Hughes Félicité Robert de Lamennais, ou de La Mennais (Saint-Malo, França, 19 de junho de 1782 - Paris, França, 27 de fevereiro de 1854) foi um padre, filósofo, escritor e político francês, conhecido no movimento espírita pela sua contribuição, em Espírito, nas obras básicas da codificação do Espiritismo por Allan Kardec. Lamennais foi uma figura influente e ao mesmo tempo controversa na história da Igreja francesa, pois, enquanto de um lado defendia os valores do Catolicismo e a autoridade papal, por outro lado ele propunha ideias liberais tradicionalmente rejeitadas pela Igreja Católica.
Lamennais (1782 - 1854)
Lamennais (lê-se lamené) nasceu em uma família abastada e recebeu boa instrução intelectual, mostrando desde cedo forte inclinação para questões filosóficas, religiosas e políticas, muito influenciado por seu irmão Jean — um articulista localmente conhecido por suas ideias de reforma da Igreja Católica, tendo em vista um papel mais ativo para a regeneração da sociedade, especialmente considerando as ideias iluministas (século XVIII) e as novas organizações (ou desorganizações) sociais consequentes da Revolução Francesa (1789-1799). Juntos, eles lançaram um ensaio intitulado Reflexões do Estado da Igreja, em 1808, contendo as diretrizes para essa pretendida reforma, das quais se destacam os apelos pela liberdade religiosa, separação entre a religião e o Estado, livre exercício da imprensa e educação universalista.
Lamennais também foi, junto com outros pensadores, um dos precursores e, por conseguinte, um dos grandes expoentes do Ultramontanismo — movimento filosófico que procurava sustentar uma postura moderna para a doutrina política dos católicos franceses que buscavam inspiração na cúria romana, defendendo a autoridade absoluta do papa em matéria de fé e disciplina. Tal posicionamento o colocou diretamente em choque com o imperador da França, Napoleão Bonaparte. Perseguido, em 1815 Lamennais então se refugia na Inglaterra e só retorna à sua pátria no ano seguinte, após a queda do imperador francês.
De volta à terra natal, com os seus 34 anos, Lamennais é ordenado padre e volta a publicar obras influentes sobre as mesmas ideias liberais no contexto político-religioso, a exemplo de Ensaios sobre a indiferença em matéria de religião considerada em suas relações com a ordem política e civil, publicação de 1817 e que lhe valeu imediato reconhecimento no meio intelectual. Nele, Lamennais argumentava a respeito da necessidade da religião, baseando seus apelos na autoridade da tradição e a razão geral da humanidade, em vez do individualismo do julgamento privado. Também traduziu o livro Imitação de Jesus Cristo, do monge alemão Tomás de Kempis — que pregava uma vivência religiosa nos moldes de humildade e comunhão de Jesus de Nazaré.
Depois da revolução de julho, em 1830, Lamennais deu seguimento ao seu ativismo religioso liberal, unindo-se a outros reputados pensadores simpatizantes da sua causa, dentre os quais o escritor e político Charles de Montalembert, e Lacordaire — que também marcaria presença na obra kardequiana para a codificação espírita. Juntos, eles fundaram o jornal diário L’Avenir; neste periódico, Lamennais defendia os princípios democráticos, a separação entre a Igreja e o Estado, criando embaraços para si tanto com a hierarquia eclesiástica francesa quanto com o governo do rei Luís Felipe.
O Papa Gregório XVI desautorizou as opiniões de Lamennais na encíclica Mirarivos em agosto de 1831. A partir de então, o pensador liberal passou a atacar o papado e as monarquias europeias, por exemplo, quando escreveu o famoso poema ‘Palavras de um crente’, que foi formalmente condenado na encíclica papal Singularivos, em julho de 1834.
Lamennais é então excomungado da Igreja. Todavia, incansável, ele se devotou à causa do povo, colocando sua caneta a serviço do republicanismo. Escreveu trabalhos como O Livro do Povo (1838), Os afazeres de Roma e Esboço de uma Filosofia. Chegou a ser condenado à prisão, mas, já em 1848 foi eleito para a Assembleia Nacional, aposentando-se em 1851. Por ocasião de sua morte, em Paris, em 27 de fevereiro de 1854, não desejando se reconciliar com a Igreja, foi sepultado em uma cova de indigente.
Lamennais era membro do Instituto Histórico de Paris (Institut Historique), do qual também fazia o Prof. Rivail — que futuramente seria conhecido como o codificador espírita. Isto implica que, se os intelectuais não eram diretamente amigos, ao menos provavelmente eles se conheciam e compartilhavam ideias dentro dessa sociedade.
Vale mencionar outros notáveis colegas de Lamennais e de Rivail neste instituto: Lacordaire, aqui já mencionado; o pintor Monvoisin, espírita convicto e membro da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas; o escritor e político Alphonse de Lamartine; Auguste de Saint-Hilaire, botânico e naturalista; Jules Michelet, filósofo e historiador; e André-Marie Ampére, filósofo, matemático e físico, de importantes contribuições para o eletromagnetismo.
Fazendo jus ao seu gênio ativo enquanto encarnado, também como Espírito Lamennais volta-se para a defesa dos ideais libertários do seu povo e então se integra à plêiade dos voluntários para a codificação espírita, contribuindo com a bibliografia kardecista. Já na obra basilar da doutrina, O Livro dos Espíritos (1857), Lamennais assina uma comunicação mediúnica que vai constar como parte da resposta à questão 1009, que interroga sobre a efetividade das penas eternas:
Em O Livro dos Médiuns, 1ª Parte, Cap. IV, questão 51, Lamennais discorre sobre a imaterialidade da alma e descreve o perispírito como sendo um “envoltório material fluídico”, distinto do que essencialmente é o ser espiritual, que — diz ele — ainda é tema de pesquisa para Espíritos em evolução como ele.
Em O Evangelho Segundo o Espiritismo, ele responde a um questionamento dentro do tópico ‘Devemos expor a vida por um malfeitor?’:
Lamennais ainda é citado por Kardec em vários artigos da Revista Espírita , nalguns deles, inclusive, contendo mensagens ditada por esse Espírito, como na edição de fevereiro de 1862, onde foi publicado o seu artigo ‘Meditações filosóficas e religiosas’, psicografado pelo médium Alfred Didier, numa das inúmeras sessões da Sociedade Espírita de Paris, às quais Lamennais era assíduo colaborador.
A participação de Lamennais na obra espírita de Allan Kardec tem um simbolismo prático: recém-desencarnado, a exemplo de Lacordaire, ele vinha propor a união dos pensamentos virtuosos daqueles que haviam reconhecido a majestade divina e sua ação providencial para a promoção intelectual e moral da humanidade; a lembrança viva de seu nome entre os religiosos e os intelectuais, agora revivescida com suas manifestações no movimento espírita, carregava uma representatividade toda especial para o momento: um esforço comum para evidenciar que o verdadeiro evangelho do Cristo não se detinha nos preconceitos dos religiosos fanáticos e dos eruditos orgulhosos, mas associava aqueles que compreendiam bem a força positiva do autêntico espírito da religião e da ciência, exatamente como pensava Lamennais, conforme o lemos nesta citação:
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