Deus, em Filosofia, é o ser transcendental absoluto e o princípio originário, organizador e mantenedor de tudo o que existe — isto é, o Universo, que é uma criação divina — inclusive os demais seres da natureza material e espiritual, bem como as leis físicas e morais, sendo ele existente por si só, a causa necessária a finalidade última de tudo. Ele é a base de três grandes religiões: Judaísmo, Cristianismo e Islamismo; fora do monoteísmo, encontram-se outras concepções acerca da ideia da Divindade, da gênese e do desenvolvimento do Universo, tais como: politeísmo, panteísmo, materialismo e ateísmo. Apoiado na lógica e no testemunho espiritual, o Espiritismo é uma doutrina que se fundamenta na existência e soberania absoluta do Ser Divino, elemento primordial da Trindade Universal — Deus, Espírito e Matéria; segundo a Revelação Espírita, Ele é a inteligência suprema do Universo, a causa primária de todas as coisas; é eterno, infinito, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e bom; a sua existência se evidencia pelas suas obras e pela Providência Divina. Deus se revela à humanidade na medida em que esta se qualifica para compreender a natureza divina, que se mostra abundante em sabedoria, bondade, justiça e beleza, tendo os Espíritos superiores como seus mensageiros diretos a interagir com os homens através da mediunidade.
É naturalmente intuitiva a ideia da divindade e, desde os tempos mais primitivos, todos os povos desenvolveram uma crença sobre essa ideia, com variadas interpretações sobre a sua essência. A concepção mais comum é a da existência de um ser divino supremo; porém, especialmente nas tradições orientais, a divindade é vista de forma impessoal e se aproxima do conceito de uma potência natural, que gera e que nutre tudo e todos — espécie de mãe-natureza ou alma universal, espécie variante do pensamento panteísta.
De outra forma, no Período Arcaico, a África e os povos do Mediterrâneo desenvolveram culturas politeístas, na qual a potência divina se compunha de vários seres (deuses, ídolos, orixás etc.). A consagração do monoteísmo (crença de uma única e soberana divindade) se efetivou sistematicamente no povo hebreu a partir da revelação mosaica (Lei de Moisés), dando origem ao Judaísmo, da qual tempos depois surgiram o Cristianismo e o Islã.
Na contramão desse sentimento íntimo, certas correntes teóricas modernas propuseram o ateísmo — a negação da existência de Deus —, geralmente em acordo com a negação de toda a espiritualidade, como na concepção materialista. Atribui-se a essa incredulidade sistemática, causas como:
Chama-se Teologia (theo = deus + logos = estudo, doutrina) a disciplina científica que trata de Deus, da sua natureza, atributos e suas relações com o Universo e com a humanidade. Cada religião teísta desenvolve sua própria teologia a fim de construir sua doutrina, uma vez que a própria essência dessas correntes religiosas se origina das ideias fundamentais de interpretação de seu modelo de divindade.
Segundo uma grande parte do Cristianismo tradicional, a Divindade se divide em “três partes”, ou seja, “pessoas”, formando o que se convencionou chamar de Santíssima Trindade, constituída de: Deus-Pai (o criador do Universo), Deus-Filho (Jesus Cristo) e Deus-Espírito Santo.
Além da demonstrar a irracionalidade da concepção de dividir Deus (que é indivisível) a Doutrina Espírita contesta a ideia dessa trindade divina apoiando-se nas próprias palavras que os Evangelhos atribuem a Jesus, pelas quais, repetidas vezes, o Cristo distingue claramente a si mesmo do seu Pai, bem como se distingue do Espírito Santo.
Sem deixar dúvidas, Jesus diz:
Ele também reconhece que é inferior a Deus: “O Pai é maior do que eu” (João, 14:28). Fica patente que Jesus não é Deus também na prece do Cristo às vésperas de seu sacrifício, em que diz “Pai, se for possível, afasta de mim esse cálice; mas seja feita a Tua vontade e não a minha vontade.” (Mateus, 26:36-42 - Marcos, 14:34-36 - Lucas, 22:40-44)
Jesus igualmente se diferencia do tal Espírito Santo, inclusive colocando-o acima de si mesmo:
Quando Jesus diz “O Pai e eu somos um”, refere-se obviamente a uma unidade de ideias: a unidade que o Cristo tem com o Pai e com o chamado Espírito Santo é a de pensamentos e sentimentos — e não de identidade —, assim como unidos a ele estão todos os que se sintonizarem com esses mesmos pensamento e sentimentos, ou seja, a doutrina de amor, que é o elemento unificador, tal como podemos ver nesta passagem:
Tradicionalmente, as crenças têm atribuído a Deus uma característica antropomórfica; quer dizer, imaginam a divindade como as mesmas feições físicas e os mesmos sentimentos e paixões humanos. Essa comparação vulgar entre Deus e o homem se explica em parte pela incapacidade de o homem abarcar a essência divina; no entanto, ela se enraizou nas religiões ocidentais também devido à interpretação literal e ortodoxa da passagem bíblica do livro Gênesis, 1:26, onde se lê que Deus teria dito: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança”; por essa percepção, no segmento dos textos bíblicos, construiu-se uma tradição de um Deus eventualmente ciumento, vingativo e por vezes cruel, tal como certos homens. A essa interpretação estreita, responde Allan Kardec:
O Espiritismo, por sua vez, distingue bem Criador e criatura, sendo o primeiro de imensurável superioridade e completamente isento de qualquer imperfeição.
De maneira geral os Espíritos dão testemunho da existência de Deus; somando-se a esse testemunho, a Codificação Espírita evidencia a Divindade pelo princípio racional de causa e efeito:
Contudo, Deus é insondável para a nossa humanidade, pois falta-nos o órgão adequado, o sentido próprio para vermos e compreendermos a sua essência, como falta ao cego o sentido da visão para que veja as cores. Deste modo, não há como satisfazer a questionamentos comuns acerca da Divindade, tal como as questões aplicáveis às pessoas e às coisas em geral; por exemplo, não há como sondarmos a origem de Deus, posto que a sua natureza pertence a um grau de ciência de que desconhecemos e que não se subordina às exigências de nossas especulações.
Assim sendo, estabelece-se para nós um mistério sobre a Divindade; a visão e compreensão de Deus é privilégio dos Espíritos superiores, aqueles que completaram o seu curso evolutivo e atingiram a perfeição intelectual e moral, a qual todas as criaturas estão destinadas.
Malgrado essa nossa limitação, a obra kardequiana nos apresenta algumas qualidades necessárias que seguramente podemos atribuí-lo, sem as quais ficaria descaracterizada a Divindade (O Livro dos Espíritos - questão 13):
Apresentando essas características, o Espiritismo desmistifica a ideia de Deus feita pelo senso comum, especialmente pelo dogmatismo religioso.
De acordo com a Doutrina Espírita, a Criação do Universo é a manifestação de amor e da soberania de Deus. Ela se compõe basicamente de dois elementos gerais: 1) espírito, ou princípio espiritual, do qual são gerados todos os Espíritos (os seres inteligentes da criação, os indivíduos, as pessoas); e 2) matéria, ou princípio material, do quais se formam todas as substâncias (ar, água, terra, carbono, luz etc.). Espírito e matéria são independentes um do outro, mas a união dos dois se faz necessária para que a vida inteligente se manifeste. Contudo, é preciso considerar que, além da forma material que conhecemos em nosso ambiente físico, há formas materiais mais sutis, imperceptíveis a nossos sentidos e instrumentos comuns, por exemplo, os corpos espirituais (perispírito).
Fora a divindade, todos os seres inteligentes (Espíritos) são criados simples e ignorantes, ou seja, inocentes e inexperientes, mas todos igualmente providos com as mesmas potencialidades de desenvolver o intelecto e as virtudes morais, o que se efetua na medida em que eles passam pelas experiências do curso evolutivo, até alcançarem a perfeição espiritual, cuja trajetória pode ser mais ou menos lenta ou rápida de acordo com os esforços de cada qual em promover seu progresso. Os mundos físicos são criados para possibilitar esse curso evolutivo dos Espíritos, através do processo de reencarnação. No plano perfeito de Deus, os diversos ambientes materiais são laboratórios perfeitos para que as inteligências se desabrochem e para ensejar o desenvolvimento moral dos indivíduos através das provas e expiações, ao longo da série de reencarnações necessárias para o Espírito alcançar a sua perfeição — que é a destinação de todas as criaturas.
A ideia espírita não concebe que Deus fique um só instante inativo. A Providência Divina é então o cuidado de Deus para com as suas criaturas — com todos os seres da criação, conforme as indicações superiores:
Veja-se que a indicação é de que Deus se “preocupa” com tudo e com todos pessoalmente, quer dizer, ele mesmo, por sua ação direta, e não por um mero controle terceirizado ou automatizado. Daí se conclui que ele sabe tudo sobre cada ser, sobre cada fio de cabelo, cada gota d'água que desce na chuva, cada raio de luz — enfim, absolutamente tudo
Para compreendermos como a Divindade recebe as mais sutis e íntimas impressões, bem como responde a cada evento, cada súplica que lhe é dirigida, podemos tomar como exemplo a comparação feita pelo Espírito Quinemant, numa manifestação ocorrida em 1867, na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas:
A compreensão da providência divina requer então que saibamos de outro atributo natural que damos a Deus: a onipresença, ou ubiquidade, que é a capacidade de estar ao mesmo tempo em todo o lugar, e de forma integral, de modo a poder atuar em tudo e estar presente na atuação de cada ser inteligente e estar perfeitamente ciente, por exemplo, até dos nossos pensamentos e sentimentos mais íntimos. Allan Kardec ilustrou essa presença constante de Deus da seguinte forma:
O Espiritismo compreende que, como uma de suas providências, Deus se revela gradativamente à humanidade, na proporção que esta se qualifica intelectual e moralmente. Através da encarnação de seus Espíritos missionários e de interações mediúnicas, todos os povos têm recebido noções de justiça e de bondade, além das demais revelações das leis espirituais.
Destacam-se especialmente três grandes revelações, a saber:
Desta forma, fica patente que a revelação é contínua, acompanhando o desenvolvimento dos povos, tendo em vista o enunciado de Jesus no sermão da montanha: “Bem-aventurados os que têm o coração puro, porque eles verão a Deus” (Ver o cap. VII de O Evangelho segundo o Espiritismo).
Certas revelações — por exemplo, através de uma manifestação anímica ou mediúnica — estabeleceram uma tradição religiosa, com seus sacramentos, cultos, dogmas e outros elementos litúrgicos, supostamente inspirados por uma divindade; como consequências, os reveladores se imbuíram de uma tal autoridade e a distribuíram aos seus consagrados, formando uma hierarquia clerical que pretende reservar a estes eclesiásticos a supremacia do entendimento de tais revelações e a autoridade religiosa sobre os leigos (as pessoas comuns, não consagradas pelos sacramentos eclesiásticos); em determinadas épocas e lugares, os religiosos têm proposto ou imposto que esse poder religioso se estenda à ordem civil para formar uma teocracia (sistema de governo em que o poder político se encontra fundamentado no poder religioso, administrado pelos ditos representantes divinos consagrados).
Em contrapartida, o Espiritismo fundamenta-se na força lógica da revelação daquilo que é verdadeiro, e não pela força de uma pretensa autoridade religiosa:
Totalmente desprovida de liturgia sacramental, dogmas religiosos, hierarquia eclesiástica ou qualquer elemento místico, a Doutrina Espírita se constrói a partir do ensino coletivo da espiritualidade (cumprindo os desígnios da Providência) e da racionalização humana, que submete as revelações espirituais ao crivo da lógica e da razão; por isso, ela é ao mesmo tempo divina e científica: “Em uma palavra, o que caracteriza a revelação espírita é que a sua origem é divina, que a iniciativa pertence aos Espíritos e que a sua elaboração é fruto do trabalho do homem.” (A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo - cap. I, item 13).
No tocante à impossibilidade atual de sondarmos os mistérios divinos, de maneira prática a espiritualidade nos admoesta:
Há uma discussão clássica conhecida como “problema de Deus”, bastante recorrida pelos ateus modernos, que procura justificar a não existência de qualquer divindade com base numa proposição atribuída ao pensador grego Epicuro de Samos (341 a.C. - 271 a.C.); segundo esta proposição, a existência de uma divindade careceria que este ser fosse imprescindivelmente provido de três qualidades: infinita bondade, infinita sabedoria e infinita onipotência; havendo um ser nestas condições, dizia Epicuro, que seria natural que este “deus” então criasse o mundo perfeito e, consequentemente, absolutamente bom; portanto, um mundo sem nenhuma imperfeição, sem nenhum mal.
Todavia, o antigo filósofo grego deparou-se num mundo onde ele próprio apontava muitas imperfeições — até mesmo terríveis males. Dessa constatação, Epicuro propôs que não poderia haver um deus criador do mundo, e que se o mundo tinha sido criado por alguém, este não preenchia as condições básicas de uma divindade, haja vista o problema da existência do mal no mundo, porque, em tal condição: 1) esse deus poderia ser sábio e onipotente, mas não seria bom, porque teria criado e permitido o mal no mundo, embora soubesse e pudesse fazer tudo; 2) ou ele seria bom e onipotente, mas não sábio, porque não soube criar o mundo perfeito, embora quisesse e tivesse pleno poder; 3) ou deus seria bom e sábio, mas não poderia ser todo-poderoso, porque não pôde fazer o mundo perfeito, embora esse criador quisesse e soubesse como fazê-lo.
Ao evocar essa proposição, os ateístas modernos se valem de um mesmo exemplo do qual Epicuro usava para enfatizar o mal no mundo: as atrocidades cometidas pelos religiosos em nome de sua divindade — as chamadas “guerras santas”, como as cruzadas dos cristãos e a jihad muçulmana.
Diante de tal problema, as teologias tradicionais ficaram na impossibilidade de satisfazer o dédalo teórico de Epicuro; entretanto, a seu turno, o Espiritismo apresenta a chave para o problema proposto, primeiramente, através de uma compreensão acerca da vida espiritual e das encarnações em outros mundos, e, portanto, não restringindo a nossa existência apenas à condição terrena; segundo, demonstrando a necessidade de o Espírito passar pela senda evolutiva para chegar à sua perfeição espiritual e, com isto, alcançar o mérito da plenitude da vida, sendo então necessário experimentar as mais diversas situações que lhes forneça a ciência das coisas; neste contexto, os “males” e as “imperfeições” deste mundo (ainda de passagem para a Era de Regeneração) não passam de lições e provações para o progresso geral:
Mas ao lado dos males naturais, há aqueles que os próprios indivíduos criam por sua incompetência, ou omissão ou má intenção mesmo; estes males os arrastam a expiações (mais ou menos dolorosas, conforme o mal praticado) que têm por objetivos reconduzi-los à estrada do seu progresso pessoal e a devida reparação àqueles que foram prejudicados:
Em suma, o mal é sempre um bem ainda incompreendido e não realizado em toda a sua plenitude.
No seu estágio atual, não sendo possível ao homem terreno compreender a natureza íntima de Deus, ele só pode conceber a Divindade através da ação da fé, que brota naturalmente de sua intuição espiritual e se fortalece pela racionalização, a partir da premissa: “não há efeito sem causa” (O Livro dos Espíritos - questão 4 e seguintes). Em suma, Deus é uma crença; mas não uma crença mística e irracional, e sim uma crença firmada na lógica, evidenciada pelas obras divinas.
Algumas teologias consideram que a fé seja um dom, uma graça concedida por Deus aos seus eleitos — o que a filosofia espírita rejeita prontamente, em razão do princípio da soberana justiça divina, que não poderia agraciar a uns em demérito de outros. O Espiritismo entende que a fé seja uma aquisição pessoal bem ao alcance de qualquer um:
Aqueles que trabalharam a sua fé nas vidas passadas e já conseguiram um certo progresso nesse sentido, com facilidade, reencarnam e logo assimilam as leis divinas; mas aqueles que têm dificuldades para desenvolver sua fé em Deus, e muitas vezes uma repulsa instintiva, demonstram com isso seu atraso evolutivo e a carência de aprender ainda o bê-á-bá de sua espiritualização.
Para os que têm fé, já que ela é necessária para concebermos a Divindade, há de ser proveitoso acreditar em Deus; dizem os instrutores da codificação kardequiana que a fé é “a mãe de todas as virtudes” (O Evangelho segundo o Espiritismo - cap. XIX, item 11) e com ela os indivíduos caminham mais firmemente para os seus objetivos:
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