Panteísmo é uma crença e uma proposição filosófica que, em linhas gerais, é caracterizada por idealizar a integração essencial e absoluta entre Deus e a realidade física (toda a natureza, o Universo, todos os multiversos possíveis) como sendo a unidade total de tudo o que existe e possa existir, pelo postulado: “Deus é tudo, e tudo é Deus”. A partir desta ideia central, a doutrina panteísta se divide em variações, por exemplo, quanto ao entendimento sobre a natureza divina. A Doutrina Espírita refuta peremptoriamente o panteísmo, evidenciando a incongruência de suas teorias, especialmente com relação à concepção de materialidade da Divindade, e da negação da identidade individual dos seres inteligentes (Espíritos), cuja consequência natural seria a de isentá-los das responsabilidades e dos méritos de suas ações, ao passo que para o Espiritismo Deus é imaterial e os Espíritos essencialmente individualizados.
Representação gráfica do Panteísmo
O vocábulo panteísmo deriva dos termos gregos πᾶν = pan: “tudo”, “de tudo”, e θεός = theos: “deus”, “divino”. Sua alcunha é atribuída ao matemático inglês Joseph Raphson (1648 - 1715) que usou a expressão em latim pantheismus no seu livro De Spatio Reali, de 1697, onde ele faz referências às ideias do filósofo holandês Baruch Espinosa (1632 - 1677) e de outros pensadores que também compartilhavam do mesmo entendimento que caracteriza a teoria panteísta. O livro de Raphson foi traduzido para o inglês e daí a palavra pantheism se consagrou, com suas variações idiomáticas, especialmente a partir do livro Socinianism Truly Stated by a pantheist, de 1705, do escritor irlandês John Toland.
Diversos teólogos e filósofos conceberam um sistema nos moldes panteísta, antes mesmo que o termo fosse cunhado, mas foi Espinosa quem deu a forma clássica que se popularizou pela cultura ocidental. Sua obra Ética, publicada postumamente, em 1677, costuma ser citada como referência para o panteísmo, cuja síntese para explicara a divindade é: “Deus é a Natureza, e a Natureza é Deus”, algo um tanto similar ao anteriormente concebido pelo frade católico Giordano Bruno (1548 - 1600) — que, aliás, foi queimado vivo pelo Tribunal da Inquisição sob a acusação de heresia.
O panteísmo na concepção espinosiana parte do pressuposto de que Deus, por ser infinito, é a única substância existente, o que implicaria que nada pudesse existir fora da Divindade: “Tudo o que existe, existe em Deus, e sem Deus nada pode existir ou ser concebido”; nesse contexto, diz-se que Deus é “causa imanente, e não transcendente, de todas as coisas”; daí, “As coisas particulares não são mais do que afecções dos atributos de Deus, ou seja, modos pelos quais os atributos de Deus se exprimem de maneira certa e determinada”; Deus é assim identificado com a própria natureza, de acordo com o famoso lema “Deus sive Natura” = “Deus, ou seja, a Natureza”.
Contudo, esse sistema se complica por si mesmo desde quando Espinosa tenta definir Deus como um “ser” (que muitos entendem como uma “coisa”) sem vontade própria e liberdade superior por uma necessidade de cumprir o que é próprio da natureza: noutras palavras, Deus seria um refém das leis materiais.
Baruch Espinosa não admitiu formalmente ser ateu — embora seu sistema de algum modo coisifique a Divindade e lhe tire o caráter pessoal (o filósofo usava a palavra “Deus” para descrever a unidade de toda substância) — mas foi interpretado como um ateu (tanto é que foi excomungado da comunidade judaica da qual pertencia) e inspirou variações declaradamente ateias e materialistas do panteísmo.
No caso do panteísmo declaradamente ateu, o nome de Deus embutido no termo (oriundo do grego théos) é entendido como nada mais do que se convencionou chamar de “mãe-natureza” ou “alma da Terra”, basicamente negando a existência de um ser transcendental e superior. Portanto, esse “Deus” significa a unidade das coisas da realidade física; porém, não obrigatoriamente excluindo a possibilidade da existência de uma natureza imaterial, cabendo inclusive a imortalidade dos seres após a morte (Espíritos), mas não de um ser supremo (Deus). Essa é basicamente a concepção das crenças tradicionais do Oriente, mormente o Hinduísmo e o Budismo — que admitem a individualidade das almas (Espíritos) e não concebem a divindade suprema.
Numa variação mais extrema, o panteísmo abriga não apenas o ateísmo (crença na não existência de Deus), mas ainda o materialismo puro, a negação de qualquer realidade espiritual, isto é, qualquer coisa fora da natureza material, física. Neste sistema, todas as formas de vida, sensações, sentimentos, emoções e todas as manifestações da realidade são meras reações físico-químicas resultantes das propriedades da matéria. A propósito, muitos estudiosos defendem que também Espinosa era materialista, pela sua posição apresentada na sua obra Ética em evidente oposição ao Dualismo do filósofo francês René Descartes (1596 - 1650), que por sua vez compreendia a separação essencial do que era corpo (natureza material) e mente (natureza espiritual). Em lugar do dualismo cartesiano, Espinosa propôs o monismo (de “um”, “único”). Da fonte desse panteísmo materialista vão beber filósofos aclamados pela tradição acadêmica, tais como Hegel (1770 - 1831), Nietzsche (1844 - 1900), Friedrich Engels (1820 - 1895) e Karl Marx (1818 - 1883).
Em sua obra para a codificação do Espiritismo, Allan Kardec submeteu a teoria panteísta à apreciação da espiritualidade. A resposta foi objetiva e clara na direção da refutação do panteísmo, prontamente publicada já na obra inaugural da Doutrina Espírita: O Livro dos Espíritos, originalmente publicado em 1857. Na Introdução desta obra, o autor chama a atenção para a errônea concepção de uma espécie de “alma universal” que contivesse tudo:
Em seguida, enfrentando diretamente a definição panteísta, Kardec abre um tópico específico a respeito disso na seção do referido livro que trata exatamente de Deus, quando coloca a questão objetivamente:
Na questão seguinte, o codificador espírita pede mais esclarecimentos sobre a doutrina panteísta, que propõe que a soma de todos os corpos da natureza seriam partes da Divindade e constituem o próprio Deus, ao que os mentores espirituais ironizam: “Não podendo fazer-se Deus, o homem quer pelo menos ser uma parte de Deus.”
Insistindo nas alternativas sondadas pelos panteístas, Kardec prossegue perscrutando:
A resposta é então enriquecida pelos comentários de Allan Kardec:
Noutro ponto do mesmo livro, insiste o seu autor:
Praticamente a mesma pergunta é formulada nas questões 151 e 152 da referida obra, mantendo-se a negação da proposição panteísta, ao que Kardec acrescenta: “Aqueles que pensam que com a morte a alma reingressa no todo universal estão num erro se supõem que assim, semelhante a uma gota d’água que cai no Oceano, ela então perde a sua individualidade; estão certos se entendem o todo universal como o conjunto dos seres incorpóreos em que cada alma ou Espírito é um elemento.”
A tese em questão foi igualmente abordada em outras publicações kardequianas. Por exemplo, em O Evangelho segundo o Espiritismo (cap. IV, item 23), o panteísmo aparece como uma das quatro alternativas cogitadas quanto ao futuro do homem após a morte. Na Revista Espírita de outubro de 1863, encontramos uma comunicação mediúnica a respeito, da qual extraímos o trecho seguinte:
Em O Céu e o Inferno, verifica-se a mesma contundência na oposição ao sistema panteísta:
O Espiritismo tem entre seus fundamentos a definição de Deus como o ser supremo, criador de todas as coisas, eterno, imutável, imaterial, único, todo-poderoso, soberanamente. Por ser imaterial, “quer dizer que a sua natureza difere de tudo o que chamamos matéria, do contrário ele não seria imutável, pois estaria sujeito às transformações da matéria.” (O Livro dos Espíritos, questão 13) Portanto, a Divindade não pode ser confundida com a natureza física, que é sua obra.
Um segundo fundamento capital para a análise espírita do panteísmo é o da individualização dos seres inteligentes: “A alma tem sua individualidade antes da sua encarnação e a conserva após sua separação do corpo.” (O Livro dos Espíritos, ‘Introdução...’, item VI.)
Em suma, em face da Revelação Espírita, vamos então encontrar vários problemas crônicos no sistema panteísta, por exemplo:
Uma ideia — embora não absolutamente exata — mais coerente que o sistema panteísta é a do paneteísmo (pan-e-teísmo) que diz que o Universo está dentro de Deus, o que justificaria o modo como a Providência Divina está presente e atuante em tudo, sem ser exatamente esse tudo. A síntese dessa filosofia — conforme seu idealizador, o pensador alemão Christian Krause (1781 - 1832) — pode ser expressa assim: “O Ser de Deus inclui e penetra em todo o universo, de modo que cada parte existe n’Ele, mas o Ser é mais do que o universo, e não se esgota no universo.”
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