Erraticidade é o estado em que se encontram os Espíritos errantes, ou erráticos, isto é, não encarnados e em processo de evolução, durante o intervalo de suas existências corporais (reencarnações). A duração em que o Espírito permanece na erraticidade e as condições dessa vivência variam, havendo relação direta com o adiantamento espiritual de cada indivíduo e com suas necessidades evolutivas, podendo essa permanência durar muito pouco ou custar longo tempo, cujas circunstâncias podem ser felizes ou penosas, conforme o mérito individual. Não é o mesmo estado dos Espíritos puros — aqueles que já percorreram toda a trajetória evolutiva e não mais precisam para fins de aperfeiçoamento; estes então desfrutam da plenitude da vida espiritual.
Na codificação espírita, as primeiras referências relacionadas à erraticidade encontram-se já no tópico VI da Introdução de O Livro dos Espíritos:
Na sequência, no mesmo livro, o tema é desenvolvido com mais detalhes no capítulo VI da 2ª Parte: “Vida espírita”.
Erraticidade é um dos vocábulos que constituem o ‘Vocabulário Espírita’ inserido por Allan Kardec no opúsculo Instrução Prática sobre as Manifestações Espíritas, publicado em 1858:
“Erraticidade: estado dos Espíritos errantes, isto é, não encarnados durante os intervalos de suas diversas existências corporais. A erraticidade não é exatamente um sinal absoluto de inferioridade para os Espíritos. Há Espíritos errantes de todas as classes, salvo da primeira ordem, de Espíritos puros, que, não tendo mais que se submeter à encarnação, não podem ser considerados como errantes. Os Espíritos errantes são felizes ou infelizes conforme o grau de sua depuração. É nesse estado que o Espírito, então despojado do véu material do corpo, reconhece suas existências anteriores e as faltas que o afastam da perfeição e da felicidade infinita; é aí também que ele escolhe novas provações a fim de avançar mais rapidamente.”
Instrução Prática sobre as Manifestações Espíritas, Allan Kardec - ‘Vocabulário Espírita’
No pequeno dicionário contido em O Livro dos Médiuns, lançado em 1861, o desenvolvimento do referido vocábulo foi simplificado para “Erraticidade: estado dos Espíritos errantes, ou erráticos, quer dizer, não encarnados, durante o intervalo de suas existências corporais.” (Cap. XXXII)
Em O Céu e o Inferno, encontramos depoimentos de Espíritos errantes descrevendo suas situações diversas no mundo espiritual, desde entidades extremamente felizes até desgraçados de variadas ordens.
Erraticidade vem de errante, que classicamente tem dois significados básicos: 1) o que não tem residência fixa, que vive como nômade, andarilho; 2) vadio, vagabundo. Na definição oferecida pelo codificador do Espiritismo, erraticidade está mais alinhada com a primeira significação, no sentido de que o desencarnado está não alocado num corpo físico, não devendo ser associado com a conotação de alguém que comete erros, um Espírito inferiorizado, uma vez que entre os errantes estão entidades de todos os graus evolutivos abaixo dos Espíritos puros, de acordo com a Revelação Espírita:
A fim de alcançar a perfeição a que todos os Espíritos estão destinados, as individualidades precisam desenvolver suas capacidades intelectuais e morais, razão pela qual passam pelas tantas necessárias experiências reencarnatórias. Entretanto, a reencarnação não é necessariamente imediata, podendo assim haver um intervalo mais ou menos longo, durante o qual o ser desencarnado é chamado Espírito errante (O Livro dos Espíritos - questão 224).
A duração da estadia na erraticidade é proporcional à justeza das coisas: as necessidades do Espírito em evolução e das circunstâncias desencadeadas por suas ações em face do seu livre-arbítrio. No entanto, posto que o Espírito errante carece cursar sua estrada evolutiva, a erraticidade — que pode durar de algumas horas a milhares de séculos — é necessariamente temporária, e mais cedo ou mais tarde o desencarnado terá de retornar a uma vivência reencarnatória (O Livro dos Espíritos, questão 224-a).
Como tudo na natureza tem a sua razão de ser, a duração da erraticidade obedece às circunstâncias do mundo ao qual o Espírito reencarnante esteja vinculado. A estrutura física dos mundos superiores é mais sutil, as condições de sobrevivência são bem amenas e os corpos dos seus habitantes menos materializados, possibilitando que seus encarnados desfrutem facilmente de suas faculdades espirituais para acessar o mundo dos Espíritos; a morte e o processo reencarnatório aí são menos trabalhosos e, por isso, a passagem de uma para outra vivencia reencarnatória é quase sempre imediata. Por outro lado, nos mundos menos evoluídos, os Espíritos têm corpos mais grosseiros, sofrem limitações físicas e passam pelo processo de morte e renascimento com mais complicações; faz-se necessário então um intervalo na erraticidade mais ou menos longo para que os reencarnantes possam melhor condicionar seus planos evolutivos:
Apenas pelo efeito da morte — em decorrência da falência do corpo físico —, o Espírito errante não deixa de ser a continuação da personalidade outrora encarnada e, desta forma, pode conservar na erraticidade as mesmas más paixões e perturbações de quando encarnado, condicionando assim a sua situação no mundo espiritual aos seus méritos. Portanto, sua felicidade ou desdita no plano invisível se relaciona com seu estado evolutivo.
Espíritos mais adiantados têm um perispírito mais sutil, com o qual transcorrem facilmente as diversas dimensões do plano espiritual e melhor interagem com as demais entidades; enquanto isso, os mais atrasados se sujeitam às limitações de seu estado evolutivo, que lhes interdita o acesso aos mundos superiores e lhes priva da convivência com os seres mais adiantados sem a permissão deles. Se bastante materializados, esses Espíritos inferiores continuam atrelados fisicamente ao mundo de onde desencarnou sofrendo as restrições de sua condição material:
Segundo o Espiritismo, a vida na erraticidade é também uma oportunidade de evolução para o Espírito: “Ele pode se melhorar bastante, sempre conforme sua vontade e seu desejo, mas é na existência corporal que ele põe em prática as ideias que tenha adquirido.” (O Livro dos Espíritos - questão 230) Dentre desse plano de ascensão espiritual os errantes podem receber certas incumbências de entidades elevadas e desta sorte realizar missões para promover o bem comum (O Livros dos Espíritos, questões 568 e 569).
Para possibilitar o refazimento dos reencarnantes, há no plano invisível infinitas habitações temporárias, estações de repouso e tratamento, chamadas de mundos transitórios (também conhecidas como colônias espirituais).
Os mundos transitórios possibilitam o agrupamento de inteligências e forças que aí constroem verdadeiras oficinas de aprendizado e trabalho colaborativo em prol da evolução dos que lá estão estanciados e ainda daí podem estender semelhantes benefícios a outros mundos: “Certamente, os Espíritos que se encontram nesses mundos podem se desprender deles para ir aonde devam se encaminhar. Imaginem que eles sejam como aves de passagem pousando numa ilha, à espera de renovar as forças para seguirem seu destino.” (O Livro dos Espíritos - questão 235)
Os mundos transitórios podem cumprir ainda o importante papel de ajudar o errático no planejamento da sua reencarnação, estabelecendo laços de amizade e cooperação entre Espíritos desejosos de progredir e benfeitores já experientes na senda da evangelização. Um caso emblemático da literatura espírita é o da elaboração do plano reencarnatório de Segismundo (trabalhador da colônia espiritual Nosso Lar) conforme está narrado em Missionários da Luz (Espírito André Luiz, pela psicografia de Chico Xavier).
A erraticidade é uma condição de espera para quem necessariamente deve passar por uma reencarnação a fim de evoluir; estado esse que, de alguma forma, tem suas limitações, pois ainda não é a condição de plenitude espiritual inerente apenas aos Espíritos da primeira ordem da escala espírita: os Espíritos puros, aqueles que já completaram o transcurso evolutivo.
Não estando mais sujeitos ao processo reencarnatório, os Espíritos puros não se enquadram entre os errantes e gozam da plenitude da vida espiritual:
Apesar de inúmeros registros mediúnicos descreverem a presença de plantas e animais no mundo espiritual, segundo a codificação do Espiritismo a interação inteligente no ambiente da erraticidade é uma exclusividade dos Espíritos. Explorando tal questão, Kardec perguntou e os instrutores invisíveis responderam:
Desta resposta ponderamos então que os animais têm um elemento espiritual que conserva a sua individualidade, elemento esse que, embora muito distinta da alma humana, é também uma espécie de alma (O Livro dos Espíritos, questões 597 e seguintes), contudo, sem consciência de si e, portanto, sem livre-arbítrio nem responsabilidades por seus atos, que são decorrentes puramente do instinto — que é um grau inferior do mesmo princípio da inteligência. Por essa lógica, os animais não podem ser considerados Espíritos errantes; ao desencarnar, o animal é encaminhado para a reencarnação. Essa definição também exclui a possibilidade de manifestação da alma de um animal desencarnado na nossa dimensão física, conforme asseveram os Espíritos contribuintes da codificação espírita:
A interpretação mais ligeira dessas informações é a de que não há absolutamente qualquer atividade na erraticidade envolvendo os animais. A existência deles em relatos mediúnicos poderia ser, dentre outras coisas, um recurso de linguagem ou uma espécie de materialização, formas animais plasmadas por Espíritos, por exemplo, para impressionar os médiuns e a quem mais fossem transmitidas essas impressões, pois ao animal desencarnado “não é dado tempo de entrar em relação com outras criaturas”.
Certa opinião, por outro lado, pondera que os animais não teriam força própria para se manifestar, mas, uma vez que sua alma também fica de alguma forma “numa espécie de erraticidade”, eles poderiam aí ser utilizados pelos Espíritos incumbidos de classificá-los e, por força destes, poderiam participar de certas atividades no mundo espiritual, inclusive para o aprimoramento dos animais, tal como na descrição de André Luiz:
Daí por que a presença de animais no mundo espiritual registradas em obras como Nosso Lar: cap. 7: “Aves de plumagens policromas cruzavam os ares e, de quando em quando, pousavam agrupadas nas torres muito alvas, a se erguerem retilíneas, lembrando lírios gigantescos, rumo ao céu. [...] Das janelas largas, observava, curioso, o movimento do parque. Extremamente surpreendido, identificava animais domésticos, entre as árvores frondosas, enfileiradas ao fundo...”; cap. 33: “— Os cães — disse Narcisa — são auxiliares preciosos nas regiões obscuras do Umbral, onde não estacionam somente os homens desencarnados, mas também verdadeiros monstros, que não cabe agora descrever.”
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