, para daí inspirar-se diante da sua necessidade evolutiva.
É compreendendo essa função pedagógica do intercâmbio espiritual que Allan Kardec vai definir a comunicabilidade dos Espíritos como um dos conceitos fundamentais da Doutrina Espírita.
É certo que a comunicação espiritual — seja pelas evocações, seja pelas manifestações espontâneas dos seres invisíveis — estabeleceu uma gama de mitos e folclores, desembocando no surgimento das grandes tradições religiosas. O enredo mais comum é: uma divindade apresenta-se a um profeta especial e o incumbe de proclamar uma verdade a ser acatada, venerada e difundida — o que chamamos de religião constituída. Por sua especialidade, esse profeta ou se torna o próprio líder espiritual desse povo na Terra, como embaixador oficial da respectiva divindade (como Moisés para o Jeová de Israel, como Maomé para Alá no Islamismo) ou se anexa ao seu governante para ser seu sacro consultor na condição de porta-voz da vontade divina.
O caso de Jesus de Nazaré é excepcional: ele ofertou-se ao mundo como o Messias, o enviado de Deus para o anúncio de uma nova ordem moral, baseada na caridade incondicional, mas foi idolatrado pela igreja, que o idealizou como sendo a própria divindade e revestiu seu Evangelho com um simbolismo e uma liturgia mais formal e mística, também atrelada a uma igreja dominadora, do que mesmo moralizadora e espiritualmente libertadora. É no entorno dessa idealização mística e ritualística que se ergueu um cristianismo longe do Cristo e que muito se despreza os recursos de Deus para com os homens, tal como o da comunicabilidade dos Espíritos.
Na fundamentação deste conceito no Espiritismo, trabalha-se para caracterizar o processo natural do diálogo com os Espíritos, bem como toda a mediunidade, e, com isso, desfazer a ideia até então predominante de que o fenômeno espiritual tenha qualquer coisa de sobrenatural, no sentido de que ela viola as leis regulares da natureza, para se configurar ou como um milagre ou um ato demoníaco — conforme o teor e a interpretação que se dê à mensagem recolhida do além.
Essa ideia primitiva de dar um caráter maravilhoso ao que é próprio da natureza — como a igreja tem feito, para, com isso, supostamente exaltar o poder divino frente à ciência humana — só tem resultado espanto e repulsa instintiva dos pensadores que, não podendo admitir a inconsistência de fenômenos contrários à natureza e desconhecendo uma alternativa ao dogma místico das religiões tradicionais, acabam por negar a espiritualidade. E é precisamente para desfazer esse misticismo e pôr as potências anímicas e mediúnicas na ordem comum das leis universais que o Espiritismo vem apresentar sua contribuição teórica e experimentação prática.
A manifestação de Espíritos está fartamente documentada na tradição religiosa, começando pelo registro de várias passagens bíblicas, dentre os quais destacamos:
A aparição de Azarias, filho do sábio Ananias, a Tobias, filho do ancião Tobit:
O Espírito e sua voz branda no livro de Jó:
A aparição de Samuel a Saul, rei de Israel:
A incorporação espiritual em Estevão:
O Espírito visitando Pedro na prisão:
Além disso, a Bíblia traz repetidamente o prenúncio de um grande derramamento de comunicações espirituais para um futuro próximo, como nesta passagem do Antigo Testamento:
Passagem esta que, aliás, é reproduzida no Novo Testamento, no livro dos Atos dos Apóstolos, 2:17, cuja promessa é ratificada pelo próprio Cristo:
Daí a razão de o apóstolo Paulo não menospreza essa interação interdimensional:
Nessa mesma sintonia, João Evangelista também escreverá:
O diálogo com os Espíritos foi também prescrito por Santo Agostinho ainda enquanto encarnado, sendo ele um dos chamados Pais da Igreja, por sua contribuição na formação da doutrina católica:
Malgrado todos esses subsídios, o catolicismo, assim como as igrejas reformistas e as demais correntes cristãs tradicionais praticamente romperam em absoluto com a tradição de uma conexão mais direta entre as dimensões física e espiritual, quase sempre considerando como manifestações demoníacas os fenômenos então inegáveis (como o fez no processo de Joana d'Arc), neste caso anatematizando o contato com os Espíritos, e, havendo persistência das manifestações espontâneas, algumas vezes recomendando até o ritual de exorcismo, para cessar essa conexão.
Representação da condenação de Joana d'Arc
Em um momento marcante da História da Humanidade, uma onda de manifestações espirituais se derramou nas mais diversas partes do mundo em meados do século XIX, criando um movimento que ficou conhecido como Espiritualismo Moderno, que o escritor inglês Arthur Conan Doyle definiu como uma verdadeira “invasão organizada dos Espíritos”, para diferenciar os acontecimentos de seu tempo dos fenômenos espirituais ocasionais:
Apesar de importantes fatos antecedentes (principalmente com Emanuel Swedenborg e Andrew Jackson Davis), o marco desse movimento neoespiritualista é o célebre episódio de Hydesville com as irmãs Fox, cuja data emblemática é 31 de março de 1848, quando teve início uma série de estranhas manifestações de efeitos físicos (ruídos, batidas etc.) resultando no desenvolvimento de um diálogo com o dito Espírito que “assombrava” a família Fox; a apurada investigação desse caso acabou despertando o interesse na investigação de outras tantas supostas manifestações espirituais e motivando a evocação de Espíritos, de que veio a febre das mesas girantes: pessoas de todas as classes se reuniam, em ambiente familiar e até em salões, para realizar sessões de evocação e comunicação espiritual.
As irmãs Fox e o marco do Espiritualismo Moderno
Foi, aliás, no auge dessa extraordinária fenomenologia que nasceu a Doutrina Espírita codificada por Allan Kardec, cuja denominação Espiritismo acabou por ser tomada frequentemente para representar todo aquele movimento espiritualista moderno, aquela invasão espiritual, que o codificador espírita vai considerar como a realização da promessa do Cristo, sobre o envio do Paráclito, o Consolador:
O Espiritismo, naturalmente, admite a comunicabilidade espiritual e compreende o valor dela, da qual, aliás, ele próprio se origina; então vem sistematizar a prática desta faculdade mediante critérios positivos para o seu bom uso, partindo do princípio fundamental de que esse canal de interação nada tem de sobrenatural, nem de místico ou de milagroso, mas que consiste na ordem comum da natureza criada por Deus (como qualquer outro fenômeno natural).
Na sua sistematização, quanto à comunicabilidade dos Espíritos, a Doutrina Espírita propõe o exercício consciente e responsável da mediunidade, que consiste na mais concreta evidência da imortalidade da alma e da existência do mundo espiritual, bem como é a ferramenta essencial para o desenvolvimento do Espiritismo, como o elemento crucial para o nosso crescimento espiritual:
Exemplos notáveis do estudo dessas comunicações espirituais, especialmente da situação dos Espíritos desencarnados, podem ser encontrados na obra O Céu e o Inferno e ao longo das edições da Revista Espírita publicadas por Allan Kardec.
Para o Espiritismo, os Espíritos têm a capacidade e a permissão de Deus para se comunicarem com a humanidade terrena mediante certos critérios, tais como:
Para o médium, a recomendação é o desinteresse particular: em Espiritismo, o serviço mediúnico é sempre gratuito e o bom médium espírita é aquele que nada procura por recompensa senão a satisfação de ser útil à seara divina, ciente que esse desprendimento representa a mais eloquente prova da veracidade das manifestações espirituais diante dos incrédulos, porque não é lógico admitir a persistência de uma fraude sem algum interesse (Ver Charlatanismo).
Nesse sentido, a atividade da mediunidade segundo o Espiritismo constitui uma vocação, uma tarefa sublime que une os seres invisíveis e os homens num plano didático para promover a evolução espiritual dos indivíduos e ambiente onde estejam inseridos. Portanto, o médium propriamente dito — aquele que exerce essa evocação com certa regularidade — é quase sempre um Espírito que programou sua reencarnação oferecendo-se para servir a esta causa nobre.
Assentado sobre esses justos fundamentos, além da análise das consequências filosóficas das revelações espirituais, o Espiritismo então vai debruçar-se no estudo de âmbito científico acerca das manifestações: como elas se produzem concretamente (cujo agente elementar é o perispírito), sua classificação (fenômenos de efeitos físicos e de efeitos inteligentes) e os meios de desenvolvimento da mediunidade e sua potencialização, dos escolhos de sua prática (obsessão) etc. Para estes fins, especialmente, a obra mais recomendada é O Livro dos Médiuns de Allan Kardec, cujo subtítulo é “Guia dos Médiuns e Evocadores”, sendo assim um roteiro seguro e produtivo sobre como realizar uma sessão espírita, do que tratar com os interlocutores do além e como aproveitar as comunicações recebidas.
Mesas Girantes: meio instrumental de comunicação espiritual
Nessa sistematização, o codificador espírita compreende a necessidade de estabelecer uma didática a respeito dos modos de comunicação espiritual:
Para efeito didático, então, os modos básicos de comunicação espiritual são:
Como consequência dessa sistematização, fica evidente que para cada modo de manifestação espiritual há a cooperação dos médiuns apropriadamente capacitados para as especializações (por exemplo: médiuns psicógrafos, psicofônicos, de efeitos físicos etc.).
Quanto à natureza das comunicações, diz a codificação do Espiritismo que, havendo uma variedade infinita de caráteres dentro da escala espírita, é preciso averiguar a qualidade do teor das mensagens. Kardec as classificou em quatro grupos básicos:
Como a mediunidade não é uma faculdade particular do Espiritismo, os Espíritos se manifestam e comunicam suas mensagens normalmente fora dos círculos espíritas, cujo tratamento varia conforme a cultura do ambiente.
Nos cultos afrodescendentes — por exemplo, de umbanda e de candomblé, tipicamente do Brasil — a interação espiritual algumas vezes envolve rituais de dança, de oferendas, de preparação de beberagem e até sacrifícios de animais.
Em certos lugares, como nos Estados Unidos da América e na Inglaterra, é culturalmente aceitável a atividade mediúnica como profissão e os médiuns vendem audiência com os Espíritos a familiares e amigos, que normalmente buscam um consolo afetivo. Também em âmbito profissional, não raro, médiuns são requisitados para ajudar em trabalhos forenses (investigações criminais).
Além dos exemplos de exercício mais ou menos regular e ostensivo da mediunidade, episódios avulsos de supostas manifestações espirituais são registrados em todo o lugar e a toda hora, tal como um alerta geral da espiritualidade para que a humanidade compreenda aquela velha máxima shakespeariana: “Há mais coisas entre o Céu e a Terra do que sonha a tua vã filosofia”.
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