Jean Meyer (Riken, Suíça, 8 de julho de 1855 - Béziers, França, 13 de abril de 1931) foi um filósofo, escritor, pesquisador e filantropo suíço radicado na França, onde se destacou como um dos mais importantes divulgadores do Espiritismo no início do século XX. Dirigiu a Revista Espírita, patrocinou diversas obras literárias e eventos de propaganda da obra de Allan Kardec e do espiritualismo em geral. Fundou e financiou várias instituições doutrinárias, tais como a célebre Casa dos Espíritas (Maison des Spirites) e o Instituto de Metapsíquica Internacional, além de recriar a União Espírita Francesa. Promoveu e faz parte da mesa diretora de importantes congressos internacionais acerca da fenomenologia espiritual e dos conceitos doutrinários da doutrina kardecista. É lembrado pelo movimento espírita como “O Grande Mecenas do Espiritismo”.
Jean Meyer (1855-1931)
Jean Meyer nasceu na pequena comunidade de Riken, que mais tarde se fundiu com o vilarejo vizinho Balzenwil, formando o que hoje é a cidade de Murgenthal, região central da Suíça, filho de Jean Jacques Meyer e de Elisabeth Leher. Desde o berço, foi favorecido pelos recursos financeiros de sua família e então pôde dedicar-se sem maiores preocupações aos estudos.
Segundo o seu registro de óbito, ele foi casado com a Sra. Adèle Blanche Rouville e se ocupava profissionalmente como comerciante de vinhos.
Espírito de Filósofo, mergulhou nas reflexões acerca da essência da vida e não tardou em reconhecer a gravidade das pesquisas sobre o Espiritualismo Moderno que movimentou a passagem do século XIX para o século seguinte. Descobriu a obra literária de Allan Kardec e seu fiel discípulo Léon Denis, e desde então formou uma convicção na Doutrina Espírita.
É possível que, antes de ter se tornado espírita, Meyer tenha se aventurado em experimentações ocultistas. Em determinada ocasião, Alexandre Delanne (pai de Gabriel Delanne) falava dos mais diversos movimentos e órgãos de divulgação espíritas e espiritualistas para além de Paris, citando então uma revista em Lyon, intitulada La Paix Universelle (A Paz Universal) que naquela época era dirigida por um tal B. Nicolaï — de quem Delanne disse se tratar de um pseudônimo de um conhecido espírita. Antes do mencionado título, a revista se chamava L’Union Occult Française (A União Oculta Francesa); o Sr. Nicolaï assumiu a sua redação em março de 1891 e ficou até julho de 1896 (já com o nome “La Paix Universelle”). Na designação daquela publicação dizia ser um “periódico independente sobre magnetismo transcendental, filosofia, psicologia, teosofia, ocultismo e magia”, portanto um jornal bastante eclético. Com base em algumas boas pistas, o pesquisador Carlos Seth Bastos levanta a suspeita de que esse Nicolaï seja exatamente Jean Meyer:
Conforme a legenda das imagens originais na Revue Spirite: B. Nicolaï e Jean Meyer em dois momentos
Em se confirmando que as duas identidades se refiram ao mesmo indivíduo, ver-se-á neste caso um progresso pessoal: de um espiritualista genérico para um espírita convicto.
Estabelecido em Paris, firmou laços de amizade com os mais notáveis espíritas da época, dentre os quais Gabriel Delanne e Léon Denis, de quem era grande admirador. Movia-lhe sobretudo o desejo de promover a divulgação da obra kardecista e fomentar grupos de pesquisas científicas sobre as manifestações mediúnicas. Herdeiro de vinhedos, terras e grandes indústrias, o grande mecenas espírita nada economizava para disseminar as luzes da doutrina que abraçara com amor.
Uma das providências mais urgentes de que tomou como encargo para si foi a aquisição dos direitos editoriais da Revista Espírita — fundada por Allan Kardec e por este dirigida até sua desencarnação — que estava sob o domínio de Paul Leymarie (filho de Pierre-Gaëtan Leymarie) mas muito aquém do prestígio de que desfrutava na época em que era redigida pelo codificador espírita; sua publicação, inclusive, havia sido interrompida desde o mês de agosto de 1915. Meyer finalmente comprou os direitos da revista em 1916 e devolveu a ela o brilho de principal órgão de imprensa espírita a partir de seu relançamento, em 1917, sob o título La Revue Spirite (A Revista Espírita).
Nesta nova fase, dirigida pelo mecenas espírita, o periódico ganhou um formato grande (25,5cm x 16,5cm), com 48 páginas, publicado mensalmente, com reportagens e artigos assinados pelas mais reconhecidas personalidades do Espiritismo e do espiritualismo da França e do estrangeiro: Gabriel Delanne, Léon Denis, Charles Richet, Camille Flammarion, Ernesto Bozzano, A. Bénezech, Marcel Laurent, M. Cassiopée, General Abaut, Dr. Gustave Geley, Marcel Semezies, Pascal y Matilde Forthuny, Louis Gastin, Henri Sausse, Paul Bodier, Sir. Arthur Conan Doyle, Rocco Santoliquido, León Chevreuil, Hubert Forestier e outros.
Casa dos Espíritas (Maison des Spirites)
O escritório da revigorada revista foi instalado no número 8 da Rua Copérnico, em Paris, sede que ficou conhecida como a Casa dos Espíritas (La Maison des Spirites), doravante, o principal ponto de encontro dos principais confrades kardecistas e sede das Edições Jean Meyer — uma editora e gráfica exclusivamente dedicada à propaganda espírita e espiritualista.
Meyer dirigiu a revista até 1931, quando desencarnou.
O abastado espírita suíço também patrocinou a recriação da União Espírita Francesa no ano de 1919, instalada no número 11 da Avenida dos Tilleuls, na Villa Montmorency, também em Paris. Originalmente, a UEF havia sido instituída em dezembro de 1882, num contexto polêmico: grande parte dos espíritas estava descontente com os rumos administrativos tanto da Revista Espírita quanto da Sociedade Anônima Espírita (a fundação destinada a receber e a dar continuidade à obra espírita de Allan Kardec) que estavam sob a gerência de Pierre-Gaëtan Leymarie. Encabeçada por Berthe Fropo, Gabriel Delanne e Léon Denis, a UEF propôs unificar o movimento espírita e, para fazer frente aos ditos desvios doutrinários da revista administrada por Leymarie, fundou um novo jornal: O Espiritismo (Le Spiritisme). A UEF funcionou até 1891.
Com Meyer à frente, os mesmos Gabriel Delanne e Léon Denis celebraram a recriação da UEF, oficialmente formalizada em 25 de fevereiro de 1919. No primeiro quadro da sua diretoria, Delanne assumiu a presidência; os vice-presidentes eram Léon Chevreuil e o seu mecenas Jean Meyer; Denis foi agraciado seu presidente honorário.
A nova União também cuidou de editar publicar um periódico próprio: o Boletim da União Espírita Francesa, cujo primeiro fascículo veio a lume em 1921 e foi mensalmente publicado até 1935.
Em 1923 a União transferiu sua sede para a Maison des Spirites, compartilhando suas dependências com outras instituições igualmente apoiados por Jean Meyer, e das quais ele ocupava o cargo de vice-presidente: a Federação Espírita Internacional e a Federação Internacional dos Espiritualistas, cujo presidente era o notável médico e escritor britânico Sir Artur Conan Doyle.
Jean Meyer em seu escritório na Maison des Spirites (1925)
Apesar de todas as evidências patentearem os conceitos da Doutrina Espírita — notadamente o da imortalidade da alma e o da comunicabilidade dos Espíritos — havia no meio acadêmico e intelectual em geral uma desconfiança e até uma certa rejeição à fenomenologia mediúnica. Jean Meyer estava entre aqueles que se preocupou em contribuir para o esclarecimento da ciência através do patrocínio de círculos de experimentação científica a fim de atestar a veracidade da natureza espiritual. Por conta disso foi que ele reuniu grandes pensadores, renomados doutores, expoentes da classe acadêmica, numa entidade autônoma destinada à pesquisa rigorosa e isenta de preceitos e preconceitos que viessem a tender ou para uma apologia cega ou para uma negação sistemática.
A aurora desta entidade científica já havia despontado em 1916, quando dois eminentes homens da ciência conversavam sobre a necessidade de um instituto com as exatas prerrogativas que mais tarde motivariam o suíço mecenas, quais sejam: o dogmatismo e o ceticismo radical. Estes dois homens eram os doutores: Gustave Geley (1865-1924) e o Rocco Santoliquido. O primeiro, francês, era um respeitado médico psiquiatra; o outro, italiano, também médico, havia sido conselheiro de estado e diretor do serviço sanitário da Itália, então empossado em Paris da presidência da Comissão Sanitária Integrada, além de distinto professor da Sorbonne Universidade de Paris. No ano seguinte, o destino os levou a Meyer, e desse trio nasceu aquele tão almejado laboratório, inicialmente sediado na Avenida de Suffren, recebendo o nome de Instituto de Metapsíquica Internacional - IMI. Em 1919, o Instituto foi reconhecido por um decreto ministerial do governo francês como uma entidade de utilidade pública. Neste mesmo ano, sua sede foi transferida para a Avenida Niel, N° 85, ainda na cidade luz e capital francesa. Na primeira diretoria do IMI, coube ao Dr. Santoliquido ocupar a presidência, assessorado pelo Dr. Geley (vice-presidente) e Meyer (presidente honorário).
Sobre a metapsíquica, exprimiu Meyer num Congresso Internacional:
Desde que se convenceu da validade dos postulados da Doutrina Espírita, Jean Meyer jamais titubeou em suas convicções. Porém, além de bancar eventos propriamente kardecistas, contribuía para promover atividades espiritualistas em geral, acreditando que no decorrer do tempo todos os ramos se iriam se convergir numa só crença. A grande questão que dividia os espíritas e os demais espiritualistas era a Lei de reencarnação — um fundamento capital para os adeptos da codificação do Espiritismo. Ainda assim, o mecenas kardecista atuou em prol da realização de importantes congressos em que ambos os lados se deram as mãos.
Foi assim que se deu o Congresso Espírita Internacional de Paris, de 6 a 13 de setembro de 1925, estando Meyer na qualidade de vice-presidente da Comissão Executiva. No Congresso Espiritualista de Londres, realizado em 1928, no qual tomou parte com Sir Arthur Conan Doyle, o nobre suíço pronunciou as seguintes palavras:
Igualmente, compôs a mesa diretora do Congresso Espírita Internacional de Haia, na Holanda, realizado entre os dias 4 e 10 de setembro de 1931, também na condição de vice-presidente.
No ínterim desses grandes eventos, Meyer financiou encontros regionais, com palestras doutrinárias e exposições diversas em favor dos fundamentos espíritas, além de interessantes publicações literárias, dentre as quais a reedição da Biografia de Allan Kardec, de Henri Sausse (4ª edição, 1927).
Comitê executivo da Federação Espírita Internacional: Beverluis (1° conselheiro), Jean Meyer (vice-presidente), Sir Arthur Conan Doyle (presidente honorário), A. Bruns (2° conselheiro), Pauchard (tesoureiro), W. Oaten (presidente) e Ripert (secretário)
Jean Meyer não foi um homem que enterrou o talento, conforme o dizer judicioso dos Evangelhos (parábola dos talentos: Mateus, 25:14-30 e Lucas, 19:12-27); capacitou-se de uma fortuna material bem colocada em favor das causas nobres, não hesitando em aplicar essa herança transitória, que havia recebido dos céus, a serviço do Espiritismo e dos menos favorecidos. Não somente pelos bens terrenos, colocou também a sua inteligência, a sua fé inquebrantável e todas as forças de que dispunha para que essa mesma causa viesse a triunfar. Por uma década e meia de intensas atividades, foi o caixa-forte da propaganda espírita e o coração que associou as mentes mais brilhantes da Europa, em seu tempo, torno do ideal da busca pela verdade em torno das coisas espirituais.
Jean Meyer, vice-presidente do Congresso Espírita de 1925 - Fonte: Gallica
Para além dos limites ideológicos, sabe-se que Jean Meyer não descuidou de fazer filantropia social, amparando financeiramente várias instituições assistenciais, dentre elas um orfanato erguido em Lyon. Sua abnegação material e seu desinteresse em autopromoção marcaram sua biografia e deixaram um exemplo concreto de caridade e convicção espírita.
Seu falecimento, noticiado na Revista Metapsíquica, descreve suas condições nos instantes derradeiros de sua venturosa passagem terrena:
Com a morte de Jean Meyer, seus grandes empreendimentos espíritas passam à direção de seu amigo Hubert Forestier, que procurou seguir os mesmos preceitos do mecenas. Não obstante, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, em 1939, as principais atividades espíritas foram interrompidas, especialmente depois da invasão nazista à Paris; a Casa dos Espíritas foi saqueada e as instituições desmanteladas, na França e demais nações europeias, ao passo que reflorescia no cone Sul das Américas, principalmente no Brasil.
Por tudo isto e muito mais de que ainda estamos por conhecer desta notável biografia, o nome Jean Meyer está cravado na História do Espiritismo e não será esquecido jamais.
Sepultura de Jean Meyer em Béziers, França - Fonte: Geneanet
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