As irmãs Baudin — Caroline e Pélagie — são lembradas pelo Movimento Espírita por terem sido umas das primeiras médiuns das quais Allan Kardec se serviu nos seus estudos acerca dos fenômenos espirituais. Foi frequentando as sessões mediúnicas semanais realizadas na residência da família Baudin que o codificador espírita iniciou seriamente sua pesquisa psíquica, resultando na codificação do Espiritismo. As sessões duraram entre 1855 e 1857, quando cada qual, após contrair matrimônio, foi morar em lugar diferente do restante da família.
Caroline e Pélagie são filhas do casamento do comerciante e engenheiro civil François Alphonse Baudin (1802-1871) com Barbe Mathilde Eberlen dite Avrelet (1808-1877), ambos da comuna Gray, departamento de Haute-Soâne, no nordeste da França, mesma localidade onde nasceram as duas irmãs. A primogênita, Catherine Caroline Baudin, nasceu em 13 de janeiro de 1827 e a sua irmã, Pélagie Baudin, em 3 de outubro de 1829. Elas tiveram um irmão: Gustave Baudin, nascido em 1845.
Estabelecida em Paris, a família Baudin teve pelo menos dois endereços certos: a Rua Rochechouart n° 66, onde em 1855 tiveram o primeiro contato com Kardec, e logo mais na Rua Lamartine n° 34, em 1856, onde continuaram realizando as reuniões espíritas.
Ambas se casaram no mesmo dia, a 13 de agosto de 1857, em Paris, conforme os proclamas de casamento publicados no jornal Le Constitutionnel, ano 42, n° 216. Com a idade de 30 anos, Caroline casou-se com Émile François Frédéric Chailan de Moriés, com que teve duas filhas (Hélène em 1863 e Alice em 1868), enquanto moravam em Nanterre, nos arredores parisienses. Por sua vez, aos 27 anos. Pélagie contraiu núpcias com Alfred Nourisson, um engenheiro civil, e foi morar em Courbevoie, também região metropolitana de Paris, e lá teve um filho em 1871.
Caroline faleceu aos 56 anos de idade, a 29 de novembro de 1883, em Puteaux. Sua irmã desencarnou em Neuilly-sur-Seine, a 22 de agosto de 1887, quando somava 57 anos de idade.
Antes que fontes oficiais fossem disponibilizadas com todas as facilidades da internet, o que os historiadores espiritas sabiam sobre a família Baudin provinha basicamente das informações contidas nas anotações de Allan Kardec sobre a sua iniciação ao Espiritismo — informações bem singelas, enquanto acessórias em relação à abrangência e os objetivos de sua obra doutrinária — e de um romance do pesquisador espírita Canuto Abreu: O Livro dos Espíritos e sua Tradição Histórica e Lendária, que, como o próprio título diz, é uma narrativa que mescla traços reais da História do lançamento inaugural do Espiritismo e traços lendários, fictícios — adornos literários, recurso particular do gênero proposto para essa obra. A partir daí, porém, uma série de desencontros acerca dos dados biográficos da família Baudin acabou por cristalizar informações equivocadas.
Dentre esses desencontros biográficos, talvez o mais saliente seja a ideia de que as irmãs eram menininhas, bem jovens e ingênuas, para transpassar a noção de “pureza” da qual a codificação espírita se revestira. Segundo o Dr. Canuto, Caroline e sua irmã tinham respectivamente 18 e 16 anos na ocasião do lançamento de O Livro dos Espíritos, enquanto fontes históricas hoje nos asseguram que Caroline já tinha 30 anos e a caçula 27.
Vejamos como Dr. Canuto descreve a irmã mais velha:
Esse traço também influenciou o filme Kardec: a história por trás do nome (direção Wagner de Assi, 2019), no qual as irmãs Baudin foram interpretadas por atrizes com feições ainda mais juvenis: Caroline, interpretada por Júlia Svaccina (aos 14 anos); Pélagie (no roteiro, Julie), por Letícia Braga (aos 13 anos).
As irmãs Baudin em cena do filme "Kardec: a história por trás do nome"
A “licença literária” é fartamente utilizada no referido romance do Dr. Canuto. Nele, a irmã de Caroline aparece sempre com o nome de Julie, no lugar de Pélagie. Seu noivo também tem outro nome: Raymond, invés de Alfred; assim como sua mãe, a Sra. Baudin teve o nome trocada para Clémantine, e seu pai, denominado Emile-Charles. Além dos dados em si, encontra-se lá diálogos francamente imaginários, brotados da cabeça fértil e poética do seu autor, a exemplo das especulações entre as irmãs Baudin, Ermance Dufaux e uma tal de Ruth Japhet (na verdade, Célina Japhet) sobre a identidade do guia espiritual de Kardec.
Em suma, como a obra de Canuto Abreu por si mesma se apresentou uma peça literária de ficção, não se lhe deve atribuir qualquer censura pelos desencontros dos dados históricos, posto que, naquilo que pretendeu — inspirar reflexões mais intimistas dos bastidores do trabalho de Kardec — sua ficção o cumpre muito bem.
Não há informações sobre o início das atividades mediúnicas das irmãs Baudin. Sabemos que quando elas conheceram o professor Rivail (Allan Kardec), em 1855 — Caroline com a idade de 28 anos e Pélagie com 26 — elas já tinham suas capacidades mediúnicas bem desenvolvidas e a família Baudin já realiza sessões de evocação semanalmente há um certo tempo.
Certa vez, Kardec descreveu as características da atividade mediúnica de uma das senhoritas Baudin — no caso, Caroline, mas que podem não se diferenciar muito das capacidades da sua irmã:
Como visto, o pioneiro espírita conheceu a família Baudin em 1855, durante uma sessão mediúnica na casa da Sra. Plainemaison e, feito o convite pelos anfitriões, ele passou a participar também das sessões semanais que os Baudin realizavam em sua residência, na Rua Rochechouart, Paris, França. Assim narra Kardec:
Essas reuniões tratavam de coisas corriqueiras e frívolas, bem ao caráter do Espírito Zéfiro, que ali se manifestava frequentemente e se dizia protetor da família Baudin. Kardec anotou que tal entidade não de grande elevação, mas era bom e simpático para com o codificador espírita, tanto que, secundado por Espíritos superiores, auxiliou em muitos trabalhos na sua pesquisa espírita, que se iniciou precisamente ali, na casa dos Baudin.
Com efeito, a presença de Kardec — ou melhor, do respeitado Prof. Rivail — e os seus sérios propósitos de se instruir acerca das leis espirituais deram um novo caráter àquelas reuniões:
A participação de Kardec nas sessões com as irmãs Baudin continuou pelos dois anos seguintes, 1856, embora não com exclusividade: ele frequentava ao mesmo tempo as reuniões na casa do Sr. Roustan e na da Sra. Japhet. Um ano depois ele publicaria O Livro dos Espíritos (18 de abril de 1857), e deixaria registrado o paradeiro dos Baudin.
No princípio de sua obra, Kardec havia adotado o critério de não dar evidência aos médiuns — seja para lhes preservar a segurança, seja para não incitar o personalismo, o orgulho e a vaidade. Assim foi que se eximiu de nominá-los nas respectivas comunicações inseridas, por exemplo, em O Livro dos Espíritos. Em alguns casos, porém, ele tirava o medianeiro do anonimato e especificava a autoria mediúnica de certas mensagens, tal como vemos em Obras Póstumas as irmãs Baudin aparecendo em transcrições de importantíssimos intercâmbios espirituais, a exemplo do diálogo entre Kardec e Zéfiro, datada de 11 de dezembro de 1855, quando aquele Espírito lhe falava pela primeira vez do seu Guia Espiritual — Espírito Verdade — que mais tarde dialogaria com Kardec através da mediunidade das irmãs Baudin.
Noutro momento capital, em 17 de junho de 1856, as irmãs Baudin transmitem a Kardec a mensagem do seu guia quanto a necessidade de várias publicações doutrinárias, além de O Livro dos Espíritos que estava prestes a ser lançado:
Também foi pela mediunidade das irmãs Baudin que o codificador do Espiritismo recebeu orientações do Espírito Zéfiro sobre a necessidade de reencarnar em breve para completar sua obra (17 de janeiro de 1857).
Outra extraordinária produção da casa Baudin de que temos notificação foi o conto ditado pelo Espírito do célebre escritor francês Frédéric Soulié (1847-1837) ‘Milésima noite dos contos árabes’, psicografado por Caroline em 1856 e publicado na Revista Espírita (edições de nov. de 1858, jan. e fev. de 1859), prefaciado por Kardec, do qual recortamos um trecho:
Por esses exemplos e por tantos outros trabalhos anônimos — que bem podemos supor estarem distribuídos nas obras básicas da codificação espírita — temos as irmãs Baudin na conta de grandes contribuídas do Espiritismo, cuja índole não podemos medir, contudo, em razão de terem sido transmissoras de importantes notificações espirituais e de terem emprestado sua mediunidade a entidades nobres — como o próprio Espírito Verdade — nada impede de presumirmos serem já de certa elevação, inclusive pelo exemplo de abnegação no exercício de suas faculdades psíquicas em favor da pesquisa espírita.
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