Imortalidade da alma é um dos conceitos básicos do Espiritismo, norteando assim todo o conjunto de ideias desta doutrina, posto que o Espírito (indivíduo desencarnado) é a continuação da alma (indivíduo encarnado) após a morte (fenômeno biológico da falência definitiva do corpo orgânico) com a manutenção da mesma identidade do próprio indivíduo. Este fundamento naturalmente implica na condição de independência do ser (a pessoa, em sua essência) em relação ao corpo físico, contrapondo-se diretamente à tese materialista de que a vida nada mais seria do que uma manifestação das potências fisioquímicas e que o falecimento do corpo resultaria também no fim de tudo o que representa a existência daquele ser. O conceito espírita de alma imortal funda-se nas evidências concretas das manifestações dos Espíritos e no testemunho destes. O atributo da imortalidade também pode ser aplicado a Deus, que, exclusivamente, além de imortal, é eterno, no sentido clássico de atemporal, que não tem inícío nem término.
Tradicional símbolo da imortalidade da alma e da eternidade
O fenômeno da morte, principalmente o de pessoas muito queridas, é um dos que mais instigam a curiosidade humana e a remete às reflexões metafísicas, quer dizer, para além das suas necessidades da vida material; ademais, conforme o ensinamento dos Espíritos, há no homem um instinto natural de que a vida não se extingue com a falência do seu organismo carnal:
Essa intuição, presente em todos os povos e em todos os tempos, então impeliu o homem a cultivar a ideia de uma condição de vida posterior à morte (uma vida transcendental) em que o indivíduo assuma uma forma especial (forma espiritual) superior à condição mesquinha de um elemento físico, tal fosse uma mera máquina de carne e osso.
A partir dessa intuição — aliada às manifestações mediúnicas, que também estão registradas em todas as partes do nosso globo terreno, desde os tempos mais remotos — é que nasceram e se consolidaram as mais diversas expressões religiosas e ainda toda uma cultura e folclore acerca da busca pela imortalidade.
A busca pela imortalidade e a negação instintiva à morte têm movido a criatividade humana desde há muito. O clássico literário mais antigo de que se tem conhecimento que trate dessa temática é a Epopeia de Gilgamesh (século XXII a.C.) em que o herói mitológico e rei da Suméria vai galgar a eternidade após o choque sentido com a morte de um companheiro de jornada (Enquidu).
Algumas tradições antigas atiçavam a imaginação popular com ideias de uma espécie de fonte da juventude eterna ou pelo menos do prolongamento da vida. Na mitologia nórdica, por exemplo, as maçãs de um pomar cuja guardiã é a deusa Iduna podiam eternizar a vida dos pobres mortais, semelhante ao doce de ambrosia do manjar dos deuses gregos.
Ainda pela mitologia da Grécia Antiga, cientes de que a imortalidade era um atributo exclusivo dos deuses, restava aos homens o artifício de realizar grandes obras (tornar-se herói de guerra, por exemplo) e fugir de mediocridade, para perpetuar-se na História como forma de não morrer. Outros povos, como os egípcios, tinham um pensamento semelhante, porém se voltando mais para obras físicas (grandes monumentos, tais as pirâmides e os obeliscos).
Da arte para a ciência, a imortalidade exerce um fascínio natural. Desde os antigos taoístas e alquimistas chineses e europeus da Era Medieval que buscavam o “elixir da vida” (uma beberagem notadamente à base de ouro) capaz de imunizar o organismo carnal contra a decrepitude natural — embora não totalmente imune à morte por lesão física. Nos tempos modernos, a partir do desenvolvimento da genética, a pesquisa científica nesse sentido é uma realidade patente, havendo quem faça esporadicamente prognósticos de que a reversão do envelhecimento será uma conquista já para as próximas décadas.
Para tais fins, uma das mais renomadas instituições de pesquisa é a Fundação SENS - Strategies for Engineered Negligible Senescence (Estratégias para a Senescência Negligível Engenheirada, SENS) dirigida pelo biogerontologista britânico Aubrey de Grey, que sintetiza a meta de seus estudos como o “conjunto de terapias da medicina regenerativa de forma a combater o envelhecimento através da coibição da senescência, aumentando a expectativa de vida ou até mesmo buscando a imortalidade”.
No terreno da Filosofia, a questão da imortalidade é corrente e muitos pensadores influentes propuseram variadas interpretações. O filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein (1889-1951) considerou que “Se não definirmos a eternidade como infinita duração temporal, mas como intemporalidade, então a vida eterna pertence àqueles que vivem no presente.” Por sua vez, o boêmio Franz Kafka (1883-1924) apostou na brevidade da vida como a própria essência da existência humana: “O sentido da vida é que ela termina.”
A filosofia moderna, aliás, muito fomentou a ideia materialista, contra a qual Allan Kardec vai definir:
Na atualidade, uma das inquietações filosóficas mais persistentes consiste justamente em refletir sobre as fronteiras éticas da ciência no campo da manipulação genética, por exemplo, à vista da clonagem de corpos e do rejuvenescimento em contraste com as disparidades sociais, afinal, ainda com tantas questões étnicas em nosso mundo, seria justo e realmente útil investir tanto em tais tecnologias se ao final, como é de praxe, os benefícios custam muito tempo a chegar (quando chegam) às massas? Assim, seria ético permitir que alguém (quem possa pagar) viva indefinidamente enquanto seus semelhantes tombam irremediavelmente por falta de recursos monetários?
Já desde a concepção do Espírito, que é o objeto fundamental de estudo do Espiritismo, esta doutrina contém naturalmente a ideia de sobrevivência da alma após a morte do seu corpo físico usado na existência reencarnatória. E, explicitamente, este fundamento está presente já na folha de rosto de O Livro dos Espíritos de Allan Kardec — a primeira obra doutrinária espírita — como designação da doutrina que ali era inaugurada: “Sobre a imortalidade da alma, a natureza dos Espíritos e suas relações com os homens; as leis morais, a vida presente, a vida futura e o futuro da humanidade segundo o ensinamento dado pelos Espíritos superiores com o auxílio de diversos médiuns.
As definições ganham formas mais claras a partir da indagação sobre o que acontece com a alma a partir da morte, para a qual os mentores da codificação espírita ensinam que “A alma volta a ser Espírito, isto é, retorna ao mundo dos Espíritos que ela tinha deixado momentaneamente.” (O Livro dos Espíritos, questão 149).
Mais adiante, ao defender este princípio, Kardec acrescenta o benefício imediato produzido pela crença na continuação da vida:
Além disso, a Doutrina Espírita nos assegura que o Espírito desencarnado é a continuação da individualidade que outrora estava na condição de alma encarnada, mantendo assim sua memória pessoal, suas características comportamentais, suas disposições morais etc. Essa continuidade está em franco contraste com ideias semelhantes à do panteísmo, cuja crença é a de que a personalidade de cada alma se perde e vai se juntar às demais almas para formar um conjunto único, como cada gota d'água de um rio que cai no mar e ali perde sua identidade particular.
Com a conservação da individualidade, fica estabelecido também o princípio da consequência — boa ou má — dos atos individuais, pelo que cada qual recebe as recompensas ou é penalizado respectivamente, conforme o seu grau de responsabilidade.
Segundo a Revelação Espírita, a sobrevivência individual é infinita. Portanto, uma vez criado por Deus, o Espírito encaminha-se pela senda do progresso e goza de sua identidade individual pelos tempos sem fim, muito embora a perfeita compreensão desse infinitude nos seja impossível por ora, como demonstrada na questão seguinte:
Com efeito, é somente através da revelação espiritual que a ideia da sobrevivência da alma no além-túmulo e da imortalidade do Espírito se configura como um princípio concreto, como ressalta o codificador espírita:
Neste sentido, podemos considerar o Espiritismo como a mais concreta evidência, jamais refutada a contento, da realidade da vida espiritual e da individualidade dos seres — portanto, a prova cabal da imortalidade da alma.
O atributo da imortalidade do Espírito faz ressaltar a necessidade da distinção entre a infinidade dos Espíritos e da eternidade de Deus, tomando este último termo na sua acepção clássica daquilo que não tem nem começo nem fim, que não foi gerado nem morrerá.
Por vezes, o termo eternidade e seus derivados são usados na codificação kardequiana admitindo uma segunda significação, em pleno acordo com as disposições do idioma francês para o vocábulo éternité e derivados, neste caso como sinônimo de imortalidade e infinitude, aplicável ao que não tem término. Isto ocorre, por exemplo, nas questões 153 e seguinte de O Livro dos Espíritos:
Todavia, a doutrina dos Espíritos nos convida a considerar que Deus é a causa primária de todas as coisas, resultando que somente Deus é eterno, sendo tudo o mais — incluindo os Espíritos — sua criação, conforme:
Tais ensinamentos generalizados leva em conta nossas limitadas capacidades atuais de compreensão das coisas, mas deixa em aberto outras questões relacionadas ao tema, como a seguinte:
© 2014 - Todos os Direitos Reservados à Fraternidade Luz Espírita