Mesas Girantes, Mesas Dançantes ou Mesas Falantes, além de outras denominações similares, são um tipo de sessão espiritual em que os participantes se reúnem em torno de uma mesa com a intensão de evocar fenômenos mediúnicos do tipo de manifestações físicas, nas quais os Espíritos manipulam esse móvel — ou qualquer outro objeto similar — fazendo-o se levantar, saltar, girar, dançar, produzir pancadas etc. Reuniões desse tipo tornaram-se comuns em meados do século XIX, durante a eclosão do movimento chamado Espiritualismo Moderno, que surgiu nos Estados Unidos da América, com o célebre episódio das Irmãs Fox, sendo logo em seguida importado para a Europa e outros grandes centros urbanos no restante do mundo. As sessões eram realizadas em ambiente doméstico, entre familiares e pessoas mais próximas, ou ao público, em restaurantes, teatros e salões em geral; sua motivação variava conforme a disposição dos participantes: desde a mera curiosidade fenomênica até o interesse filosófico nas grandes questões sobre a essência e a destinação da humanidade. Desta última motivação nasceu o Espiritismo codificado por Allan Kardec, que aliás se serviu de semelhantes reuniões para estabelecer as bases da Doutrina Espírita. Com a popularização da psicografia, as sessões de Mesas Girantes caíram no desuso do público em geral, ganhando uma conotação mais pejorativa, no sentido de serem utilizadas como pura diversão; todavia, elas cumpriram seu papel histórico, qual seja o de evidenciar a imortalidade da alma e a comunicabilidade dos Espíritos.
Representação de uma típica sessão de Mesas Girantes no século XIX
Depois que a família Fox começou a ser atormentada por manifestações espirituais em sua casa, no vilarejo de Hydesville, interior do Estado de Nova Iorque, EUA, as duas filhas mais jovens da casa (Kate e Maggie) forma morar com a irmã mais velha (Leah) em Rochester; e como se tornaram conhecidas pela repercussão daquelas manifestações, e por que alegaram continuar vivenciando semelhantes fenômenos, as duas irmãs foram desafiadas a fazer demonstrações públicas de sua mediunidade; diversas sessões com as meninas foram realizadas no salão de eventos da cidade — Corinthians Hall — na presença de grande plateia, dentro da qual constavam autoridades civis, religiosas e estudiosos interessados em constatar as manifestações. Espíritos foram evocados e, segundo os relatos, produziram variados efeitos físicos, por exemplo, fazer a mesa bater os pés para responder a diversas perguntas: uma batida para um “sim” e duas batidas para respostas negativas —, ou mesmo imitar números e letras, numa espécie de imitação do método de comunicação via telégrafo, que mais tarde a nomenclatura espírita chamaria de tiptologia.
As irmãs Fox: Kate, Leah e Maggie
Jornais da época noticiaram as bem-sucedidas experimentações, o que serviu de estímulo para que outros médiuns reunissem seus conhecidos e o público de sua localidade para experimentações coletivas. Reuniões desse gênero se tornaram uma febre na América e não tardou para se espalhar mundo a fora. Na década de 1850, não se falava em nada mais extraordinário na Europa do que o Espiritualismo Moderno.
O jornal britânico The Yorkshireman de 25 de outubro de 1856 publicou um artigo a respeito daquela moda, ironizando os fenômenos, mas confessando sua popularidade, declarando que:
A História registra que participavam dessas experimentações pessoas das mais diferentes classes, desde os mais frívolos indivíduos até autoridades e personalidades mais ilustres das artes e das ciências. Nos Estados Unidos, John Worth Edmonds (1799-1874), juiz da Suprema Corte de Nova Iorque, foi um dos primeiros notáveis a se dedicar na averiguação metódica dos referidos fenômenos; na conclusão de suas pesquisas, absolutamente convencido da comunicabilidade dos Espíritos, ele publicou a obra Spiritualism em dois volumes — vo. I em 1853 e vol. II em 1855 — com a coautoria do Dr. George T. Dexter. Atestando a veracidade daqueles fenômenos, Edmonds vai dizer sobre o advento das modernas manifestações dos Espíritos:
O nome mais ilustra na França em seu tempo, Victor Hugo (1802-1885) — escritor romancista, poeta, dramaturgo e ensaista, além de político — foi um ativo e declarado experimentador da comunicação mediúnica através das sessões de Mesas Girantes. Também seguiram seu exemplo os conterrâneos: Gérard de Nerval (1808-1855), outro dos maiores autores da literatura francesa; o astrônomo Camille Flammarion (1842-1925) e o prêmio Nobel de medicina Charles Richet (1850-1935).
Nas terras britânicas, especialmente três autoridades científicas marcantes do século XIX, igualmente convencidos das potências espirituais, contribuíram para que os efeitos das Mesas Girantes fossem observados com seriedade pelas academias de ciências: o químico-físico Sir William Crookes (1832-1919), o físico e escritor Oliver Lodge (1851-1940) e o biólogo, naturalista e antropólogo Alfred Russel Wallace (1823-1913).
Na Itália se destacaram: Ernesto Bozzano (1862-1943), professor de Filosofia na Universidade de Turim, e o médico e perito criminologista Cesare Lombroso (1836-1909).
Típica sessão de Mesas Girantes do século XIX
O envolvimento de tantas celebridades resultou que o fenômeno das Mesas Girantes tivesse uma grande repercussão, como demonstrado a seguir.
A febre das Mesas Girantes despertou um interesse generalizado nos assuntos relacionados com a espiritualidade, religiosidade e ocultismo, uma vez que as investigações à base dos métodos científicos sobre a origem e a causa dos fenômenos não solucionaram todas as ocorrências — embora não fosse necessário nada muito sofisticado para pegar em flagrantes as muitas trapaças de falsos médiuns e ilusionistas que se aproveitaram da onda para vender espetáculos.
Charlatanismo, ilusionismo e seus truques para simular fenômenos espirituais
O charlatanismo e o embuste, aliás, foram dois grandes obstáculos para que a Revelação Espírita pudesse se estabelecer desde os seus primórdios. Adicione-se a isso o preconceito dos céticos e dos materialistas sistemáticos.
Num primeiro momento, alguns pesquisadores cogitaram a hipótese de descoberta de uma força física extraordinária baseada nos fenômenos típicos do Magnetismo; entretanto, as evidências mais plausíveis apontavam para a interferência de Espíritos, implicando assim em graves consequências filosóficas, a começar pela ideia de imortalidade da alma e existência do mundo espiritual.
Quanto às autoridades religiosas, na impossibilidade de manter a negação dos fenômenos e a recusa em aceitar a nova doutrina — basicamente motivada pela intenção de sustentação dos seus velhos dogmas —, sobrou-lhes a alternativa de condenar as manifestações por efeito de atribuir a origem delas aos demônios, conquanto muitos clérigos tenham se inclinado a reconhecer aquela nova revelação.
Os apelos do público em geral por uma explicação oficial das academias de ciências forçaram a criação de diversos círculos de pesquisa, dentre os quais a célebre Sociedade de Pesquisas Psíquicas (Society for Psychical Research) de Londres. Desde então muitos médiuns foram submetidos a meticulosas sessões controladas pelos pesquisadores e, ainda que muitas experimentações não fossem bem-sucedidas, outras tantas foram documentadas com o resultado sinalizando a impossibilidade de se explicar os fenômenos pelas leis naturais conhecidas, portanto, jamais refutando a contento a teoria espiritualista. A propósito, dos estudos acerca do espetáculo das Mesas Girantes se verificaram inúmeros outras espécies de fenômenos, mediante uma variedade de faculdades mediúnicas, dentre as quais a de materialização de formas espirituais a partir de uma substância gasosa — então denominada de ectoplasma —, expelida por determinados médiuns e que, em se condensado, tornam-se palpáveis.
Pela diversidade de manifestações espirituais e o gradual desuso das mesas ou outros móveis para as sessões de evocação de Espíritos, a designação Mesas Girantes passou a ser inadequada para se referir ao movimento em geral; daí, primeiramente usou o título Espiritualismo Moderno; depois, com o sucesso da obra kardecista, os termos Espiritismo e espírita (ou espiritista) tenham ficado mais popularizados para fazer referência a toda e qualquer prática medianímica — não obstante, a justeza das ideias doutrinárias sugira que estes vocábulos devam ser aplicados de forma restrita ao que concerne à codificação kardequiana, reservando para as práticas generalizadas as palavras “espiritualismo” e “espiritual”.
De fato, a consequência mais profícua daquela fenomenologia neoespiritualista foi a codificação do Espiritismo, por Allan Kardec, que particularmente descreveu sua iniciação na apreciação das manifestações dos Espíritos através das sessões às quais frequentou em maio de 1855:
Allan Kardec, o codificador do Espiritismo
Com efeito, a obra kardequiana compreendeu bem as consequências das manifestações espirituais advindas inicialmente através da fenomenologia das Mesas Girantes, extraindo daí a mais sublime versão doutrinária da nova revelação, como assinala o artigo da Revista Espírita que homenageia o codificador do Espiritismo, logo após sua desencarnação:
Sobre o papel das Mesas Girantes como sendo um agente revolucionário e precursor de uma nova revelação (a Revelação Espírita) também foi defendido por Arthur Conan Doyle — médico e escritor, celebrizado por ser o criador do famoso personagem detetive Sherlock Holmes — que se tornou um grande expoente da propaganda espiritualista; para o nobre cavaleiro britânico, o surto de mediunidade do século XIX nada teve de imprevisto ou acidental, mas obedeceu a uma programação da espiritualidade, que providenciou assim uma verdadeira invasão espiritual:
De maneira comum, as sessões típicas de Mesas Girantes do século XIX se davam da seguinte maneira:
Sessão de Mesas Girantes com a médium Linda Gazzera
Esse método rudimentar, moroso e limitado, mais tarde cedeu lugar a outras formas mais práticas de manifestação dos Espíritos. Sucedeu-lhe a escrita indireta, através de um lápis preso a uma cesta ou prancheta; depois, veio a psicografia direta, em que o próprio médium segura o lápis e escreve por influência espiritual. Fora estas maneiras, os comunicantes desencarnados também dispõem de gêneros mediúnicos ainda mais práticos, como a psicofonia (incorporação), em que falam utilizando-se da própria voz do médium.
Fora as sessões clássicas de Mesas Girantes, em que as pessoas se reúnem propositadamente para evocar Espíritos à espera dos fenômenos mediúnicos, há que registrar os eventos espontâneos, quando os Espíritos produzem efeitos físicos (dentre os quais, movimento de mesas) não esperados — inclusive indesejados e a contragosto dos espectadores, por exemplo nos casos de obsessão. Para estes casos, culturalmente também se tem usado o termo poltergeist, originário do idioma alemão: poltern = fazer barulho + geist = espírito, fantasma.
Pelo fato de o espetáculo das Mesas Girantes representar o princípio histórico da Doutrina Espírita, muitos adversários de Kardec o ridicularizaram justamente pela dita banalidade daqueles eventos. Em resposta, o pioneiro espírita lembra outras tantas e importantes descobertas e invenções práticas que tiveram sua origem em circunstâncias menos comuns ou nobres do que as danças dos móveis. Kardec citou, por exemplo, o caso do médico e físico italiano Luigi Galvani (1737-1798), que desenvolveu o estudo que resultou na descoberta do fluido elétrico conduzido aos músculos através dos nervos, e que mais tarde resultaria também na invenção da pilha elétrica por Alessandro Volta, a partir de um experimento com rãs, fazendo aqui um paralelo entre dois eventos históricos aparentemente grotescos e os importantes resultados deles extraídos:
Sessão de Mesas Girantes
Sobre a transição das Mesas Girantes para outras faculdades mediúnicas, Allan Kardec destacou:
Ainda assim, fazendo uma menção honrosa ao movimento precursor do Espiritismo, o codificador espírita não deixou de reconhecer a importância histórica desse instrumento:
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