Ecumenismo é, de maneira geral, a ideia e o movimento em prol de uma unidade inter-religiosa na promoção dos valores cristãos, conquanto respeitando as diferenças de cada crença, tendo em vista que essas diferenças são minúcias em relação à grandeza dos pontos concordantes em torno do Evangelho. Em Allan Kardec, temos o exemplo da Doutrina Espírita, respeitando as tradições de todas as religiões, trazendo em sua base o mais puro espírito ecumênico e fazendo a convocação vanguardista para a união efetiva de toda a comunidade espiritualista, no qual se inclui as religiões tradicionais, para o combate ao egoísmo e ao materialismo, que são os inimigos do progresso da humanidade.
O termo ecumenismo vem da palavra grega οἰκουμένη oikouméne, cujo significado literal é “mundo habitado”, com a denotação de “lugar civilizado”, em referência direta à Grécia, na Antiguidade, e em oposição aos outros lugares, ou povos, vistos sob uma perspectiva de inferioridade em relação aos gregos, que, apesar das peculiaridades de cada comunidade local (cada cidade-Estado), formavam uma unidade que os caracterizavam como um povo ímpar: os helenos, ou gregos.
Após a ascensão do Império Romano, que absorveu enormemente a cultura helenista, o termo foi apropriado para o jargão político, significando o esforço comum para a cooperação entre os cidadãos e para a defesa e manutenção do Estado, que é o seu “mundo natural”, sendo o ato ecumênico, neste contexto, uma espécie de cumprimento da própria cidadania romana.
Numa terceira fase, o termo ganhou a conotação religiosa que até hoje prevalece, mais ou menos nos mesmos moldes: conciliação entre os religiosos que, apesar de conservarem certas diferenças quanto ao credo, se unem em torno de concepções semelhantes e mais fortes que aquelas diferenças, sendo que essa conciliação é especialmente movida pelos valores cristãos, uma vez que a origem dessa nova concepção para ecumenismo se deu nos fundamentos do cristianismo, a partir da Igreja Católica: o primeiro registro histórico dessa significação é feito no ano 381 no Primeiro Concílio de Constantinopla, com referência ao Primeiro Concílio de Niceia, descrito como “concílio ecumênico”, fazendo alusão aos valores doutrinários comuns das diversas comunidades cristãs, vindas de distintos lugares, ali presentes e unidas por um mesmo ideal maior: o Evangelho. Essa nova concepção religiosa converte o elemento essencial do ecumenismo, de estritamente geográfico ou étnico (originalmente grego, depois romano) para o ideal religioso, de caráter cristão, possivelmente inspirado na fala do apóstolo Pedro:
Portanto, de certo modo, ainda sectarista, separatista, por excluir os estranhos à crença dos cristãos.
Modernamente, o movimento ecumênico se notabilizou e estabeleceu raízes institucionais a partir de missões das igrejas protestantes no século XVIII. Com a expansão do movimento protestante e das igrejas cristãs independentes, seguiu-se uma grande diversidade de interpretações doutrinárias e, por conseguinte, certa competição entre as igrejas. A fim de minorar essas diferenças e promover uma cooperação entre os missionários, várias instituições ecumênicas foram criadas, reunindo denominações cristãs diversas, notadamente as de origem inglesa e norte-americana. Dentre estas, destacaram-se: Sociedade Missionária de Londres (1796), Sociedade de Tratados Religiosos (1799), Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira (1804), a Sociedade Bíblica Americana (1816), Aliança Evangélica de Londres (1846) e Conselho Nacional das Igrejas nos EUA (1905).
O primeiro grande evento ecumênico mundial se deu em 1910, com a Conferência Missionária Mundial, realizada em Edimburgo, Escócia, considerada o marco do ecumenismo moderno, geradora de outras iniciativas similares e a fundação de vários organismos de cooperação internacional entre evangélicos protestantes.
Em 1948, foi criado em Amsterdã o Conselho Mundial das Igrejas, mais tarde sediado em Genebra, Suíça, figurando-se até hoje como o mais respeitado órgão unificador, contando atualmente com mais de 350 denominações religiosas; neste contexto, ecumenismo é definido como “o esforço entre Igrejas com vista a uma reconciliação cristã que aceite a realidade da diversidade das diversas igrejas cristãs”.
Tais movimentos despertaram a atenção da Igreja Católica, que por sua vez, num primeiro momento, os rechaçou; em 1928 o papa Pio XI publicou a encíclica Mortalium animos, pela qual defende a Igreja Católica Romana como a única e verdadeira igreja, também condicionando a salvação ao regresso a ela; ao mesmo tempo, condenava os esforços de uma ala de liberais católicos que acenava para uma aproximação com as demais igrejas. Mais tarde, outros papas reviram aquela posição: em 1960, o papa João XXIII fundou a Secretaria Romana para a Unidade dos Cristãos, que influenciou o papa Paulo VI no decreto Unitatis Redintegratio de 1964, que define o movimento ecumênico como uma graça do Espírito Santo, considera que o caráter ecumênico é essencialmente espiritual e estabelece que o olhar da Igreja Católica é dirigido às igrejas separadas do Catolicismo: as Igrejas Ortodoxas e as Igrejas Protestantes. Finalmente, o Papa João Paulo II reafirmou, através na Encíclica Ut unum sint ("Que todos sejam um"), que o ecumenismo é essencial para a fé cristã. A Igreja Católica não se inscreveu como membro pleno do Conselho Mundial das Igrejas, mas participa pontualmente de algumas de suas unidades específicas, como a Comissão de Fé e Ordem, que trata de assuntos doutrinários.
É de se notar que mesmo entre os ditos ecumênicos haja franca relutância em aceitar certas diferenças doutrinárias, e daí certas correntes religiosas se esforcem para impor o seu próprio modelo de ecumenismo, em face do espinhento diálogo em meio a tão distintas interpretações sobre temas cruciais para a formação da crença de cada qual — por exemplo, sobre o caminho da salvação.
Além destes, há os religiosos que absolutamente rejeitam esse ideal de aproximação inter-religioso, observando a corrupção da fé pelo contato e sincretismo de crenças. Algumas correntes religiosas cristãs, inclusive, associam o movimento ecumênico ao anticristo, previsto no livro bíblico Apocalipse (cap. 13), que estaria por vir e impor o falso profeta.
Allan Kardec, o codificador do Espiritismo, evidencia seu espírito ecumênico em diversas ocasiões de sua obra espírita, a começar pela absoluta tolerância com todas as crenças:
Ele fundamenta essa necessidade de tolerância inclusive pelo princípio de que nem a Espiritismo e tampouco qualquer outra doutrina detém a verdade absoluta, tal como muitos religiosos supõem:
E mais que uma convivência pacífica entre os religiosos, Kardec lança uma autêntica campanha ecumênica convocando todos os espiritualistas a uma frente de combate contra aquele mal que ele descreve como sendo o inimigo comum: o egoísmo.
Esta é autêntica expressão espírita para a solidariedade entre as crenças: respeitar as diferenças, que são mínimas e restritas à forma litúrgica de cada doutrina, e somar forças em torno dos objetivos comuns, referentes às virtudes morais, que é o aspecto mais importante de toda crença apreciável e que é o ponto convergente de todas as denominações religiosas. Portanto, estas, sendo espiritualistas e orientadas pelos princípios do bom caráter, podem e devem se dar as mãos no esforço de combater ao materialismo e aos vícios de conduta pela promoção dos conceitos da imortalidade da alma e do amor a Deus e ao próximo.
Vê-se em Kardec a exclusão de qualquer formalismo, que é típico das religiões tradicionais; estas tendem a oferecer um caminho exclusivista para a consagração da salvação da alma, enquanto o Espiritismo vai concordar que:
Desprovido então de qualquer personalismo, Kardec vai considerar, em determinado momento do desenvolvimento da codificação do Espiritismo, que sua doutrina — não sendo uma crença particular a competir com as religiões — comportaria muito bem em seu seio as mais diversas profissões de fé:
Todavia, na maturidade da sua obra, o mesmo Kardec estabelece que o Espiritismo tem características próprias, ou seja, sua identidade doutrinária, mediante a fundamentação de determinados princípios com os quais seus adeptos mais autênticos devem concordar livre e conscientemente.
E, conquanto seja ecumênico, a Doutrina Espírita não é sincrética; portanto, não incorpora à prática espírita nenhum formalismo litúrgico de qualquer crença, mantendo-se desprovido de todos e quaisquer “sinais exteriores” (sacramentos, rituais, hierarquia sacerdotal, etc.). Perante isso, Allan Kardec vai recomendar que as sessões espíritas sejam isentas de qualquer fórmula religiosa e mística:
Em suma, o Espiritismo respeita as diversidades dos cultos sem necessariamente participar destes, conservando sempre o objetivo de todo o conhecimento que a fenomenologia espiritual nos proporciona: promover a nossa evolução individual e coletiva:
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