Henri Sausse (Étoile-sur-Rhône, França, 6 de maio de 1852 - Étoile-sur-Rhône, 26 de fevereiro de 1928) foi um comerciante francês, espírita convicto, fiel aos ideais doutrinários kardecistas, pesquisador do Magnetismo, integrante e dirigente de diversas sociedades espíritas de Lyon, inclusive da Federação Espírita Lionesa, além de membro honorário de outras tantas de diversas localidades, figurando-se entre um dos maiores divulgadores do Espiritismo em seu tempo. É especialmente lembrado pelo movimento espírita como o primeiro biógrafo de Allan Kardec.
Henri Sausse (1852-1928)
Pouco sabemos da vida familiar de Henri Sausse. Seu registro de nascimento indica que ele nasceu no dia 6 de maio de 1852 na pequena comuna Étoile-sur-Rhône, no departamento de Drôme, ao Sul da França, filho de Alphonse Sausse (1827-1899) e Françoise Louise Collet (1829-1919). Seu pai foi prefeito de sua cidade natal por três mandatos consecutivos, entre 1886 e 1895, o que sugere que muito provavelmente Sausse teve uma boa formação educacional.
Quanto à sua iniciação ao Espiritismo, ele mesmo conta que, vivenciando a experiência dos fenômenos mediúnicos de efeitos físicos ocorridos em seu próprio ambiente familiar, ainda na juventude, ele foi buscar explicações para essas manifestações, encontrando as respostas na Doutrina Espírita, através das obras da codificação kardequiana. Em 1869, então com 18 anos de idade e residente em Lyon, Henri passou a frequentar o grupo espírita do Sr. Finet, que se reunia semanalmente. Sobre estas sessões, ele escreveu:
Ocorreu que em 1873 o prefeito local introduziu medidas proibitivas contra grupos espíritas, mas o seu grupo continuou suas atividades ocultamente, tendo o cuidado de extraviar todas as comunicações após o término de cada sessão, a fim de não deixar vestígios, para a segurança dos participantes. Uma vez afrouxada a perseguição os confrades de Finet retomaram normalizaram seus encontros, agora três vezes por semana, com o registro das manifestações e a divulgação da doutrina na sua região. Essas reuniões duraram até o falecimento do patrono do grupo, quando então Sausse vai estar entre os fundadores da Sociedade Espírita Lionesa (Société Spirite Lyonnaise) junto a qual assumirá expressivo protagonismo.
Segundo o relato do Sr. Peythieux, secretário da Federação Espírita Lionesa em 1934, pudemos saber que a ocupação profissional de Sausse era a de representante comercial e que, por conta disso, frequentemente estava em viagem, fora de sua residência em Lyon.
Em sua mesma cidade natal, Étoile-sur-Rhône, casou-se em 20 de abril de 1880 com Clotilde Sylvestre (1859-1899), com quem teve uma filha e dois filhos: Marie Madeleine (1881-1974), Marius (1885-1974) e Maurice (1887-1972).
Lyon — a cidade de nascimento de Allan Kardec — havia se tornado um foco de grande atividade espírita e Sausse, que ali se instalara, destacava-se dentre os seus mais atuantes, tanto pela oratória quanto pelos escritos.
Em 6 de maio de 1883, por ocasião da visita de Pierre-Gaëtan Leymarie, o diretor da histórica Revista Espírita, os kardecistas lioneses promoveram um evento que reuniu mais de mil correligionários e ali se semeou a ideia de uma federação espírita que congregasse os grupos familiares locais para determinados esforços coletivos em prol da propagação doutrinária. No dia 15 de julho seguinte, a federação já havia registrado mais de 250 membros, incluindo Sausse. Mas, ao invés de organizar uma federação, mantendo os grupos existentes, eles deliberaram criar uma sociedade única com os todos adeptos, sociedade essa que recebeu o nome de Sociedade Fraterna para o Estudo Científico e Moral do Espiritismo (Société Fraternelle d'étude scientifique et morale du Spiritisme). A nova entidade seria presidida por Laurent de Faget, outro notável seareiro da mesma causa. Henri Sausse, já reconhecido por sua devoção à causa espírita, foi eleito vice-presidente por unanimidade em 30 de setembro de 1883. Tornou-se o presidente em 8 de junho de 1884, após a mudança de Faget para a capital francesa.
Concomitantemente a esse cargo, o incansável Sausse continua participando do Grupo Amizade (Group Amitié), fundado em agosto de 1883, na intimidade de mais dez amigos, todos igualmente membros da Sociedade Fraternal. Este outro grupo prima por experimentações mediúnicas e práticas de Magnetismo, valendo-se dos notáveis recursos de sonambulismo da senhorita Louise. Essas experimentações duraram por sete anos, despedindo-se na sessão de 28 de outubro de 1890, devido ao casamento da sonâmbula.
Em paralelo, empreende também diligentes esforços para finalmente formalizar a criação da Federação Espírita Lionesa (Fédération Spirite Lyonnaise) reconstituída após uma conferência proferida por Gabriel Delanne em 12 de outubro de 1885. Este, aliás, outro grande apóstolo da Doutrina Espírita, mais adiante vai reconhecer os préstimos de Sausse:
Graças ao trabalho de Henri Sausse, a Federação divulga amplamente o Espiritismo. Imprimiu e distribuiu gratuitamente 10 mil panfletos Esperança e Coragem (Espérance et courage), de sua autoria, e em 1888 a Federação também criou uma sociedade caritativa composta pelos espíritas de Lyon, pois, nos seus dizeres “o Espiritismo é uma obra de caridade moral e material”. Esta sociedade distribui pensões todos os anos aos idosos e aos necessitados antes da chegada do inverno.
Nos anos 1880, parte do movimento espírita estava descontente com a condução de Pierre-Gaëtan Leymarie à frente da Sociedade Anônima Espírita, a instituição criada por Amélie Boudet (a viúva Kardec) para a continuação das obras espíritas de Allan Kardec. Entre as queixas principais, acusava-se Leymarie de abrir espaço na Revista Espírita para ideias estranhas à Doutrina Espírita, tais como os místicos conceitos da Teosofia e o religiosismo do Roustainguismo. Sausse ficou ao lado destes confrades descontentes e, junto de Gabriel Delanne, Berthe Fropo e Léon Denis, ele apoiou a criação de uma nova sociedade, a União Espírita Francesa (Union Spirite Française), instituída em dezembro de 1882, e uma nova revista quinzenal, O Espiritismo (Le Spiritisme), que entrou em circulação no mês seguinte.
Sausse contribuirá com este periódico da UEF escrevendo vários manifestos, bravamente sempre em defesa da doutrina kardecista. O primeiro deles, na segunda quinzena de março de 1884, ele protesta, em nome dos grupos espíritas lioneses, contra a ideia de um congresso espiritualista em Roma que se propunha para definir as diretrizes do movimento espírita, temendo que ali se deliberasse conceitos contrários à codificação original de Allan Kardec. Explana ele:
Le Spiritisme, jornal da UEF
Noutras ocasiões, fora das polêmicas, Sausse também vai relatar os aprendizados colhidos nas sessões experimentais de mediunidade e Magnetismo junto a seus grupos de estudo, como na segunda edição de julho de 1884, em que ressaltava as capacidades da sua amiga sonâmbula do Grupo Amizade:
Na passagem de 1884 para o ano seguinte, Sausse foi o pivô de uma nova controvérsia com Leymarie, a qual perduraria por várias gerações posteriores a eles: a suposta adulteração do livro A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo. Através do artigo ‘Uma infâmia’, publicado no jornal O Espiritismo, ele denuncia que Leymarie havia modificado indevidamente aquela obra de Allan Kardec a partir da 5ª edição reimpressa em 1872 pela Sociedade Anônima Espírita, portanto, 3 anos após a morte do legítimo autor.
Leymarie refutou a acusação na Revista Espírita daquele mesmo mês pelo artigo ‘Continuação de Ficções e insinuações’, colocando esta no mesmo bojo das tantas acusações que vinha recebendo da UEF; ele explicou que a nova versão de A Gênese, dita “revisada, corrigida e aumentada” tinha sido editada pelo próprio Allan Kardec e já publicada em outras duas edições — 5ª e 6ª edições datadas de 1869 — então anteriores àquela edição de 1872 da Sociedade Anônima Espírita e, portanto, antes de ele (Leymarie) assumir a direção daquela entidade espírita.
Em acréscimo, Leymarie acusou Sausse de “viajante caluniador que semeava toda espécie de invenções”, ao que Henri Sausse vai rebater, alegando ter sido informado daquela suposta adulteração por um dito amigo de Leymarie:
Em sua defesa, Leymarie apresentou o testemunho dos tipógrafos que trataram com Kardec sobre as alterações desta nova edição do livro em questão e de sua publicação em 1869. Por fim, Sausse reconhece a legitimidade da obra revisada e passa a fazer uso desta:
Para saber mais, ver a página especial O caso A Gênese.
Em 1889, Henri Sausse participou muito ativamente do Congresso Espírita e Espiritualista Internacional que aconteceu em Paris entre os dias 9 e 16 de setembro. Como mostram as atas do congresso, era Sausse o secretário do Comitê de Propaganda, do qual Léon Denis era presidente, e atuava como representante dos grupos de Lyon. Sobre este Congresso, Henri Sausse revela o seguinte:
Foram inúmeros os votos apresentados ao Comitê de Propaganda e muitos projetos, mas o que obteve o maior número de votos foi o desejo de ver as obras de Allan Kardec publicadas em edições populares ou de ver publicada uma obra que resumisse todos os princípios da doutrina.
Henri Sausse não conheceu Allan Kardec pessoalmente, mas era profundo estudioso da obra kardequiana, pela qual tinha especial devoção, além de admiração pessoal pelo codificador do Espiritismo. Em face disso, Sausse vai se dar conta do que ele considerou ser uma grave lacuna no movimento espírita: pouco se sabia sobre a vida particular do Mestre, sendo grande o interesse dos confrades em saber mais sobre a vida e a obra do pioneiro espírita. A partir desta percepção, Sausse dedica-se a elaborar uma pequena obra biográfica kardequiana, tendo em vista um discurso seu a ser proferido em 1896, por ocasião das já tradicionais solenidades promovidas no aniversário de desencarnação do memorável líder doutrinário, falecido em 31 de março de 1869.
Proferido o discurso diante dos confrades lioneses, Sausse foi ao mesmo tempo parabenizado pelo seu trabalho e encorajado a publicá-lo, a fim de que suprir o anseio dos demais correligionários que desejam conhecer melhor a biografia de Kardec. Inclinado a preencher esta lacuna, ele se lança a pesquisa por mais fontes e informações para a realização da obra. Seu discurso original foi publicado pelo jornal La Paix Universelle (A Paz Universal), acrescido de um apelo seu:
No Preâmbulo da obra Biografia de Allan Kardec, publicada naquele mesmo ano de 1896, Sausse lamenta não ter encontrado a cooperação que pleiteava para robustecer seu trabalho:
De fato, o único dos sobreviventes que conviveu com Kardec citado por Sausse, em agradecimento a sua contribuição, foi Pierre-Gaëtan Leymarie, que lhe forneceu documentos e outros subsídios para aquela edição, que foi prefaciada por Gabriel Delanne, que assim dirá:
O sucesso desta publicação resulta numa edição traduzida para o espanhol e lançada em 1901 por uma tipografia de Barcelona. Em 1912 a obra foi reeditada com a informação “aumentada de numerosos documentos inéditos”, também contendo o prefácio de Delanne e a sessão extra com conselhos, reflexões e máximas de Allan Kardec, extraídos da primeira dúzia de anos da Revista Espírita, além das notas complementares.
A 4ª edição e definitiva versão vai ser publicada em 1927 pela editora de Jean Meyer, o grande mecenas espírita, desta vez prefaciada por Léon Denis, que então conta quando e como ele conheceu o personagem biografado, abrilhantando ainda mais a o trabalho de Sausse, que traz em si o mérito de ter sido a primeira obra literária diretamente dedicada a biografar Kardec.
No final dessa composição biográfica, Sausse expressa com justeza sua intenção maior com essa obra: “Para honrar sua memória, como ela merece, esforcemo-nos por seguir seus conselhos e sobretudo para praticar suas virtudes.”
No Brasil, esta obra foi inicialmente inserida como conteúdo adicional a outros livros de Kardec, por exemplo, em O Que é o Espiritismo, pela Federação Espírita Brasileira, e depois ganhando sua publicação própria.
Biografia de Allan Kardec por Henri Sausse
A Federação Espírita de Lyon, que tinha apenas um caráter informal, tornou-se uma associação em 2 de agosto de 1903. Henri Sausse foi eleito secretário geral da nova associação, permanecendo membro da Sociedade Fraternal até 21 de março de 1910, quando ingressou numa nova associação, o Grupo Esperança (Groupe Espérance), que manteve suas atividades até 1914, sendo interrompidas devido ao início da Primeira Guerra Mundial.
Pouco antes do fim do grande conflito, Henri Sausse começou a editar Le Spiritisme kardéciste (Espiritismo Kardecista), com o subtítulo: “Jornal de propaganda da doutrina dos espíritos segundo os ensinamentos de Allan Kardec e Léon Denis”, cuja primeira edição veio a lume em 1º de janeiro de 1918. Por meio dele, o editor apresenta os princípios do Espiritismo e as atividades da Federação, mas também seu protesto contra os altos preços das obras de Allan Kardec. A revista durará apenas três anos, devido ao aumento do preço do papel. Em 1923 Henri Sausse, aos 72 anos, deixou o cargo de Secretário Geral da Federação, depois de ocupá-la por quase 40 anos. Foi então também presidente de outro grupo espírita de Lyon: a Sociedade Espírita Joana d'Arc.
Após a biografia de Allan Kardec, Henri Sausse deu início a outro projeto: reunir algumas notas para construir uma biografia do filósofo e amigo Léon Denis, já que havia preservado numerosos documentos de primeira mão, dentre os quais 250 correspondências entre eles, acumuladas ao longo de anos de intensa troca de experiências, além das visitas de Sausse a Tours, onde morava Denis. A biografia de Léon Denis foi empreendida como testemunho de simpatia e fidelidade, sendo publicada no seu periódico Le Spiritisme Kardéciste.
Daquelas visitas, a propósito, o biógrafo vai anotar:
Henri Sausse
Henri Sausse desencarnou aos 75 anos de idade, em 26 de fevereiro de 1928, na sua cidade natal, Étoile-sur-Rhône, para onde havia transferido sua residência nos dias finais de sua rica trajetória. A Revista Espírita publicou seu obituário, fazendo justiça e revendo os principais marcos de sua vida dedicados à divulgação do Espiritismo e do movimento espírita, entre outras palavras enobrecedoras, exprimindo:
Seu funeral ocorreu em 29 de fevereiro. A União Fraternal de Valença (Union Fraternelle de Valence), da qual foi presidente honorário, colocou em seu túmulo uma coroa de immortelles, símbolo da eternidade.
São de sua autoria os seguintes livros:
Além destas obras, Sausse foi autor de notáveis brochuras e panfletos doutrinários, dentre os quais saber: Esperança e coragem (Espérance et courage), O Espiritismo em Lyon (Le Spiritisme à Lyon), Memória dirigida ao Congresso Espírita de 1925 (Mémoire adressé au Congrès Spirite de 1925), Espiritismo transcendental (Spiritisme transcendantal) e Em busca das origens da alma humana (À la recherche des origines de l’âme humaine).
Vale destacar ainda o já mencionado jornal mensal Le Spiritisme Kardéciste, que ele criou e sustentou com recursos próprios, e que por quatro anos foi o órgão de imprensa oficial da Federação Espírita Lionesa.
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