Mediunismo é, em Espiritismo, a prática indisciplinada da mediunidade e, por extensão, do animismo, no sentido das potências psíquicas, ou medianímicas; nesse contexto, é o oposto do mediunato — que caracteriza o mandato mediúnico conforme os seus desígnios naturais prescritos na lei divina para os médiuns. A indisciplina que define o mediunismo pode originar-se da ignorância das leis de Deus ou, conscientemente, por fraqueza moral — por exemplo, movido por algum interesse egoísta. O termo foi cunhado por Emmanuel e transmitido originalmente por Chico Xavier, sendo então amplamente adotada pelo movimento espírita.
Morfologia e origem do termo
O termo mediunismo é uma contração de mediunidade com acréscimo do sufixo ismo. Sua utilização original está na obra O Consolador, ditada pelo Espírito Emmanuel, pela psicografia de Chico Xavier e publicado em 1940 pela Federação Espírita Brasileira. Relata o autor espiritual:
“Sendo o teledinamismo a ação de forças que atuam à distância, cumpre-nos esclarecer que, no fenômeno das comunicações, muitas vezes entram em jogo as ações teledinâmicas, imprescindíveis a certas expressões de mediunismo.”
O Consolador, (Emmanuel) Chico Xavier - questão 25
Mais adiante, na mesma obra, o benfeitor espiritual vai reutilizar o termo para responder à questão das diferentes condições da mulher e do homem com relação às potências mediúnicas:
“No capítulo do mediunismo não existem propriamente privilégios para os que se encontram em determinada situação; porém, vence nos seus labores quem detiver a maior porcentagem de sentimento. E a mulher, pela evolução de sua sensibilidade em todos os climas e situações, através dos tempos, está, na atualidade, em esfera superior à do homem, para interpretar, com mais precisão e sentido de beleza, as mensagens dos planos Invisíveis.”
Idem - questão 385
E, novamente, quanto indagado sobre o mal-estar de alguns médiuns de incorporação durante a manifestação dos Espíritos:
“Nas expressões de mediunismo existem características inerentes a cada intermediário entre os homens e os desencarnados; entretanto, a falta de naturalidade do aparelho mediúnico, no instante de exercer suas faculdades, é quase sempre resultante da falta de educação psíquica.”
Idem - questão 397
Significação
Conquanto o vocábulo mediunismo pareça, de algum modo, ter sido empregado por Emmanuel com sinônimo de mediunidade, a morfologia do termo sugere uma sutileza que especializa sua significação, considerando o uso típico do sufixo ismo sugestivamente aplicado num sentido pejorativo, ou pelo menos ligado à condição de algo bastante imperfeito, inferior, vulgar, então, aqui designando o mau exercício das faculdades mediúnicas — seja ele involuntariamente ou não, por falta de discernimento das obrigações naturais da missão mediúnica e das implicações por sua utilização de forma imprópria.
Essa sutileza foi observada pelo filósofo espírita José Herculano Pires, que assim desenvolveu sua interpretação do vocábulo em destaque:
“Adotamos a palavra mediunismo, criada por Emmanuel para designar a mediunidade em sua expressão natural, pois é evidente que ela corresponde com precisão ao nosso objetivo. Mediunismo são as práticas empíricas da mediunidade. Dessa maneira, temos as formas sucessivas do mediunismo primitivo, do mediunismo oracular e do mediunismo bíblico, só atingindo a mediunidade positiva no horizonte espiritual, que surge com o Espiritismo. Somente com o Espiritismo a mediunidade se define como uma condição natural da espécie humana, recebe a designação precisa de ‘mediunidade’ e passa a ser tratada de maneira racional e científica.”
O Espírito e o Tempo, José Herculano Pires - 1ª Parte, cap. I, item 1
Em síntese, para Herculano Pires, mediunismo é a mediunidade não desenvolvido, ou melhor, não devidamente disciplinada e por vezes manipulada para fins pouco nobres e lúcidos; é por isso que ele completa sua citação, dizendo: “As práticas mágicas ou religiosas, baseadas nessas manifestações, constituem o Mediunismo, pois são práticas mediúnicas.” Contudo, esse estado primitivo serve naturalmente de ensaio evolutivo até a forma disciplinada da mediunidade, que então o Espiritismo vem estruturar como mecanismo de maior aproximação entre a humanidade e espiritualidade.
Para o mencionado filósofo, mediunismo e mediunidade compõem um ciclo progressivo natural da comunicabilidade espiritual de diversas estágios, que ele cataloga em cinco fases básicas: 1) mediunismo primitivo, num horizonte tribal; 2) animismo e culto dos ancestrais, num horizonte agrícola; 3) mediunismo oracular, num horizonte civilizado; 4) mediunismo bíblico, num horizonte profético; e 5) mediunidade positiva, num horizonte espiritual:
“Primeiro, temos o mediunismo primitivo, em que as relações entre o homem tribal e os espíritos se processavam de maneira natural, espontânea, sem necessidade de formalidades especiais, pelo surto inevitável da mediunidade entre os selvagens. Depois, temos a formalização rudimentar dessas relações, entre os próprios selvagens, que deram início ao culto dos espíritos, seguindo os preceitos da reverência tribal aos caciques e pagés. Assim, a formalização começou na própria era primitiva, no horizonte tribal. Mas só mais tarde iria tomar aspectos definidos, no processo do desenvolvimento da vida social. Partimos, portanto, da liberdade mediúnica da vida tribal, para um segundo estágio, que é o da formalização do culto familial, no horizonte agrícola, com a instituição progressiva do culto dos ancestrais. O terceiro passo é a criação dos sistemas oraculares, no horizonte civilizado, quando o culto dos ancestrais se amplia e se complica, para servir à comunidade, à cidade. O quarto estágio é o da sistematização das grandes religiões, com seu formalismo demasiado complexo, apoiado em complexas formulações teológicas, em minuciosa racionalização teórica. O quinto passo, aquele que estamos dando no momento, através do Espiritismo, é o da volta à liberdade primitiva, com o rompimento dos formalismos religiosos de qualquer espécie.”
Idem - 2ª Parte, cap. III, Item 1
De qualquer modo, o mediunismo pressupõe a existência das capacidades mediúnicas naquele que o pratica; enquanto isso, qualquer simulação de contato com os Espíritos configura-se como fraude, charlatanismo ou embuste.
Confusão entre mediunismo e Espiritismo
Vulgarmente, atribui-se o nome Espiritismo a crenças e práticas em geral que fazem uso da mediunidade, tais como os cultos e rituais de matriz africana, envoltos de sincretismo com a cultura indígena e o catolicismo (umbanda, candomblé, quimbanda etc.); sobre essa mistura heterogênea, ficamos ainda com a reflexão de José Herculano Pires, que, comparando a excelsitude da Doutrina Espírita frente ao barbarismo das crenças e práticas primitivas — espécies de mediunismo —, afirma:
“Por sinal que encontramos nesse capítulo a ignorância ilustrada de sociólogos, antropólogos, psicólogos e médicos, que usam em seus trabalhos e pesquisas a palavra Espiritismo para designar as manifestações do animismo primitivo e do mediunismo selvagem. Devemos sempre repelir esse abastardamento da palavra que Kardec criou como nome genérico de uma doutrina científica e filosófica oriunda do ensino dos Espíritos Superiores. O Espiritismo é unicamente a doutrina que está nas obras de Kardec e dos que continuaram o trabalho do Mestre, sem trair os seus princípios básicos.”
Mediunidade, J. Herculano Pires - cap. 6
E, de forma categórica, Herculano registra as características distintivas entre o Espiritismo e os mediunismos das crenças comuns:
“A expressão mediunismo, criada por Emmanuel, designa as formas primitivas de Mediunidade, que fundamentam as crenças e religiões primitivas. Todas as formas de religiões primitivas, sem desenvolvimento cultural e intelectual, caracterizam-se por práticas mágicas ligadas ao mediunismo. As religiões africanas, transplantadas ao Brasil e outros países americanos pelo tráfico negreiro, e misturadas às religiões indígenas e primitivas desses países, desenvolveram largamente no Continente diversas formas de mediunismo. O processo natural de sincretismo religioso, já iniciado na própria África com a mistura das religiões tribais com o Islamismo e o Catolicismo, deram a essas formas um impulso em direção à institucionalização religiosa.
“A diferença entre Mediunismo e Mediunidade está no problema de conscientização do problema mediúnico. Nas religiões primitivas não havia nem podia haver reflexão sobre os fenômenos e seu sentido e natureza. Tudo se resumia na aceitação dos fatos e nas tentativas de sua utilização para finalidades práticas, objetivas. A Mediunidade é o Mediunismo desenvolvido, racionalizado e submetido à reflexão religiosa e filosófica e às pesquisas científicas necessárias ao esclarecimento dos fenômenos, sua natureza e suas leis. Enquanto o Mediunismo absorve a herança mágica do passado e mistura-se com religiões, crenças e superstições de toda a espécie, a Mediunidade rejeita infiltrações que possam prejudicar a sua natureza racional e comprometer o seu desenvolvimento natural. Integrada na estrutura do Espiritismo, que a estuda e pesquisa através de suas instituições culturais e científicas, ela se torna cada vez mais numa área específica da Teoria do Conhecimento, que terá forçosamente de reconhecer os seus direitos na cultura geral do próximo século.”
Idem
Do mediunismo ao mediunato
Seja por desconhecimento das leis divinas, seja intencionalmente, motivado por um sentimento egoísta, aquele que é portador das faculdades mediúnicas — a quem chamamos de médium — cai num mediunismo todas as vezes que permite que suas potências espirituais sejam utilizadas para finalidades que se distanciam do que é nobre. Podemos considerar exemplos de mediunismo:
- Quando a mediunidade é usada por uma mera curiosidade ou diversão;
- Quando se objetiva a cooperação espiritual para finalidades maléficas ou mesquinhas, tal como a tradicional necromancia;
- Quando se emprega os dons mediúnicos para a realização de algum ritual místico ou formalização de um culto religioso;
- Quando o médium vende suas faculdades mediúnicos ou visa qualquer vantagem material para si ou para terceiros etc.
A partir de quando o médium se educa nas leis naturais, estabelecidas pela Divindade, e exerce o seu mandato mediúnico, ele cumpre a prática sagrada da mediunidade, e a este mandato sagrado dá-se o nome de mediunato.
A Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec, norteia os princípios fundamentais do mediunato, cuja síntese é: 1) a justa utilidade; 2) o bem comum; e 3) o devotamento do médium. Em suma, o propósito da mediunidade é representado pelo total desinteresse pessoal do médium e o seu desejo de servir à espiritualidade na causa da evangelização da humanidade; esse programa, no meio espírita, é conhecido como Mediunidade com Jesus, seguindo o preceito do Cristo, que estabeleceu a máxima “Deem gratuitamente o que receberam gratuitamente” (Mateus, 10: 8), assim interpretada pela codificação kardequiana:
“Os médiuns atuais — porque também os apóstolos tinham mediunidade — igualmente receberam de Deus um dom gratuito: o de serem intérpretes dos Espíritos, para instrução dos homens, para lhes mostrar o caminho do bem e conduzi-los à fé, não para lhes vender palavras que não lhes pertencem, a eles médiuns, visto que não são fruto de suas concepções, nem de suas pesquisas, nem de seus trabalhos pessoais. Deus quer que a luz chegue a todos; não quer que o mais pobre fique dela privado e possa dizer: não tenho fé, porque não pude pagar por ela não tive o consolo de receber os encorajamentos e os testemunhos de afeição dos que pranteio, porque sou pobre. Tal a razão por que a mediunidade não constitui privilégio e se encontra por toda parte. Fazê-la paga seria, pois, desviá-la do seu providencial objetivo. [...]
“A mediunidade é coisa santa, que deve ser praticada santamente, religiosamente.”
O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec - cap. XXIV, itens 7 e 10
Veja também
Referências
- O Consolador, (Emmanuel) Chico Xavier - Editora FEB.
- O Espírito e o Tempo, José Herculano Pires - Ebook.
- Mediunidade, José Herculano Pires - Ebook.
- O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec - Ebook.