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Índice de verbetes


Evangelho



Evangelho é, na tradição cristã, o conjunto de ensinamentos — a Boa Nova — de Jesus, o Cristo, representando a segunda grande revelação da Lei de Deus para a humanidade terrena; designa também o gênero literário próprio dos livros clássicos que tratam especificamente da vida de Jesus e fazem apologia à sua mensagem. O desenvolvimento do Novo Testamento da Bíblia consagrou quatro evangelhos canônicos, atribuídos aos apóstolos: Mateus, Marcos, Lucas e João; outros textos primitivos, mais ou menos semelhantes, foram rejeitados pelo cânone bíblico, mas ficaram conhecidos como evangelhos apócrifos — não oficiais ou, para grande parte dos cristãos (especialmente para as igrejas tradicionais), textos falsos, clandestinos e sem inspiração divina. Dentre os ditos evangelhos apócrifos, encontram-se os atribuídos a Tomé, Filipe, Judas e a Maria Madalena. O Evangelho segundo o Espiritismo de Allan Kardec, não sendo propriamente uma nova versão do referido gênero, consiste numa releitura dos quatro evangelhos canônicos, interpretando os preceitos morais do verdadeiro cristianismo conforme os princípios fundamentais do Espiritismo, e é adotado pelos espíritas como o código de conduta por excelência e modelo de perfeição para a humanidade



Definição etimológica

O termo evangelho é oriundo do latim tardio evangelium, transliterado do grego clássico εὐαγγέλιον = “boa nova”, que se compõe de εὐ = “bem, bom” e ἄγγελος = “mensagem, novidade” também válido para “mensageiro”.

Da mesma raiz latina surgem outros derivados, como o adjetivo evangelista, em referência àquele que escreve uma obra desse gênero (por exemplo, João Evangelista), assim como o verbo evangelizar, aplicável no sentido de propagar os ensinamentos dos evangelhos.

O emprego desta palavra — exatamente se referindo à nova doutrina que o Messias veio trazer ao mundo — tem sua origem já nos próprios evangelhos bíblicos, inclusive em fala atribuída ao próprio Jesus, como nas seguintes passagens:

“Jesus percorria toda a Galileia, ensinando nas sinagogas, pregando o evangelho do Reino e curando todo tipo de doenças e enfermidades entre o povo.”
Jesus – Mateus, 4:23
“E disse-lhes: — Vão por todo o mundo e preguem o evangelho a toda criatura.”
Jesus – Marcos, 16:15
“Jesus, porém, lhes disse: — É necessário que eu anuncie o evangelho do Reino de Deus também nas outras cidades, pois é para isso que fui enviado.”
Jesus – Lucas, 4:43

Contudo, antes que qualquer evangelho fosse escrito, as cartas de são Paulo já faziam menção à doutrina de Jesus pelo termo evangelho, como na epístola paulina dirigida à comunidade de Corinto - Grécia, dizendo: “Irmãos, venho lembrar-lhes o evangelho que anunciei a vocês, o qual vocês receberam e no qual continuam firmes.” (I Coríntios, 15:1)

Desde então, obviamente, a palavra foi absorvida pelos discípulos do Mestre da Galileia, como fica evidente nos demais livros do Novo Testamento, a exemplo do que lemos nos versículos seguintes:

“Pois, para este fim, o evangelho foi pregado também a mortos, para que, mesmo julgados na carne segundo os homens, vivam em espírito segundo Deu.”
Pedro – I Pedro, 4: 6
“Vi outro anjo voando pelo meio do céu, tendo um evangelho eterno para pregar aos que habitam na terra, e a cada nação, tribo, língua e povo.”
João Evangelista – Apocalipse, 14: 6


Evangelho como gênero literário

O estilo com o qual foram escritos os livros clássicos ditos evangelhos é considera dos linguistas como um gênero literário até então original. Diz-se que o estilo comum mais aproximado ao gênero evangélico é o de biografia; entretanto, os especialistas reconhecem que os evangelhos não são meros relatos da vida ou mesmo da obra doutrinária do Cristo, mas também uma apologia direta, uma propaganda e convite à adesão ao cristianismo. Há sim um contexto biográfico de Jesus, porém com uma característica ímpar: ele é apresentado como o Messias Divino, o filho de Deus e salvador da humanidade. Os textos privilegiam os discursos e as parábolas do Mestre nazareno, trazendo ainda testemunhos e relatos apostólicos, como o da paixão de Cristo e da sua ressurreição.


Evangelhos canônicos

Vários textos sugestivos de evangelho surgiram ao longo dos anos no período chamado cristianismo primitivo e circularam avulsamente por diversas comunidades cristãs; em face disso, não tardou para brotarem muitas discussões teológicas a respeito dos textos válidos (ditos “inspirados por Deus”) e os falsos (apócrifos).


Arte gráfica com a imagem de Jesus


Quando os romanos estabeleceram a igreja católica como a santa instituição, sentiram então a necessidade de formatar o cânone do Novo Testamento, isto é, a relação dos livros “sagrados” oficializados pelas autoridades eclesiásticas para compor a Bíblia cristã, como uma sequência do Antigo Testamento (que estava formatado, embora discussões posteriores viessem questionar os textos antigos judaicos). O Sínodo de Hipona, realizado no ano de 393, propôs a lista dos 27 mais conhecidos e admitidos textos daquela cristandade e encaminhou a aprovação deste padrão, que seguia a sugestão de Atanásio, bispo de Alexandria, contida numa carta sua de 367 sobre os decretos do Concílio de Niceia.

A listagem de Atanásio recomendava somente fossem aceitos os evangelhos de Mateus, de Marcos, de Lucas e o de João, compondo o Novo Testamento junto com o livro dos Atos dos Apóstolos, as epístolas e o Apocalipse. Ela foi aceita pelos concílios de Cartago (em 397 e 419), sob os auspícios de santo Agostinho; o concílio de Roma em 382 também a avalizou e encomendou no ano seguinte a produção da versão bíblica cristã conhecida como Vulgata, praticamente selando o cânone cristão, embora a sua dogmatização só tenha se efetivado no Concílio de Trento, em 1546.

O Evangelho segundo Marcos é considerado pelos exegetas bíblicos como o mais antigo — embora esteja catalogado como o segundo na ordem bíblica — e aquele que serviu de base para os dois seguintes (Mateus e Lucas), formando assim os chamados Evangelhos sinóticos (semelhantes: descrição repetida de vários episódios e parábolas, mesma cronologia, idêntica estrutura de palavras, dentre outras características), enquanto o quarto evangelho (na ordem bíblica) e o mais tardio, atribuído a João Evangelista, apresenta uma estrutura toda peculiar.

Estima-se que todos os Evangelhos canônicos foram escritos bem depois da crucificação de Jesus, e até mesmo das cartas do apóstolo Paulo; a data mais aventada é por volta do ano 70, quando se deu a destruição de Jerusalém pelos romanos, depois da revolta dos judeus contra a dominação de Roma. A sua autoria é desconhecida: eles foram escritos anonimamente e os nomes dos evangelistas foram depois acrescentados pela tradição cristã, em observâncias com os relatos aproximados dos seguidores mais ligados a cada um dos quatro apóstolos de quem os evangelhos receberam os nomes.

Os textos originais se perderam, junto com as primeiras cópias; contudo, os manuscritos mais antigos demonstram uma notável similaridade de conteúdo — conquanto flagrantes divergências em algumas passagens, encontradas em algumas versões e traduções da Bíblica, sugiram possíveis manipulações intencionais a fim de validar uma ou outra tendencia teológica. Um exemplo desses flagrantes foi apontado por Allan Kardec, com referência ao texto de João, 3: 5:

“Estas palavras ‘Se um homem não renasce da água e do Espírito’ têm sido interpretadas no sentido da regeneração pela água do batismo; mas o texto primitivo trazia simplesmente: ‘Não renasce da água e do Espírito’, ao passo que em algumas traduções a expressão ‘do Espírito’ foi substituída por: ‘do Santo Espírito’ — o que já não corresponde ao mesmo pensamento.”
O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec - cap. IV, item 7

Quanto aos evangelhos canônicos, podemos considerar a síntese seguinte:

  • Evangelho segundo Mateus: volta-se para os judeus, na tentativa de demonstrar que Jesus é o Messias profetizado no Velho Testamento, ligando-o de alguma forma à tradição judaica, para então apresentá-lo como sucessor dos antigos profetas, tanto que é a versão que descreve a genealogia do Cristo e acontecimentos da sua infância, destacando também os milagres e as parábolas do Mestre;
  • Evangelho segundo Marcos: é essencialmente um relato mais histórico do ministério de Jesus, desde seu batismo por João Batista até sua ascensão ao plano espiritual, concentrando-se principalmente nos fatos decisivos para o ato do martírio na cruz, pelo que exorta o reconhecimento do ato heroico do Cordeiro de Deus;
  • Evangelho segundo Lucas: apresenta-se como uma carta dirigida a Teófilo, para reforçar a fé daquele irmão em Cristo, mostrando, para tanto, um Jesus muito sensível para com os mais necessitados e os mais desprezados pela sociedade. Concentra-se também em motivar os fiéis na busca da salvação, conforme o próprio Mestre convidava a todos;
  • Evangelho segundo João: volta-se para os gentios (não judeus, especialmente os romanos) desprendendo a doutrina do Cristo das tradições judaicas. É menos histórico e mais reflexivo, teológico, repleto de simbolismos. Sua cronologia e estilo de linguagem são bem particulares, diferentes dos três livros sinóticos e, por vezes, contraditório àqueles; é o evangelho cristocêntrico por natureza.


Os evangelhos apócrifos

Centenas de outros textos evangélicos foram rejeitados pela igreja e ficaram de fora do cânon bíblico, eles são conhecidos como evangelhos apócrifos, não autoritativos (sem autoridade religiosa). Dentre os fragmentos dessas versões já encontrados, destacam-se os da coleção denominada Biblioteca de Nag Hammad, descoberta numa aldeia egípcia em 1945, compondo-se de manuscritos dos Evangelhos de Pedro, de Felipe, de Tomé, de Judas e o de Maria Madalena.

O Evangelho segundo Tomé traz passagens inéditas da infância de Jesus (inclusive fazendo milagres), além de 114 frases atribuídas ao Cristo, cujo teor é a salvação pelo autodescobrimento, através da sublimação das virtudes — em contradição com a liturgia sacramental da igreja.

Também é bastante lembrado o Evangelho de Maria Madalena, encontrado no Cairo, Egito, em 1896, mas somente divulgado em 1955. Certamente que sua autoria não pertence àquela seguidora de Jesus, mas assim foi nomeado em razão da sua forte presença nos textos, por exemplo, na forma como ela — dialogando com os discípulos — é quem protagoniza a exortação da no Cristo, enquanto alguns apóstolos demonstram dúvidas e inquietações, apresentado Maria de Madalena como uma espécie de líder dos cristãos.

Estudiosos independentes também dão destaque ao Evangelho de Judas, de autoria atribuída a escritores gnósticos do século II, contendo uma dissertação histórica de Judas Iscariotes cumprindo os desígnios do próprio Cristo — e, portanto, negando a versão de que tenha sido um traidor; Judas seria então o apóstolo mais fiel e que melhor compreendia os ensinamentos do seu Mestre.


Evangelho e Doutrina Espírita

O Espiritismo é uma doutrina essencialmente moralista, quer dizer, que seu objetivo primordial é promover o senso moral da humanidade; para tal finalidade, a Doutrina Espírita acolhe como seu padrão moral a mensagem evangélica do Cristo:

“A moral dos Espíritos superiores se resume como aquela do Cristo nesta máxima evangélica: fazer aos outros aquilo que gostaríamos que os outros nos fizessem, isto é, fazer o bem e nunca fazer o mal. Neste princípio o homem encontra a regra universal de conduta até para as suas menores ações.”
O Livro dos Espíritos, Allan Kardec - Introdução, item VI

Sendo a moral espírita a mesma moral cristã (cristã aqui no sentido da verdadeira mensagem do Cristo e não exatamente a interpretação das igrejas cristãs), torna-se então imperativo conhecer profundamente o Evangelho de Jesus, razão pela qual os textos bíblicos são referências necessárias para o espírita. No entanto, o codificador espírita ressalva que não se deve interpretar literalmente tudo que está contido nos livros dos evangelistas. Como exemplo concreto da forma simbólica que caracteriza a linguagem daqueles textos, Kardec chama a atenção do absurdo que seria tomar ao pé da letra a passagem do Evangelho segundo Mateus, 24:29-30: “Logo após esses dias de aflição, o Sol escurecerá e a Lua não mais dará sua luz, as estrelas cairão do céu e as potências do céu serão abaladas. Eu vos digo em verdade que esta raça não passará sem que todas estas coisas tenham se cumprido.” A respeito disso, comenta o pioneiro espírita:

“Não temos visto a forma do texto bíblico ser contradita pela ciência no que toca à criação e ao movimento da Terra? Não se dará o mesmo com algumas figuras empregadas pelo Cristo, que devia falar de acordo com os tempos e os lugares? O Cristo não poderia dizer conscientemente uma coisa falsa; assim, pois, se nessas suas palavras há coisas que parecem chocar a razão, é que não as compreendemos bem ou que as interpretamos mal.”
O Livro dos EspíritosAllan Kardec - comentário da questão 131

Convém ter em mente que os ensinamentos e os feitos conhecidos de Jesus vêm de textos terceirizados, já que ele próprio não escreveu nenhuma obra; em razão disso — embora levando em consideração a inspiração e a proteção espiritual para que os textos evangélicos preservassem a mensagem do Messias ao longo dos anos — é preciso admitir a imperfeição da narração bíblica em muitos dos seus trechos, bem como está demonstrado na reflexão a seguir, que também reforça o dado da terceirização dos enunciados cristãos:

“Certas palavras — muito raras, aliás — criam um contraste tão estranho na boca do Cristo que instintivamente repulsamos o seu sentido literal, e com isso a sublimidade da sua doutrina não é afetada de forma alguma. Escritas após sua morte — já que nenhum Evangelho foi redigido durante a vida dele — podemos supor que, em tal caso, o sentido do seu pensamento não foi bem expresso, ou — o que não é menos provável — que o sentido original pode ter sofrido alguma alteração ao passar de uma língua para outra. Bastaria que um erro fosse cometido uma primeira vez para que fosse repetido pelos reprodutores — como se vê frequentemente com os fatos históricos.”
O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec - cap. XXIII, item 3

Malgrado a imperfeição humana, inclusive dos evangelistas, a codificação kardequiana reconhece a inspiração divina (via Espíritos superiores, ministros de Deus) nos chamados “livros sagrados”, todos fazendo parte do desenvolvimento progressivo da revelação divina:

“As instruções podem ser transmitidas por diversos meios: pela inspiração pura e simples, pela audição da palavra, pela vidência de Espíritos instrutores nas visões e aparições, seja em sonho ou desperto, assim como vemos tantos exemplos na Bíblia, no Evangelho e nos livros sagrados de todos os povos. Portanto, é rigorosamente exato dizermos que a maior parte dos reveladores são médiuns inspirados, audientes ou videntes.”
A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, Allan Kardec - cap. I, item 9

Por outro lado, o apego dogmático e intransigente ao sentido expresso e às mais diversas interpretações dos Evangelhos têm feito da tradição cristã das igrejas uma fonte de contínuas controvérsias e dissensões, donde naturalmente se conclui que, havendo diferentes versões, necessariamente haverá distorções, tendo o próprio Jesus previsto a necessidade de futuramente enviar o Consolador para reestabelecer os seus ensinos (João, 14:15 e 17 e 26), para o que o Espiritismo apresenta-se como a doutrina que resgata a essência cristã original:

“Jesus promete outro consolador: é o Espírito de Verdade, que o mundo ainda não conhece, por não estar maduro para compreendê-lo, e que o Pai enviará para ensinar todas as coisas e para relembrar aquilo que Cristo disse. Então, se o Espírito de Verdade devia vir mais tarde ensinar todas as coisas, é que Cristo não havia dito tudo; se ele vem relembrar o que Cristo disse, é que ele foi esquecido ou mal compreendido.”
O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec - cap. VI, item 4

Com efeito, em face da necessidade de reinterpretar a Boa Nova do Cristo à luz da Revelação Espírita, Allan Kardec publicou em abril de 1864 O Evangelho segundo o Espiritismo, inicialmente intitulado “Imitação do Evangelho”; esta publicação, portanto, ratifica o valor que o Espiritismo dá — com as devidas ressalvas — aos textos do Novo Testamento. Seu prefácio traz a assinatura do Espírito de Verdade (supostamente o próprio Jesus), que assevera o momento oportuno para a revivescência do verdadeiro cristianismo:

“Os Espíritos do Senhor, que são as virtudes dos céus, como um imenso exército que se move assim que recebe a ordem, espalham-se por toda a superfície da Terra; semelhantes a estrelas que caem do céu, eles vêm iluminar o caminho e abrir os olhos dos cegos.
“Eu digo a vocês, em verdade, que chegou o tempo em que todas as coisas devem ser restabelecidas no seu verdadeiro sentido, para dissolver as trevas, desmascarar os orgulhosos e glorificar os justos. ”
O Espírito de Verdade

O Evangelho segundo o Espiritismo


A Doutrina Espírita cumpre assim o papel do Consolador Prometido por Jesus, sendo legitimamente porta-voz da essência cristã:

“Assim como o Cristo disse: ‘Eu não vim destruir a lei, mas cumpri-la’, o espiritismo diz igualmente: ‘Não venho destruir a lei cristã, mas cumpri-la’. Ele não ensina nada contrário ao que o Cristo ensinou; ele desenvolve, completa e explica, em termos claros para todo mundo, o que foi dito apenas sob uma forma alegórica; ele vem realizar, nos tempos preditos, aquilo que o Cristo anunciou, e vem preparar a concretização das coisas futuras. Em suma, ele é a obra do Cristo, que preside pessoalmente — assim como ele igualmente anunciou — a regeneração que se opera e prepara o reino de Deus na Terra.”
O Evangelho segundo o Espiritismo - cap. I, item 7

A contribuição espírita para uma interpretação mais bem apurada do Evangelho é imensurável, e ele é bem-sucedida nesse propósito exatamente por conta da chave dos seus conceitos doutrinários (em especial, a Lei de Reencarnação) para tantas questões que as teologias convencionais nunca puderam resolver. Sobre as velhas controvérsias dos pais da igreja, Kardec diz:

“Os homens só puderam explicar as Escrituras com o auxílio do que sabiam, de noções falsas ou incompletas que tinham sobre as leis da natureza, reveladas mais tarde pela ciência: eis por que os próprios teólogos — mesmo com muito boa vontade — enganaram-se sobre o sentido de certas palavras e de certos fatos do Evangelho. Querendo a todo custo encontrar aí a confirmação de uma ideia preconcebida, giraram sempre no mesmo círculo, sem abandonar o seu ponto de vista, de tal modo que só viam o que queriam ver. Por mais instruídos que fossem, os teólogos não podiam compreender causas dependentes de leis que eles desconheciam.”
A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo - cap. I, item 29

Com o Espiritismo, toda a magnificência da mensagem crística fica justificada, resgatando a figura de Jesus Cristo ante a lógica e a razão:

“Longe de negar ou destruir o Evangelho, o Espiritismo vem, ao contrário, confirmar, explicar e desenvolver — pelas novas leis da natureza que ele revela — tudo quanto o Cristo disse e fez; ele traz a luz sobre os pontos obscuros do seu ensinamento, de tal sorte que aqueles para quem certas partes do Evangelho eram incompreensíveis, ou pareciam inadmissíveis, compreendem-nas sem dificuldade com a ajuda do Espiritismo e as admitem; enxergam melhor o seu alcance e podem distinguir entre a realidade e a alegoria; o Cristo lhes parece maior: já não é simplesmente um filósofo, é um Messias divino.”
Idem - cap. I, item 41


A Boa Nova de Jesus

A primeira grande revelação da Lei Divina está concentrada na Lei Mosaica (de Moisés) da qual se originou o Judaísmo; ela se notabilizou pelo estabelecimento sistemático do monoteísmo (ideia de um Deus único, criador de tudo e soberano universal) e pelo ordenamento da base das leis naturais, concentradas no Decálogo (os Dez Mandamentos). Não obstante, os judeus deturparam essa revelação, especialmente pelo apego extremo à letra da lei e pela interpretação de que a aliança com Deus era uma dádiva exclusiva para seu povo.

Como o envidado de Deus, Jesus personifica a segunda grande revelação; sua vinda se deu para o cumprimento da verdadeira lei de Deus — o Senhor de todas as nações — então reparando os abusos cometidos pelos doutores da lei do Judaísmo, e ao mesmo tempo trazendo novos ensinamentos, principalmente sobre a vida futura do homem e das relações e consequências dessa vida futura com o caráter pessoal. Nesse sentido, o evangelho de Jesus veio concretamente como uma “boa nova”, uma mensagem otimista realista, por consagrar a todos os indivíduos — sem nenhuma distinção entre as pessoas — a capacidade de “cada qual salvar a si mesmo” mediante o cumprimento da Lei de Deus, e não dependência das formalidades religiosas e dos eclesiásticos.


Jesus ensinando aos apóstolos


São características do Evangelho cristão:

  • Amor e submissão absoluta a Deus, sendo Deus figurado como o Pai de tudo e de todos (“Ame o Senhor, seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma, de todo o seu entendimento e com toda a sua força.” - Marcos, 12:30);
  • Amor ao próximo como a si mesmo, preceito colocado como equivalente ao de amar a Deus (“E o segundo mandamento, semelhante ao primeiro, é: ‘Ame o seu próximo como você ama a si mesmo’.” - Mateus, 22: 39);
  • Mérito individual: cada um colhe o que plantou, de bom ou de ruim (“Porque o Filho do Homem há de vir na glória de seu Pai, com os seus anjos, e então retribuirá a cada um conforme as suas obras.” - Mateus, 16:27) conforme as verdadeiras intenções (“A pessoa boa tira o bem do bom tesouro do coração, e a pessoa má tira o mal do mau tesouro; porque a boca fala do que está cheio o coração.” - Lucas, 6:45);
  • Assistência espiritual aos sinceros: Jesus promete ajudar àqueles que buscam força espiritual para vencer os desafios da vida (“Venham a mim todos vocês que estão cansados e sobrecarregados, e eu os aliviarei.” - Mateus, 11:28; “Por isso, digo a vocês: Peçam e lhes será dado; busquem e acharão; batam, e a porta será aberta para vocês.” - Lucas, 11:9);
  • Consolação: o Cristo consola os aflitos assegurando-lhes as recompensas devidas às virtudes (“Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados. Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados.” - Mateus, 5:4 e 6);
  • Exortação à obra divina: na sua posição de liderança dos povos e modelo de conduta para a humanidade, Jesus dá o sublime exemplo da servidão (“Pois o próprio Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos.” - Marcos, 10:45) e nos convida a servir à causa divina (“Quem quiser tornar-se grande entre vocês, que se coloque a serviço dos outros; e quem quiser ser o primeiro entre vocês, que seja servo de vocês.” - Mateus, 20:26-27);
  • Garantia de sucesso: a Boa Nova trazida por Jesus não consiste numa alternativa, uma eventualidade que dependa de circunstâncias quaisquer, mas sim numa promessa de realização já determinada pelo Pai (“Passará o céu e a terra, porém as minhas palavras não passarão.” - Mateus, 24:35).

Numa descrição lírica, mas igualmente assertiva, o Espírito Emmanuel (mentor espiritual de Chico Xavier) assim exalta o Evangelho trazido por Jesus:

“O Evangelho, assim, não é o livro de um povo apenas, mas o Código de Princípios Morais do Universo, adaptável a todas as pátrias, a todas as comunidades, a todas as raças e a todas as criaturas, porque representa, acima de tudo, a carta de conduta para a ascensão da consciência à imortalidade, na revelação da qual Nosso Senhor Jesus Cristo empregou a mediunidade sublime como agente de luz eterna, exaltando a vida e aniquilando a morte, abolindo o mal e glorificando o bem, a fim de que as leis humanas se purifiquem e se engrandeçam, se santifiquem e se elevem para a integração com as Leis de Deus..”
Mecanismos da Mediunidade, (Emmanuel) Chico Xavier e Waldo Vieira - cap. 26

Falando da excelência moral contida no Evangelho, Allan Kardec exprime:

“Diante desse código divino, até a própria incredulidade se curva; este é o terreno onde todos os cultos podem se reunir, a bandeira sob a qual todos podem se abrigar. quaisquer que sejam suas crenças, pois ele jamais foi pretexto de disputas religiosas — que sempre e por toda a parte foram levantadas por questões dogmáticas. Aliás, se o discutissem, as seitas teriam aí encontrado a sua própria condenação, porque a maioria está mais apegada à parte mística do que à parte moral — que exige a reforma de si mesmo. Para os homens, em particular, esse código é uma regra de conduta que abrange todas as circunstâncias da vida privada ou pública, o princípio de todas as relações sociais fundadas sobre a mais rigorosa justiça; enfim, e acima de tudo, é o caminho infalível para a felicidade futura, uma ponta do véu levantada sobre a vida futura.”
O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec - Introdução, item I


Veja também


Referências

  • O Livro dos Espíritos, Allan Kardec - Ebook.
  • O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec - Ebook.
  • A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, Allan Kardec - Ebook.
  • Bíblia, versão online - Site.
  • Verbete Evangelho na Wikipédia.
  • Artigo ‘Lost Gospel Revealed; Says Jesus Asked Judas to Betray Him’ - National Geographic Magazine.
  • Artigo ‘Brasileiro descobre um dos mais antigo manuscritos sobre a infância de Jesus’ - Espiritismo em Movimento.
  • Mecanismos da Mediunidade, (Emmanuel) Chico Xavier e Waldo Vieira. FEB Editora.


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Índice de verbetes
A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo
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José Herculano Pires
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Kardecista
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Lacordaire
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