Espiritismo, ou Doutrina Espírita — também denominado Kardecismo — é uma doutrina caracterizada como “filosofia espiritualista”, desenvolvida a partir da Revelação Espírita, sob o princípio da racionalidade. Seus princípios fundamentais foram codificados por Allan Kardec, que definiu o Espiritismo basicamente como “a ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo espiritual”. Considera-se 18 de abril de 1857 o seu marco inaugural, com o lançamento de O Livro dos Espíritos, a primeira das chamadas Obras Básicas da Codificação Espírita, ou codificação kardequiana. O Espiritismo também é chamado de Terceira Revelação e Consolador Prometido, com referência à promessa feita por Jesus, conforme textos do Novo Testamento. É ainda um desdobramento das ideias do Mesmerismo, ou Magnetismo Animal — que Kardec denominou “ciência irmã do Espiritismo” — e do Espiritualismo Moderno. Desenvolvendo-se no tríplice aspecto: científico, filosófico e religioso, a Doutrina Espírita tem como objetivo prático a promoção da evolução espiritual da humanidade, através do seu intelectual e moral, em cooperação com a espiritualidade, via mediunidade. Seus praticantes são chamados naturalmente de espíritas ou espiritistas, além de kardecistas. A máxima “Fora da Caridade não há salvação” é usada pelo movimento espírita como uma espécie de lema ou slogan, representando a síntese da sua moral espírita, que é essencialmente cristã. De maneira informal, o desenho da videira espírita é comumente utilizado como emblema do Espiritismo.
Videira Espírita: emblema informal do Espiritismo
Espiritismo é a tradução do vocábulo francês spiritisme, cunhada a partir dos termos latinos spirit (espírito) e isme (doutrina), resultando na definição literal “doutrina dos espíritos”. Trata-se, portanto, de um neologismo estabelecido por Allan Kardec para designar o sistema por ele codificado em acordo com as revelações espirituais.
Apesar da preocupação com a justeza das significações, o próprio Allan Kardec às vezes vai aplicar esses seus novos termos estrategicamente em designações distintas: ora de forma generalizada (espiritualismo, mediunidade) e ora mais especificamente, relacionando-os exclusivamente à doutrina baseada na nova revelação por ele sistematizada. Por vezes, por exemplo, ele vai considerar como “espiritismo” toda e qualquer crença na existência e na manifestação dos Espíritos, ao passo que de outras vezes ele ressalta a distinção entre ambos (diferenciando o seu Espiritismo das demais doutrinas espiritualistas); em certas ocasiões ele vai equiparar o qualificativo espírita ao mesmo conceito de espiritual, enquanto noutras tantas vai reservar aquele seu adjetivo ao que se refere com exclusividade à sua codificação propriamente dita, a exemplo de quando, em determinado momento, ele assim exprimiu:
Com efeito, não tardou e o emprego dos termos espiritismo e espírita acabou se generalizando e, de forma comum, estas palavras acabaram sendo apropriadas para se referirem a toda a fenomenologia espiritualista, para além dos círculos ditos kardecistas.
Allan Kardec, codificador do Espiritismo
Como essa polissemia permanece até os dias de hoje, frequentemente se usa as expressões Espiritismo Kardecista ou Kardecismo para enfatizar a designação da Doutrina Espírita codificada por Kardec, fazendo assim a sua distinção em relação às demais crenças e filosofias espiritualistas.
De forma categórica, compreendemos o Espiritismo como o conjunto dos fundamentos codificados por Allan Kardec e de todos os conceitos logicamente desenvolvidos em acordo com estes fundamentos. Em tal contexto, admitimos as definições Doutrina Espírita, Kardecismo e Doutrina Kardecista (e suas variantes, como Codificação Kardeciana e Kardequiana etc.) como seus sinônimos. Quanto às demais escolas parcialmente concordantes com os fundamentos espíritas, elas são classificadas como espiritualistas.
Vulgarmente, atribui-se o nome Espiritismo a crenças e práticas em geral que fazem uso da mediunidade, tais como os cultos e rituais de matriz africana, envoltos de sincretismo com a cultura indígena e o catolicismo (umbanda, candomblé, quimbanda etc.); sobre essa mistura heterogênea, ficamos com a reflexão do filósofo espírita José Herculano Pires que, comparando a excelsitude da Doutrina Espírita frente ao barbarismo daquelas crenças e práticas primitivas — espécies de mediunismo —, afirma:
Compreendemos assim que as fontes elementares que deram origem à codificação básica do Espiritismo foram os fenômenos espirituais, pelo que as manifestações de efeitos físicos ensejaram a parte científica da doutrina e as comunicações inteligentes serviram de base para o corpo filosófico e religioso, obedecendo a uma programação da espiritualidade em vista de promover a evolução espiritual da Humanidade. Diante disso, faz sentido o título “Doutrina dos Espíritos”; mas, à contribuição dos seres desencarnados, soma-se o trabalho também necessário dos encarnados, dando à revelação espírita um caráter partícular, não dogmático e progressista. Destarte, reconhecemos o mérito de Allan Kardec no monumental serviço de codificar a base doutrinária espírita, assim como o de seus continuadores, com os quais todos os espíritas são convidados a colaborar.
O marco inicial do Espiritismo é tradicionalmente datado de 18 de abril de 1857, quando da publicação de O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, em Paris, França; esta data simbólica é em consequência de a referida obra conter a síntese dos conceitos fundamentais da nova doutrina — fruto de cerca de dois anos de intenso estudo e pesquisa do autor acerca das manifestações mediúnicas que serviram de base para a sistematização da Doutrina Espírita.
Com efeito, em meados daquele século XIX, uma onda de fenômenos espirituais espalhou-se pelos grandes centros urbanos, como repercussão do célebre caso de poltergeist em Hydesville, nos Estados Unidos da América, envolvendo as irmãs Fox, em 1849; estabeleceu-se então um movimento conhecido como mesas girantes, em que se realizavam sessões para evocar os ditos fenômenos sobrenaturais. Logo em seguida, a moda das evocações chega à Europa e se prolifera pelos salões públicos, teatros e até reuniões familiares; é a grande sensação social da década de 1850, um movimento que ficou conhecido como Espiritualismo Moderno.
As irmãs Fox: Leah, Kate e Maggie; precursoras do Espiritismo
Em geral, as reuniões visavam mais o entretenimento das pessoas, curiosas com os insólitos fenômenos produzidos sobre pequenos móveis (mesas, especialmente) que se erguiam, saltitavam, dançavam e reproduziam batidas e ruídos diversos — o que, por si só, já era uma forte evidência de uma potência extra-humana inteligente, uma vez que respondia ao comando dos evocadores. Daí se concluiu a existência dos Espíritos e da sua faculdade de atuar fisicamente no nosso mundo físico material. Entretanto, além dos efeitos físicos, descobriu-se a possibilidade de se obter mensagens inteligentes das entidades espirituais, para a qual foram criados métodos de comunicação, a começar pela tiptologia (associação das letras do alfabeto a um determinado número de batidas) até que se desenvolvesse vias mediúnicas mais práticas, como a psicografia e a psicofonia.
O moderno espiritualismo despertou um grande interesse no estudo daquela fenomenologia; dentre os estudiosos que foram atraídos pelas mesas girantes figurava o pedagogo francês Hippolyte Léon Denizard Rivail. Inicialmente cético em relação àqueles fenômenos, ele propôs a si mesmo desvendar o mistério que provocou uma verdadeira febre social em toda a gente. Porém, tendo participado de algumas sessões ao lado de pessoas estimadas, averiguando e descartando todas as possibilidades de fraude ou ilusão, ele se convenceu da veracidade das manifestações e da existência dos Espíritos; desde então se dedicou completamente às pesquisas espíritas e mais adiante se inteirou da missão que lhe havia sido confiada, qual seja a de sintetizar as novas revelações espirituais e publicá-las, codificando assim a base da nova doutrina, que ele denominou Espiritismo, quando publicou a sua obra básica — O Livro dos Espíritos — que ele assinou com o pseudônimo Allan Kardec.
O Livro dos Espíritos, marco inaugural da Doutrina Espírita
A positiva repercussão do livro inaugural fez surgir, tanto na França como no exterior, um crescente interesse pela nova doutrina, motivando Kardec a prosseguir ainda mais com suas pesquisas. Tal demanda o inspirou a lançar em 1 de janeiro de 1858 a Revista Espírita, publicação mensal subintitulada Jornal de Estudos Psicológicos. A extraordinária propagação do Espiritismo resultou na fundação da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, em 1 de abril de 1858, onde se realizavam experimentações mediúnicas e estudo de suas comunicações visando o desenvolvimento da doutrina. A exemplo desta, outras instituições foram fundadas em várias partes do mundo, com muitas das quais Kardec mantinha frequente intercâmbio.
Além de O Livro dos Espíritos e da Revista Espírita, Kardec deu prosseguimento à codificação do Espiritismo com novas publicações. Em 1859, ele escreveu O Que é o Espiritismo, uma breve síntese da doutrina; em 1861, foi lançado O Livro dos Médiuns, o Guia dos médiuns e evocadores; em 1864 veio a público O Evangelho segundo o Espiritismo; em 1865 foi a vez de O Céu e o Inferno, de cujo subtítulo A Justiça Divina segundo o Espiritismo; em 1868, publicou A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo. Após a desencarnação do codificador, uma coletânea de seus escritos pessoais e ensaios doutrinários inéditos foram copilados e publicados no livro Obras Póstumas, em 1890, aos cuidados da Sociedade Anônima Espírita, a entidade criada para dar continuação ao trabalho doutrinário do pioneiro espírita.
A comunicabilidade espiritual é uma realidade registrada desde todos os tempos da História da humanidade e está presente nos mais diversos povos, especialmente nos livros ditos “sagrados” — incluso a Bíblia. Modernamente, este princípio é chamado de mediunidade; as pessoas dotadas da capacidade de receber e de transmitir os ensinamentos espirituais são chamadas de médiuns, outrora conhecidos como profetas, magos, feiticeiros, pitonisas, xamãs etc.
Instituído por Deus, o intercâmbio mediúnico tem como objetivo a cooperação dos Espíritos no processo evolutivo da humanidade, por exemplo, para a revelação progressiva das Leis Divinas; nesse processo, o Espiritismo vem na sequência de duas grandes revelações, a saber:
Assim como o Antigo Testamento previu a vinda de Jesus, o Messias, a Terceira Revelação foi profetizada pelo Cristo na sua promessa para o Consolador:
Representação de Jesus
Desmistificando a ideia aventada por muitos de que o Consolador (Paráclito) viesse a ser exatamente Jesus (em Espírito ou renascido na Terra), Allan Kardec frisa que as próprias palavras do Evangelho ilustram a separação das partes ao dizer: “Eu pedirei a meu Pai e ele lhes enviará outro Consolador” — no que observamos três elementos distintos: “Eu” (Jesus), “meu Pai” (Deus) e “outro Consolador”. De outra maneira, ele teria dito: “Eu voltarei para completar o que lhes tenho ensinado”. Diz o codificador espírita, ratificando esta dedução lógica:
Compreende-se, naturalmente, que a Terceira Revelação só pode ser de caráter impessoal, perfeitamente justificada pela profecia do derramamento da mediunidade, como previsto no Antigo Testamento (Joel, 2:28-30) e replicada no Novo Testamento:
Esse caráter de impessoalidade, porém, não implica em um evento fortuito e sem comando; ao contrário, obedece a toda uma programação didática, rigorosamente planejada e orquestrada para tomar a forma de uma doutrina muito bem fundamentada, que reconhecemos perfeitamente no Espiritismo, presidido pelo Espírito de Verdade, que representa o próprio Cristo:
De fato, vemos no Espiritismo o cumprimento da promessa do Consolador na época apropriada: desde o fim da Era Medieval, com o crescente progresso científico e uma maior liberdade de expressão, as ideias materialistas estavam bastante em voga, o repúdio às instituições religiosas era flagrante e tudo quanto dissesse respeito às questões espirituais era rechaçado com veemência a pretexto de superstição e misticismo; então, o século XVIII, chamado de “O século das Luzes”, também ficaria marcado como o século da incredulidade; entretanto, alguns movimentos de cunho científico e filosófico, baseados em certos eventos, vieram contrabalancear o curso das ideias e sedimentar a nova revelação espiritualista. Dentre esses movimentos precursores, destacam-se:
Espiritualismo Moderno e a moda das Mesas Girantes
No desenrolar daquela singular fenomenologia que antecedeu a codificação kardequiana, disseminou-se uma variedade de manifestações de efeitos físicos (levitação de objetos, aparições espirituais, materialização etc.) e de efeitos inteligentes (psicografia, psicofonia etc.) revelando médiuns pessoas de todos os gêneros, de todas as classes e de todos os níveis de instrução. Da primeira geração de médiuns modernos, destacam-se Daniel Dunglas Home, Florence Cook, Elizabeth d'Espérance, Eusapia Palladino e Linda Gazzera.
De forma geral, as religiões tradicionais contestaram a mediunidade moderna e, por conseguinte, o Espiritismo; primeiramente tentaram negar os fenômenos, depois os acusaram de bruxaria e satanismo. Um episódio histórico desse tipo de reação foi o célebre Auto de Fé de Barcelona, quando cerca de três centenas de livros espíritas foram confiscados pela Inquisição católica da Espanha e então queimados em praça pública em 9 de outubro de 1861 — evento esse que acabou por acirrar ainda mais o clamor popular contra o absolutismo da igreja e por despertar o seu interesse pela nova doutrina nas terras espanholas.
Gravura do Auto de Fé de Barcelona
Os fenômenos mediúnicos modernos provocaram um alvoroço geral na comunidade científica que, a princípio, assistia à febre neoespiritualista com a preocupação de o misticismo embaraçar o progresso científico, através do apelo religiosista, e de a crença sobrepor a razão, tal como na Idade Média. Além disso, os frequentes flagrantes de embustes e os espetáculos dos pseudomédiuns charlatões afugentavam o interesse de muitos estudiosos sérios. Todavia, vários cientistas renomados se ocuparam em averiguar aqueles fenômenos e todos aqueles que melhor se aprofundaram nesse intento acabaram ratificando a veracidade das faculdades mediúnicas.
Dentre os grandes cientistas que diretamente estudaram os fenômenos no auge do Espiritualismo Moderno, o mais proeminente foi o químico e físico inglês Sir William Crookes (1832-1919), respeitado presidente da Royal Society (a sociedade real de ciências da Inglaterra) e da British Association for the Advacement of Science (Associação Britânica pelo Avanço da Ciência). Crookes submeteu vários médiuns a experiências diversas, sob as mais rigorosas condições de averiguação científica e, apresentando o seu relatório final à academia, em 1874, declarou publicamente estar convencido da existência de uma força espiritual e inteligente, à qual a ciência se via obrigada a estudar. A academia arquivou o relatório do eminente cientista, votando por não se envolver oficialmente com tais fenômenos.
William Crookes averiguando a materialização do Espírito Katie King
Porém, o trabalho de Crookes inspirou outros ilustres homens da ciência que — quase sempre partindo da negação e do desejo de desmascarar os médiuns — igualmente validaram os fenômenos espirituais, dentre os quais, citamos: Oliver Lodge, Ernesto Bozzano, William James, Cesare Lombroso, Alexandre Aksakof, Alfred Russel Wallace e o Prêmio Nobel Charles Richet.
A partir dessa constatação, muitos pesquisadores procuraram desenvolver mecanismos que detectassem as forças ditas sobrenaturais. Das pesquisas de William Crookes, por exemplo, na tentativa de inventar um aparelho que medisse a capacidade mediúnica dos sensitivos, surgiram os raios catódicos, que mais tarde seriam usados nos tubos dos monitores de televisão e computadores. O fonógrafo de Thomas Edison seria outra invenção inspirada no desejo de registrar os fenômenos espirituais.
A Doutrina Espírita nasceu da observação das manifestações espirituais modernas, nos moldes de uma ciência comum, que estuda as causas e os efeitos dos fenômenos materiais; como a fonte daqueles fenômenos se revelou uma força viva e inteligente (os Espíritos) a pesquisa deixou de ser meramente de ordem física e adentrou no campo filosófico, para especular então as consequências sociais daquela fenomenologia. Em razão de os ensinamentos espirituais constituírem uma moral fundamentada em elementos religiosos (Deus, oração, destinação da alma etc.) a nova doutrina também assumiu um aspecto religioso.
Dizemos que o Espiritismo é também uma ciência em virtude de ser de seu escopo a investigação e o estudo acerca dos fenômenos espirituais que afetam a nossa dimensão física, averiguando-os sob os princípios comuns dos métodos científicos tradicionais. Contudo, ele não se limite a este campo: transcende as fronteiras das ciências convencionais, que se limitam ao horizonte das leis materiais; não se trata, pois, de uma ciência constituída, porque não se subordina a qualquer autoridade acadêmica ou qualuqer regulamentação civil; mas acompanha o progresso científico em acordo com o desenvolvimento natural das luzes, para o qual também contribui desvendando os mistérios da natureza inalcançáveis só pela instrumentação humana.
O Espiritismo também escapa dos modelos filosóficos tradicionais, pois que eles estes se sujeitam a condicionamentos de âmbito da nossa dimensão física. Ao considerar o elemento espiritual como parte da natureza, a Doutrina Espírita estabelece um novo conceito de filosofia, de um campo de ideias mais alargadas, em que princípios como a imortalidade da alma e a reencarnação tornam-se instrumentos fundamentais para a compreensão e solução de todos os problemas humanos.
Os Espíritos colaboradores da codificação do Espiritismo igualmente deram testemunho de Deus — o Criador e Soberano do Universo — e das virtudes espirituais, especialmente a lei de amor, ou caridade; demonstraram claramente como nossos atos atuais implicam nas condições da vida futura, reconheceram a validade da prece, como canal íntimo de ligação de cada indivíduo com o ser divino e todas as forças positivas da espiritualidade. Em consequência disso, a Doutrina Espírita assumiu também o caráter religioso, uma vez que em seu código filosófico estão contidos certos efeitos inerentes às religiões, por exemplo a Lei de Adoração. Em suma, a Revelação Espírita contém em si uma religião natural — a ligação intima e direta de cada indivíduo com o divino e com o todo universal. Entretanto, não é uma religião constituída, nem se fundamenta em dogmas místicos, não têm rituais ou cultos sacramentais, nem hierarquia sacerdotal, nem adota fórmulas litúrgicas ou símbolos sagrados e sacramentais. Além disso, sendo definido na sua própria codificação doutrinária como a Terceira Revelação da Lei Divina, o Espiritismo necessariamente se figura dentro da tradição religiosa judaico-cristã.
Da observação dos fenômenos espirituais, da síntese das revelações dos Espíritos (filosoficamente ponderadas) e da moral comparada, Allan Kardec sistematizou os conceitos básicos do Espiritismo, fundamentando então uma doutrina específica, bem caracterizada, pelo que, o seu qualificativo (espírita) se distingue da generalidade daquele do espiritualismo comum (espiritualista). Todavia, em se tratando de uma doutrina progressiva, seus conceitos não são dogmatizados e estão todos submetidos ao seu próprio desenvolvimento — sempre em acordo com a fé raciocinada.
Alguns dos principais conceitos desenvolvidos pela codificação kardequiana:
A codificação espírita parte das obras literária de Allan Kardec, dentre as quais, os cinco livros principais, às vezes chamados de pentateuco kardequiano:
Além dessas obras básicas, destacam-se os opúsculos: O Que é o Espiritismo (1859), resumo da conceituação e princípios fundamentais da doutrina, e o Catálogo Racional das Obras que podem servir para formar uma Biblioteca Espírita (1869), com uma listagem de livros, revistas e outras publicações de interesse para o estudo espírita.
Acrescente-se esta lista a Revista Espírita, publicação mensal inaugurada em janeiro de 1859 e editada pelo codificador até a edição de abril de 1869, preparada pouco antes de sua desencarnação. Sob o subtítulo “Jornal de Estudos Psicológicos”, este periódico foi um importante veículo de desenvolvimento e propaganda da doutrina e serve de valioso registro histórico a respeito da progressão da obra kardequiana.
Também valioso é o livro Obras Póstumas (1890), editado por Pierre-Gaëtan Leymarie (diretor da Sociedade Anônima Espírita), contendo um riquíssimo apanhado de textos até então inéditos de Allan Kardec, além de anotações pessoais contando os bastidores de seu trabalho doutrinário.
Obras Básicas de Allan Kardec para a Codificação Espírita
Em vida, Allan Kardec foi reconhecido como o líder do movimento espírita, sendo até chamado pelos seus confrades de Mestre (Maître, em francês). Após a sua morte (31 março de 1869), após uma década e meia de intenso trabalho, deixou um sólido legado teórico e volumoso patrimônio documental, cuja liderança, em face de sua sucessão, ele elaborava deixar a cargo de um comitê regularmente instituído, dentro do seu plano de “Constituição Transitória do Espiritismo”:
Não tendo havido tempo suficiente para Kardec concretizar este planejamento, sua liderança espírita foi inicialmente assumida pela viúva Kardec, Amélie Boudet, que então instituiu a Sociedade Anônima Espírita para gerenciar os trabalhos de divulgação do Espiritismo. Com o avançar da idade, Madame Kardec vai delegar as funções a terceiros; uma década depois da desencarnação do pioneiro espírita, todo o gerenciamento dos trabalhos acaba ficando concentrado nas mãos de Pierre-Gaëtan Leymarie, que, por sua vez, enfrentou rejeição de boa parte dos espíritas, sob acusação de má gerência do patrimônio kardequiano; pesava contra ele também acusações de má direção editorial da Revista Espírita, especialmente depois do episódio conhecido como “Processo dos Espíritas” (devido publicações de fotografias fraudulentas que anunciavam supostos retratos mediúnicos) e de inserções de matérias de doutrinas místicas e estranhas ao Espiritismo (notadamente de teor roustainguista e teosófico). Uma grande cisão se fez entre os espíritas; na tentativa de reerguer o movimento, os confrades opostos a Leymarie, liderados por Berthe Fropo e Gabriel Delanne, fundaram em 1882 a União Espírita Francesa que, no entanto, não conseguiu grandes êxitos. Falece a viúva Kardec, encerram-se as atividades da UEF e, logo mais, a Sociedade Anônima Espírita de Leymarie é liquidada.
O movimento espírita fica à deriva até a segunda década do século XX, quando surge o filantropo suíço Jean Meyer, que adquire em 1916 os direitos de publicação da Revista Espírita, rearticula a UEF em 1919, reaviva os congressos internacionais e desenvolve novos e importantes trabalhos doutrinários, juntamente com Léon Denis, Gabriel Delanne, Henri Sausse, Léon Chevreuil e outros valorosos kardecistas.
Depois de a divulgação espírita já ter sido bastante penalizada com a Guerra Franco-Prussiana (1870-1871) e com I Guerra Mundial (1914-1918), o Espiritismo foi praticamente desarticulado em sua totalidade na Europa por ocasião do segundo grande conflito mundial (1939-1945).
Em contrapartida à derrocada do movimento espírita europeu, a Doutrina dos Espíritas encontrou solo fértil no Brasil, tendo seus princípios motivado articulações de reformulação religiosa e social (por exemplo, forte engajamento de seus adeptos nas campanhas de abolição da escravidão e da Proclamação da República). Nesse ínterim, surgiriam grandes personalidades espíritas, dentre os quais, notáveis médiuns que contribuíram para popularizar a doutrina e tornar o Brasil o maior país espírita do mundo na passagem do segundo para o terceiro milênio. São exemplos desses eminentes nomes: Bezerra de Menezes, Leopoldo Cirne, Angeli Torteroli, Bittencourt Sampaio, Anália Franco, Eurípedes Barsanulfo, Cairbar Schutel, Peixotinho, Yvonne A. Pereira, Zé Arigó, José Herculano Pires, Divaldo Franco e, em especial, Francisco Cândido Xavier (Chico Xavier) — considerado por muitos o mais extraordinário médium espírita de todos os tempos e, através de sua mediunidade, o maior contribuinte doutrinário do Espiritismo após Allan Kardec.
Indiretamente o movimento espírita se nutre do progresso natural das coisas, e notadamente do avanço das ciências em sua reabertura para questões relacionadas à espiritualidade. Concretamente, há na atualidade renomados pesquisadores e conceituados centros de pesquisas científicas ao redor do mundo se debruçando sobre temas como imortalidade da alma, reencarnação e a relação entre equilíbrio espiritual e saúde física; esses estudos se baseiam em evidências objetivas tais como: fenômenos mediúnicos (por exemplo, os de cura espiritual), Experiência de Quase-Morte (EQM), reminiscências de vidas passadas e transcomunicação instrumental (TCI).
Há que se destacar ainda que, passados cerca de dois séculos da inauguração da doutrina, nenhum dos seus princípios fundamentais foi categoricamente desmentido por qualquer ciência ou filosofia.
Denomina-se Movimento Espírita a prática em geral do Espiritismo, o conjunto de atividades em prol do desenvolvimento desta doutrina, realizado por aqueles que a estudam, professam, praticam e divulgam — ou seja, os espíritas. Para tais fins, os centros espíritas e entidades associativas (como a Federação Espírita Brasileira) prestam-se a concentrar esforços no sentido de promover o estudo e a propagação dos princípios espíritas, mediante a cooperação entre os seus confrades. Soma-se a essas organizações o desenvolvimento crescente da arte espírita (música, teatro, televisão e cinema).
No campo da divulgação do Espiritismo, a internet ocupa atualmente um lugar de destaque; a rede mundial de computadores tem contribuído significativamente para a democratização do conhecimento e para a aproximação e a interação entre os espíritas e demais interessados na doutrina, sendo o Portal Luz Espírita um dos pioneiros nessa devotada empreitada.
De certa forma, o movimento espírita se confunde com o próprio Espiritismo, cujo futuro requer a participação ativa dos seus adeptos, como asseverou o filósofo Léon Denis:
Todavia, sendo de origem divina, o Espiritismo está predestinado a triunfar, porque além da vontade dos homens encarnados está a sua condução espiritual:
A doutrina, porém, continua a ser desdenhada por muitos céticos, até ferozmente combatida por vários deles, ainda bastante influenciados pelo materialismo; não obstante, sua destinação — como sabemos — já está traçada, e é ela o marco da Nova Era estabelecida para a regeneração da humanidade:
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