Heresia é qualquer ideia, opinião, teoria ou prática considerada contrária à crença ou doutrina estabelecida. O uso clássico desse termo se aplica ao julgo das religiões contra as ideias ditas pervertidas e opostas a um ou mais dogmas e demais conceitos do sistema do credo ortodoxo, isto é, as normas regulamentadas de tal religião dominante; nesse contexto, heresia tem uma relação direta com o que as crenças tradicionais chamam de pecado — aquilo que fere o que se considera sagrado. O indivíduo passivo de heresia é denominado herege ou herético; o fundador de uma doutrina herética é chamado de heresiarca. Criado no século XII, o Tribunal da Inquisição ou Santo Ofício foi o órgão utilizado pelo catolicismo para combater a heresia; por esse exemplo, outras denominações religiosas também criaram instituições semelhantes..
O termo heresia foi utilizado originalmente pelos cristãos, para designar ideias as contrárias às que foram aceitas, sendo aquelas consideradas como “falsas doutrinas”. Tal vocábulo é oriundo do latim haerĕsis, que por sua vez vem do grego αἵρεσις (aíresis): “opinião”, no sentido de ideia particular e separada do conceito dito regular, normal, correto, formando assim um pensamento sectário, uma seita: uma versão considerada pervertida do padrão então consagrado.
Tal concepção foi utilizada tanto pela igreja católica como pelas igrejas protestantes e reformistas, sob a alegação de que heresia é uma doutrina contrária à verdade que teria sido revelada por Jesus Cristo; portanto, uma “deturpação ou má-interpretação” da Bíblia, dos profetas e de Jesus, bem como do magistério da igreja no colégio apostólico, no caso da Igreja Católica e dos primeiros cristãos.
Este vocábulo encontra-se no Novo Testamento da Bíblia, por exemplo, nas epístolas atribuídas ao apóstolo Paulo:
Também está presente numa passagem na segunda carta do apóstolo Pedro:
Já nos primórdios do catolicismo, foi preciso uma deliberação a respeito das diversas doutrinas em torno da interpretação cristã para as escrituras bíblicas a fim de formalizar uma doutrina única e, por conseguinte, definir como heresia as opiniões contrárias aos conceitos eleitos. Para tanto, vários concílios eclesiásticos foram realizados ao longo dos séculos, a começar pelo 1º Concílio de Niceia, no ano de 325, que anatematizou o teólogo Ário de Alexandria (250-336) e decretou herético o seu Arianismo (doutrina que negava a divindade do Cristo e o dogma da santíssima trindade).
Na Idade Média, a igreja romana intensificou a perseguição contra as ditas heresias; dentre as providências, foi instituído no começo do século XIII o Santo Ofício da Inquisição, um tribunal eclesiástico destinado a investigar e a julgar sumariamente os alegados hereges; os condenados eram enviados ao Estado, para serem sentenciados. As penas podiam ser desde tortura física até a morte, geralmente supliciando o herege numa fogueira, como aconteceu com Jan Hus (1375 - 1415), Joana d’Arc (1412 - 1431) e Giordano Bruno (1548 - 1600).
Representação da execução de Joana d’Arc
Os tribunais de Inquisição foram extintos pelos estados europeus no século XIX, permanecendo oficialmente ativo apenas no Estado do Vaticano. Em 1908, o papa Pio X renomeia o órgão para Sacra Congregação do Santo Ofício, que depois, em 1965, foi rebatizada para Congregação para a Doutrina da Fé, durante o Concílio Vaticano II. No ano 2000, o Papa João Paulo II pediu desculpas, em nome da sua igreja, pelos “abusos” cometidos pela Inquisição.
A Doutrina Espírita, bem como a prática da mediunidade, é considerada uma heresia pelo cristianismo tradicional. Livros relacionados ao Espiritismo foram incluídos ao Index Librorum Porhibitorium — o catálogo católico de obras cuja leitura é proibida para os féis da Igreja.
O mais memorável atentado católico contra a doutrina kardecista foi o Auto de Fé de Barcelona, realizado em 1861, quando cerca de trezentas obras espíritas (remetidas por Allan Kardec a Maurice Lachâtre, para serem comercializadas na Espanha) foram confiscados pelo bispo de Barcelona e queimados em praça pública, a pretexto de heresia. Entretanto, apesar do prejuízo financeiro para o codificador espírita, o ato de intolerância religiosa acabou por despertar ainda mais interesse dos espanhóis pela nova doutrina, além de inflamar a já crescente revolta popular contra o absolutismo da Igreja.
Aquarela do Auto de Fé de Barcelona
O atentado contra a fé diversa e a opinião alheia, a pretexto de um zelo doutrinário, reflete um inconsequente autoritarismo e intransigência das igrejas, muito contrário aos princípios do Cristo, especialmente levando em consideração que muitos dos dogmas religiosos — consagrados e impostos a ferro e a fogo — se fundamentam tão somente em concepções místicas, sem embasamento racional e muitas vezes em flagrante contraste com o positivismo das ciências; tanto é assim que têm brotado inúmeras controvérsias até dentro do seio das igrejas.
É, portanto, um atentado ao direito natural de liberdade que Deus concede aos seus filhos, além de uma inobservância do que disse o apóstolo Paulo:
Em defesa da legítima liberdade de crença e de expressão, e sem temer pôr a prova a justeza da teoria espírita, Allan Kardec exclamou, por sua vez:
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