Obras Básicas do Espiritismo, ou Obras Fundamentais da Codificação Espírita são o conjunto do trabalho literário de autoria de Allan Kardec, o codificador espírita, contendo assim a base teórica da Doutrina dos Espíritos sistematizada a partir da Revelação Espírita, como um desdobramento prático da fenomenologia mediúnica do movimento histórico conhecido como Espiritualismo Moderno, de meados do século XIX. No contexto em que Kardec é figurado como o interpretador e sistematizador do ensinamento dos Espíritos superiores que, sob a direção do Espírito Verdade, nele concentraram o trabalho de formatação bibliográfica da Terceira Revelação, as obras kardequianas são consideradas então como a síntese conceitual da codificação do Espiritismo.
Obras Basicas do Espiritismo
Concebe-se naturalmente no meio espírita a ideia de que a obra literária de Allan Kardec represente a base teórica do Espiritismo, dito a terceira grande revelação das Leis Divinas, subsequentemente à revelação mosaica e cristã, e cumprindo o papel do Consolador prometido por Jesus; a discussão comum é quanto ao escopo exato da representatividade da bibliografia kardequiana. Para os espíritas mais ortodoxos, exclusivamente as proposições de Kardec podem ser admitidas como fundamentos da Doutrina Espírita; outros confrades entendem que a nova revelação começa com Kardec, mas não se encerra nele, sob o princípio da dinâmica progressiva do próprio aspecto científico do Espiritismo. além disso, discute-se quais são, dentro das publicações do pioneiro espírita, aquelas que podem ser consideradas fundamentais e as que seriam meramente experimentais.
Na visão dos ortodoxos mais radicais, o núcleo doutrinário estaria em O Livro dos Espíritos e O Livro dos Médiuns , restando aos demais livros da série “segundo o Espiritismo” um papel secundário; nessa mesma linha de raciocínio, os opúsculos (como O que é o Espiritismo, O Espiritismo em sua expressão mais simples etc.) são meramente explicações simplificadas do referido núcleo e a Revista Espírita assumiria um caráter mais informativo do movimento espírita e ao mesmo tempo um laboratório de especulações em torno das ideias espíritas. Há, por outro lado, quem proponha que absolutamente todas as publicações de Kardec façam parte da codificação espírita, sendo assim imprescindíveis para o conjunto conceitual da doutrina.
Uma boa pista para se sondar o pensamento de Kardec a respeito dessa discussão se encontra o suplemento Catálogo Racional das Obras que podem servir para formar uma Biblioteca Espírita, elaborado por ele pouco antes do seu falecimento: neste catálogo, o mestre espiritista agrupa no capítulo I: ‘Obras fundamentais da doutrina espírita’ as suas cinco publicações mais volumosas: O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O Evangelho segundo o Espiritismo, O Céu e o Inferno e A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo; seguidas de uma lista designada de “Resumos”: O que é o Espiritismo, O Espiritismo em sua expressão mais simples, Resumo da lei dos fenômenos espíritas, Características da revelação espírita e Viagem espírita em 1862; e, por fim, citando a coleção da Revista Espírita. No capítulo II do mencionado catálogo, o autor considerou como ‘Obras diversas sobre o Espiritismo ou complementares da doutrina’ os títulos de autores diversos cujas ideias fossem pelo menos simpáticas ao Espiritismo, incluindo aí literatura, música e desenho.
Portanto, Kardec era bastante inclusivo e nada exclusivista — embora, obviamente, isso pareça estratégico para a propagação da causa espírita.
Muitos estudiosos espíritas consideram que as cinco publicações mais volumosas de Allan Kardec, aqui já citadas, formem a base doutrinária espírita, razão pela qual elas consistem no conjunto chamado de “pentateuco kardequiano”, que de alguma forma sugere uma alusão ao pentateuco mosaico, ou Torá (Torah), a base do Judaísmo, formada pelos cinco primeiros livros da Bíblia (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio).
A seguir, um resumo do pentateuco espírita:
O Livro dos Espíritos: descrito por Kardec como a “parte filosófica” do Espiritismo, representa o marco inaugural da Doutrina Espírita a partir de seu lançamento, em 18 de abril de 1857; seu conteúdo foi sensivelmente ampliado na 2ª edição (1860), recebendo pequenas modificações até a 16ª edição (1869), que é a sua versão definitiva. Contém os conceitos fundamentais da Revelação Espírita, distribuídos em quatro seções básicas: Introdução, contextualizando a fenomenologia mediúnica moderna e seus desdobramentos filosóficos; um prefácio intitulado Prolegômenos, trazendo uma exortação espiritual à missão regeneradora da nova doutrina; a seção principal em forma de diálogo com a espiritualidade, espécie de entrevista com os Espíritos, numerando 1019 questões (em geral, com perguntas, respostas, comentários e dissertações); e finalmente a Conclusão, ratificando a justeza da doutrina consoladora.
O Livro dos Médiuns: lançado em 15 de janeiro de 1861 com o subtítulo Guia dos Médiuns e dos Evocadores, contendo a teoria espírita sobre os gêneros de manifestações espirituais e sua orientação doutrinária para a prática da mediunidade, designada pelo autor como a “parte experimental” do Espiritismo. A 2ª edição, de 1862, revisada e ampliada, estabelece a versão final do seu conteúdo, que traz, além da Introdução, duas partes básicas: Noções preliminares, sobre a realidade dos fenômenos mediúnicos, e Manifestações espíritas, composta de um estudo aprofundado sobre os diversos tipos de fenômenos, além de temáticas relativas ao mediunato e às reuniões espíritas
O Evangelho segundo o Espiritismo:: foi originalmente publicado em abril de 1864 com o título “Imitação do Evangelho segundo o Espiritismo”, recebendo o título definitivo desde a 2ª edição, de 1865. Seu conteúdo foi revisto, corrigido e ampliado na 3ª edição, publicada em 1866, estabelecendo-se como sua versão definitiva. Esta é a obra que contém a “parte moral” da doutrina, com a explicação das máximas morais do Cristo transcritas nos evangelhos bíblicos, sua aplicação — mediante as luzes da Revelação Espírita — e sua concordância com o Espiritismo
O Céu e o Inferno: subintitulado “Justiça divina segundo o Espiritismo”, sua publicação original data de 1865, recebendo a atualização final na 4ª edição, de 1869. Contém um excelente ensaio filosófico sobre a destinação da humanidade após a morte, desmistificando com isso velhas tradições religiosas (paraíso ocioso, inferno e castigos eterno, a excepcionalidade dos anjos e demônios etc.); traz ainda uma coletânea de depoimentos espirituais sobre as mais diversas situações no além-túmulo
A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo: obra de 1868 e definitivamente atualizada na 5ª edição, de 1869. Debruça-se especialmente sobre os aspectos científicos da doutrina no tocante à origem e desenvolvimento do Universo e dos seres vivos, além dos Espíritos; demonstra o caráter natural do Espiritismo e sua absoluta dissemelhança das crenças e práticas místicas, assim como das concepções sobrenaturais e supersticiosas; reinterpreta os fatos milagrosos e as profecias narrados pelos textos bíblicos, prenunciando os novos tempos previstos para a Terra, dita Nova Era, para um mundo de regeneração da humanidade, para cujo desenvolvimento a Doutrina Espírita vem contribuir positivamente.
O sucesso da publicação de O Livro dos Espíritos, em 1857, e a notoriedade que seu autor ganhou, numa época em que vigorava a moda das Mesas Girantes, tudo isso alinhado com a necessidade acompanhar e propagar ainda melhor o desenvolvimento da fenomenologia mediúnica moderna, Allan Kardec viu-se necessitado de empreender um periódico próprio; foi assim que ele estreou em janeiro de 1858 a Revista Espírita, com o subtítulo Jornal de Estudos Psicológicos, que ele editou mensalmente até o desfecho de sua encarnação, tendo deixado já preparada a edição de abril de 1869, o mês seguinte da morte de Kardec.
A revista permitiu aos seus assinantes acompanhar o desenvolvimento dos trabalhos de Kardec, da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas e de todo o movimento espírita, reunindo notícias afins, reproduzindo correspondências, resenhas literárias e apreciações sobre os mais diversos assuntos relacionados ao Espiritismo, configurando-se assim como uma fecunda fonte de estudo espírita e documentação histórica também para a posteridade.
Em dado momento, seu editor explica o caráter experimental da revista:
Por conta desse “caráter experimental”, alguns estudiosos espíritas alegam poder justificar que a coleção da Revista Espírita não deva ser incluída entre as obras fundamentais, reservando-a basicamente como um subsídio histórico; por outro lado, certos confrades enfatizam que somente em um periódico como este é que Kardec poderia oferecer toda uma riqueza de detalhes doutrinários, tal qual encontramos nesse jornal kardequiano, de modo que faça jus listar a coleção dos fascículos editados pelo codificador espírita — não tendo o mesmo peso as edições dirigidas pelos sucessores de Kardec.
Para todos os efeitos, os outros trabalhos publicados por Allan Kardec também merecem toda a apreciação possível; os cinco opúsculos que ele listou como “resumos” são os seguintes:
O que é o Espiritismo: publicado em 1859, é uma síntese dos princípios básicos da Doutrina Espírita, bem como um apanhado de refutações kardequianas às mais comuns objeções e críticas levantadas contra o Espiritismo.
O Espiritismo em sua expressão mais simples: um suscinto registro histórico do desenvolvimento da Doutrina Espírita e uma breve apresentação dos seus princípios doutrinárias, publicado em 1862.
Viagem Espírita em 1862: registra os principais eventos relacionados a uma turnê realizada por Kardec pelo interior da França naquele ano de 1862, incluindo a transcrição de alguns de seus discursos nos encontros com os confrades espiritas. Contém ainda um modelo de estatuto para as sociedades espíritas.
Resumo da Lei dos Fenômenos Espíritas: brochura de 1864, com itens numerados e constituídos em sua maioria de um pequeno parágrafo que resumem os princípios doutrinários principalmente correspondentes aos aspectos práticos das manifestações mediúnicas.
Caráter da Revelação Espírita: opúsculo publicado em 1868 com uma coletânea de trechos extraídos da Revista Espírita, cujo conteúdo inspirou o primeiro capítulo A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo.
Ademais, citamos outras publicações kardequianas igualmente valorosas:
Instrução Prática sobre as Manifestações Espíritas: original de 1858, foi lançado com a proposta de ser um breve manual prático da mediunidade segundo o Espiritismo. Sua tiragem se esgotou rapidamente, resultando em recorrentes apelos do público para uma reedição; em vez disso, porém, Kardec aproveitou sua estrutura para a elaboração de O Livro dos Médiuns — que, aliás, é considerado por muitos pensadores espíritas uma reedição ampliada do referido opúsculo.
Coletânea de Preces Espíritas: publicado em 1866, trata-se de um extrato dos dois capítulos finais de O Evangelho segundo o Espiritismo, sobre a qualidade e a eficácia da oração, seguidos de modelos de preces para diversas ocasiões.
Catálogo Racional das Obras que podem servir para formar uma Biblioteca Espírita: encarte distribuído junto com o fascículo da Revista Espírita de abril de 1869; lista os títulos mais indicados para o estudo espírita, desde as próprias obras de Kardec (designadas como “Obras fundamentais”) até as publicações de autores diversos correlacionadas à doutrina, descritas como “Obras diversas sobre o Espiritismo ou complementares da doutrina”, bem como “Obras produzidas fora do Espiritismo” — inclusive ‘Obras contra o Espiritismo’.
Em 1890, vinte e um anos depois da desencarnação de Allan Kardec, veio a público o livro Obras Póstumas, contendo uma compilação de textos — alguns dos quais até então inéditos — de autoria do codificador espírita, que os coletava estrategicamente na intenção de deixar esse acervo como registro historiográfico da doutrina. Sobre os arquivos que estava coletando, certa feita Kardec declarou:
Dentre esses textos, anotações pessoais narrando os bastidores da descoberta e verificação da fenomenologia espírita, bem como o trabalho de pesquisa pessoal e preparativos para o lançamento de seus livros doutrinários. A copilação foi editada por Pierre-Gaëtan Leymarie, então dirigente da entidade herdeira do legado de Kardec: Sociedade Anônima Espírita, dita para a continuação das obras espíritas de Allan Kardec.
Com efeito, a tradição espírita tem contado este livro como parte da codificação do Espiritismo; contudo, alguns confrades veem esta obra com muita cautela, já que diz respeito a uma publicação terceirizada e posterior à morte de Kardec. Além disso, pesa contra Leymarie sérias desconfianças com relação à sua conduta na administração dos bens deixados por Kardec em prol da divulgação da sua doutrina; a propósito, bem nessa época, a fundação da União Espírita Francesa surgiu de um levante de importantes ativistas espíritas — dentre os quais Gabriel Delanne, Berthe Fropo e o casal Rosen — contra Leymarie, que era acusado de desvirtuar os conceitos kardecistas em favor de concepções estranhas e contraditórias, principalmente a teosofia e o roustainguismo.
De mesma maneira, podem ser apreciados os artigos publicados na Revista Espírita pós-Kardec que reproduzem textos inéditos do mestre espiritista; por exemplo, os fascículos de outubro a dezembro de 1908 transcreveram alguns manuscritos de Kardec que compunham um ‘Estudo das religiões’, que se inicia com o trecho adiante:
Allan Kardec, codificador do Espiritismo
Pelo senso de que toda e qualquer obra doutrinária da autoria de Allan Kardec possa servir como fonte fundamental para o estudo espírita, dentro e fora das publicações feita por ele, podemos incluir no acervo da codificação espírita também os manuscritos e outros documentos originais do codificador que venham a ser disponibilizados e que denotem ligação com o Espiritismo; nesse sentido, é muito válido citarmos o acervo do Projeto Allan Kardec catalogado pela Universidade Federal de Juiz de Fora, Minas Gerais.
Portal do Projeto Allan Kardec
Compreendemos, pois, que a bibliografia kardequiana é o ponto de partida para o estudo da Doutrina Espírita, é o alicerce, a base doutrinária; todavia, não é o seu encerramento, a sua completude: o Espiritismo é uma doutrina cuja uma das caraterísticas é a de uma ciência; portanto, ela é necessariamente progressiva, inclusive pelo recebimento de novas revelações espirituais e pelas descobertas científicas, acompanhando o desenvolvimento das capacidades humanas — intelectuais e morais.
A obra de Allan Kardec, aliás, não tem o caráter de sagrado e de perfeição tal como, por exemplo, é a Bíblia para os católicos e o Alcorão para os muçulmanos; a produção kardequiana, como todo e qualquer conhecimento oferecido, deve ser estuda e continuamente posta em análise ao passo da evolução da epistemologia espírita, ou seja, das próprias capacidades de se compreender o Espiritismo. Isto implica na admissão que nos postulados contidos na literatura kardecista possa caber revisão — seja das ideias particulares do codificador espírita, seja do acolhimento dos ensinamentos dados pelos mentores espirituais — como, inclusive, no próprio transcorrer de sua trajetória carnal, Kardec o fez algumas vezes — embora tenham sido revisões acerca de ínfimos detalhes, enquanto os fundamentos doutrinários permaneceram e até hoje têm permanecido intactos em toda a sua justeza sob a força da razão e da lógica — razão pela qual figura-se como um dos maiores patrimônios intelectuais e morais da humanidade, cujo valor só cresce à medida em que melhor é compreendida.
© 2014 - Todos os Direitos Reservados à Fraternidade Luz Espírita