Leopoldo Cirne (João Pessoa, Paraíba, 13 de abril de 1870 - Rio de Janeiro, 31 de julho de 1941) foi um comerciário, jornalista e um grande ativista do Espiritismo das primeiras gerações do Movimento Espírita Brasileiro, além de escritor de importantes obras doutrinárias e eloquente orador; foi ainda amigo e sucessor de Bezerra de Meneses na presidência da Federação Espírita Brasileira de 1900 a 1913.
Leopoldo Cirne
Natural da capital paraibana, Cirne ainda menino demonstrou precoce genialidade e gosto pelos estudos, porém precisou abdicar da escola por causa de obrigações financeiras. Ainda moço fixou morada em Recife, Pernambuco, trabalhando no comércio; depois, estabeleceu-se no Rio de Janeiro, então capital da República, aventurando-se no comércio e no ofício de jornalista. Lá conheceu a Doutrina Espírita, à qual aderiu prontamente e para a qual passou a contribuir ativamente em se filiando a grupos de estudos e de divulgação, também se tornando um dos mais notáveis articulistas da revista Reformador.
Integrando-se à Federação Espírita Brasileira, conheceu e solidificou uma emblemática amizade com o Dr. Bezerra de Menezes e com ele construiu a cabeça de chapa para a direção da entidade em 1898, sendo ele vice-presidente e Bezerra o presidente, com o propósito — que Cirne considerava urgente — de pacificar os ânimos das diversas correntes espíritas da época e formar um projeto de esforço continuado para a união e cooperação de todos em prol de um ideal maior, que ele compreendia ser a divulgação do Espiritismo. Isso porque vigorava uma declarada cisão especialmente em duas linhas de pensamento: de um lado, o grupo dos chamados “místicos”, do qual Cirne era mais simpático, que se inclinava a priorizar o lado mais religioso e filosófico da doutrina; do outro lado, os “científicos”, mais propensos a valorizar o caráter científico do Espiritismo, na expectativa de que a comprovação dos fenômenos fosse mais eficaz para o movimento.
Admirador da obra de Léon Denis — o apóstolo de Kardec —, Cirne traduziu dois clássicos daquele nobre filósofo espírita: No Invisível e Cristianismo e Espiritismo, esporadicamente reeditadas pela editora da FEB, obras essas que muito influenciaram o desenvolvimento das ideias literárias de Cirne que viriam mais adiante. Wantuil de Freitas (1895-1974), outra importante personalidade espírita e também ex-presidente da FEB, cognominou Cirne de “Léon Denis Brasileiro”.
Com a desencarnação de Bezerra de Menezes em 1900, Leopoldo Cirne assume a presidência da FEB e, a despeito de suas convicções pessoais, esforçou-se pela unificação dos espíritas. A fim de amenizar os atritos, por exemplos, em 1902, ele reformou o estatuto da entidade, ratificando como fonte elementar de estudos para o movimento espírita toda a obra literária de Allan Kardec, e excluiu a cláusula que, na versão anterior desse estatuto, promovia os livros de Jean-Baptiste Roustaing ao mesmo nível de importância da obra kardequiana. Cirne fazia parte do grupo de estudos da dita doutrina roustainguista, mas ponderava que esse movimento particular era mais prejudicial e motivo de cisão entre os espíritas do que mesmo benéfico ao ideal de unificação. Tal disposição, entretanto, resultou num maior acirramento dos ânimos entre os membros da FEB, trazendo complicações para a sua administração.
Com muita disposição, Cirne conseguiu, por ocasião do centenário de nascimento de Allan Kardec, em 1904, promover o I Congresso Espírita local, reunindo cerca de 2 mil pessoas.
Também foi o principal articulista para a vinculação e propagação do Esperanto dentro do movimento espírita, no propósito de que uma língua comum e alternativa pudesse aproximar mais todos os povos do mundo, num espírito de fraternidade.
Empreendeu a construção da sede própria da FEB, inaugurada em 10 de dezembro de 1911, na então Rua do Sacramento, hoje Avenida Passos, n° 30, no Rio de Janeiro.
Era sensivelmente atento às questões doutrinárias e defendia com veemência a necessidade de nortear o movimento conforme os princípios básicos da codificação espírita. Em vista disso, ele estruturou o projeto “Escola de Médiuns”, observando com preocupação a carência de conhecimento dos conceitos mais elementares do Espiritismo por parte de muitos membros da FEB, inclusive dos médiuns que se prestavam às sessões mediúnicas da entidade. Estes, porém, posicionaram-se sistematicamente contrários a essa ideia, aliando-se a um grupo opositor a Cirne, cujo resultado foi a formação de uma chapa adversária que derrubou a sua reeleição em 1913, passando a presidência para seu opositor Aristides Spindola (1850-1925).
Cirne ficou bastante contrariado com uma suposta manobra dos adversários no ato da eleição que o derrubou: novos membros votantes teriam sido inscritos de última hora e apenas para fazer número favorável aos opositores. Correligionários de Cirne denunciaram a dita fraude e propuseram anular a votação, contudo — ainda que crente das consequências daquela manobra — Leopoldo Cirne consentiu que prosseguisse o pleito, consumando sua derrota. Em contrapartida, desfiliou-se definitivamente da FEB.
Em 1928, ele foi convidado para presidir uma constituinte de unificação espírita em oposição à FEB, numa proposição levantada por diversas entidades autônomas, mas Leopoldo Cirne recusou o convite e, inclusive, posicionou-se contrário à criação de mais uma força adversa dentro do próprio movimento espírita, depositando ainda firme esperança num reflorescimento da união de todos os espíritas em torno de uma só força e um mesmo espírito doutrinário. Sem sua colaboração, esse propósito dissidente não logrou êxito.
Afastado da FEB, Leopoldo Cirne dedicou-se a escrever sobre análises doutrinárias e os sucessos e insucessos do movimento espírita.
Em Memórias Históricas do Espiritismo, ele discorre sobre importantes eventos do movimento espírita local no século XIX.
Doutrina e Prática do Espiritismo é uma pomposa síntese dos conceitos doutrinários da codificação espírita, que serviu de referência e inspiração para outras tantas obras didáticas, de diversos estudiosos espíritas, que viriam a ser produzidas depois dessa empreitada de Cirne.
Em A Personalidade de Jesus, ele se debruça sobre o caráter missionário e os desdobramentos das realizações do Cristo, enviado de Deus para servir-se de guia e modelo de virtudes para a humanidade.
Seu livro de mais impacto, sem dúvida, é o polêmico Anticristo - Senhor dos Mundos, no qual ele trata das mais espinhosas questões inerentes ao movimento espírita e do cristianismo em geral, inclusive, historiando os tropeços internos da própria Federação Espírita Brasileira depois da dita manobra que interrompeu sua gestão presidencial, segundo ele, em obediência às forças das trevas, que desde os primórdios da civilização humana, como força reacionária ao progresso espiritual da Terra, tem manipulado contrariamente a todos os esforços dos Espíritos da Luz que servem a Jesus. Ele traça toda uma trajetória maligna que contaminou a Igreja Católica, a Reforma Protestante e demais poderes terrenos pelo espírito de ganância, anarquia e violência que estavam arruinando o progresso de nosso orbe. O anticristo havia também afetado substancialmente o movimento espírito, desvirtuando-o dos seus objetivos originais, ferindo direta e astutamente os seus dirigentes, pelo que esse livro traz o subtítulo “Espiritismo em falência”, que Cirne demonstra na sua percepção da falta de liderança da FEB, da baixa qualidade dos estudos doutrinários nos grupos espíritas, na escassez de bons médiuns (daí porque apontou a urgência de Escola de Médiuns) e adesão inadvertida dos confrades a novidades pseudomodernas (Teosofia, por exemplo). Com tudo isso, sua obra afirma peremptoriamente e instigue os leitores a crerem em sua convicção de que a marcha evolutiva é inquebrantável, estando a vitória dos planos redentores do Messias em pleno curso, alinhada com as revelações da Doutrina Espírita.
A capacidade e a coragem de Leopoldo Cirne de analisar e expor as fraquezas do movimento espírita — do qual, intimamente envolvido, ele fazia parte — ensejou um positivo pensamento crítico entre os confrades espíritas de gerações posteriores. Sua produção literária, concentrada na preocupação de melhor fundamentar o estudo doutrinário do Espiritismo, serviu de inspiração para a criação de cursos doutrinários em diversas entidades, dentre as quais a própria FEB, com o seu Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita (ESDE), bem como o programa da Escola Aprendizes do Evangelho idealizado por Edgard Armond. Inclusive, menos de uma década da morte de Cirne, a mesma FEB instituiria a criação daquela Escola de Médiuns, entusiasmadamente defendida por aquele grande propagador espírita, e que acabou por se transformar em a causa principal da sua derrubada dentro daquela agremiação.
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