Possessão, de ordem espiritual, consiste num fenômeno pelo qual um Espírito toma a posse temporária do organismo físico de um encarnado, que então passa a agir conforme a vontade do possessor, cuja intenção primordial é se manifestar no mundo material e interagir com as coisas físicas. Essa dominação física pode ser consensual, como resultado da ação de um Espírito geralmente bom e familiar, com a intenção de produzir uma manifestação mediúnica mais impressionante; por outro lado, pode se tratar de um assédio de um Espírito mau, caracterizando tal possessão como uma obsessão, do tipo grave de uma subjugação, a que o obsediado, sem força para resistir ao ataque, é constrangido a emprestar seu corpo material, que então passa a ser manipulado conforme a vontade do obsessor. A possessão é sempre temporária e intermitente: o Espírito possessor se enlaça ao possesso para manipulá-lo fisicamente, sem que este abandone seu corpo. A ideia de possessão está associada a diversas crenças e folclores, tal como a lenda da possessão demoníaca, contra a qual a tradição propõe o ritual do exorcismo. A codificação espírita aborda este tema, definindo e exemplificando casos desse gênero; além disso, em se tratando de possessões obsessivas, o Espiritismo recomenda, como prevenção e tratamento, atuar sobre o autor do mal, pela conscientização dos valores espirituais, e ao mesmo tempo pelo fortalecimento moral do assediado. Ao demonstrar a existência, as causas possíveis e sua remediação, a Doutrina Espírita então contribui positivamente com a medicina convencional, que reconhece o estado de possessão, mas ignora o agente causal: o ser espiritual possessor.
Na tradição popular, a possessão é o fenômeno que ocorre quando uma pessoa está corporal e mentalmente sob a posse de uma entidade espiritual má, de modo como se um Espírito “entrasse” no corpo da vítima e passasse a dominar direta e integralmente o seu organismo material, na ideia de que um invasor tome o corpo do encarnado. Para certas pessoas, esse tipo de fenômeno ocorre por ação do demônio, donde se diz que o possuído está “endemoniado” ou “endiabrado”, tomado por Satanás ou por um de seus demônios.
Vários casos de suposta possessão já foram reportados, pelo que a cultura em geral estabeleceu os traços característicos de tal manifestação, por exemplo, como uma crise psíquica mais ou menos demorada marcada pela mudança abrupta e de forte intensidade no comportamento da pessoa dita “possuída”, em geral levada a um estado de agitação e até de extrema agressividade, verbal e física, tanto contra si quanto contra terceiros, inclusive blasfêmia contra as virtudes e contra elementos religiosos; igualmente é comum a descrição de alteração no aspecto fisionômico, na entonação da voz e glossolalia (fala desconexa ou em uma língua desconhecida) ou xenoglossia (fala numa língua estrangeira que a pessoa não domina em estado normal); o aparecimento de manchas e machucados na pele; convulsões, desmaios e sufocamento, como que o possuído estivesse morrendo.
Conforme os relatos comuns, além do constrangimento moral e do choque emocional, semelhante crise costuma ser seguida de enfermidades físicas e distúrbios mentais, de efeitos breves ou por vezes muito prolongado, quando não irreversíveis.
Há registros históricos de possessão desde os sumérios (cerca de 2000 a. C.), que acreditavam que todas as doenças do corpo e da mente eram causadas por “demônios de doenças” chamados gidim ou gid-dim. Tábuas cuneiformes daquela época dão conta de que os sacerdotes sumérios praticavam determinados rituais de cura de obsessão a partir de preces e liturgias que sugeriam ou um apelo ou uma ordem para que as entidades maléficas se afastassem da vítima, mais ou menos nos moldes do conhecido ritual católico chamado de exorcismo — que provavelmente se valeu da mesma inspiração.
Em culturas xamânicas, o ataque de possessão mormente é atribuído a um Espírito (espectro) magoado com alguma circunstância causada pela pessoa então atacada, na presente vida ou em outra reencarnação, consistindo assim em um caso clássico de revanche.
Representação gráfica de Jesus expulsando demônios
A literatura bíblica relata vários casos de possessos, inclusive ante a presença Jesus, que cessava o ataque expulsando os demônios. Herdando essa tradição, no catolicismo a possessão é sempre uma obra do Diabo, ou seja, Satanás, ou de um de seus demônios; a igreja propõe que o objetivo do ataque é, em face de um confronto contra Deus, atentar os homens para levá-los à perdição de sua alma. Como solução, o catecismo católico prevê o ritual do exorcismo, para o qual certas pessoas são consagradas e devidamente autorizadas. Procedimento semelhante tem sido adotado pelas igrejas cristãs protestantes e reformistas.
Exorcismo ministrado por São Francisco de Borja, pintura de Francisco Goya
Um dos casos recentes mais célebres de possessão foi o da jovem alemã Anneliese Michel (1952 - 1976), que foi retratado pelo cinema através do filme O Exorcismo de Emily Rose (2005). Anneliese era uma estudante alemã que a partir dos seus 16 anos de idade foi acometida por perturbações mentais contra as quais os anos de tratamento psiquiátrico nada surtiram efeito; à vista disso, ela se recusou ao tratamento médico e recorreu à Igreja Católica, que assim autorizou a realização dos exorcismos, durante os anos 1975 e 1976; as graves consequências (principalmente desnutrição) atribuídas ao ritual de exorcismo motivaram a abertura de um processo criminal pelos promotores de justiça locais contra os pais da jovem e os padres exorcistas, causando uma grande polêmica em toda a Europa e dividindo a opinião pública mundial. Tanto os padres que realizaram o exorcismo quanto os pais de Anneliese foram condenados por homicídio negligente devido à renúncia ao tratamento médico. O filme Requiem (2006) também se inspirou no mesmo drama.
Anneliese Michel
Um pouco antes, nos anos 1940, os Estados Unidos da América haviam sido palco de um caso também de grande repercussão na mídia, envolvendo rituais de exorcismo católico sobre um garoto de 14 anos, supostamente endemoniado, e que ficou conhecido pelo pseudônimo Roland Doe. De origem alemã e educada na igreja luterana, a família do garoto vivia em Cottage City, Maryland; ele era filho único e só brincava com os adultos em sua casa, principalmente com sua tia Harriet, que o tratava mais como um amigo; esta mulher (uma espiritualista, ou ocultista) apresentou-o ao jogo de ouija, que muito o interessou; quando tinha 13 anos, sua tia morreu, e então Roland tentou contatá-la através daquele tabuleiro místico; a partir daí, diz-se que o menino passou a ser assediado por demônios, sendo então submetido ao tratamento de exorcismos. Os eventos desse caso foram usados como elementos no romance O Exorcista, de 1971, da autoria de William Peter Blatty, que por sua vez foi adaptado para o famoso filme de terror de 1973 com o mesmo título, além de inspirar outros filmes e documentários.
De maneira convencional, a ciência se limita aos fenômenos físicos ou de algum modo identificados por instrumentação material; por conseguinte, a medicina e as disciplinas psicológicas procuram causas orgânicas e comportamentais para explicar os efeitos das crises descritas popularmente como possessão e que para os cientistas se enquadram nas ocorrências “normais” de doenças mentais, como histeria, mania, psicose, síndrome de Tourette, epilepsia, esquizofrenia ou transtorno dissociativo de identidade.
Crises sugestivamente descritas como um dito “estado de transe e de possessão” estão enquadradas pelo Código Internacional de Doenças, no item F44-3 do CID10, como um “transtorno dissociativo”:
“Transtornos caracterizados por uma perda transitória da consciência de sua própria identidade, associada a uma conservação perfeita da consciência do meio ambiente. Devem aqui ser incluídos somente os estados de transe involuntários e não desejados, excluídos aqueles de situações admitidas no contexto cultural ou religioso do sujeito”
CID-10 - F44.3
Ou seja, para a ciência, o transtorno de Transe Dissociativo, assim como o transtorno dissociativo de identidade (vulgarmente conhecido como múltiplas personalidades) consiste num distúrbio mental, caracterizado pela perda parcial ou completa das funções normais de integração das lembranças, da consciência, da identidade e das sensações imediatas, e do controle dos movimentos corporais. Noutras palavras, a possessão seria como uma nova personalidade criada pela própria pessoa, com suas peculiaridades, tom de voz, gostos, controle de movimentos, identidade e lembranças distintos; portanto, a medicina não admite qualquer hipótese de manifestação espiritual — que, aliás, geralmente é tida como algo sobrenatural e místico.
O seu tratamento recomendado é uma série regular de sessões de psicoterapia; em determinados casos (especialmente envolvendo depressão e delírios) o paciente pode até ser remediado por um psiquiatra. A estimativa é de que o tratamento dure dois anos.
Num primeiro momento, Allan Kardec, na sua obra de sistematizar a Revelação Espírita, rejeitou o fenômeno da possessão e enquadrou esse tipo de assédio dentro dos limites da subjugação:
“Antigamente, dava-se o nome de possessão ao domínio exercido por maus Espíritos, quando a influência deles ia até a aberração das faculdades. A possessão seria para nós um sinônimo da subjugação. Se nós não adotamos esse termo, é por dois motivos: primeiro, porque implica a crença de seres criados para o mal e perpetuamente devotados ao mal, enquanto realmente só há seres mais ou menos imperfeitos, e que todos podem se melhorar; segundo, porque requer igualmente a ideia da tomada de posse de um corpo por outro Espírito, de uma espécie de coabitação, ao passo que ocorre apenas um constrangimento. A palavra subjugação traduz perfeitamente essa ideia. Assim, para nós, não há possessos no sentido comum do termo; há somente obsidiados, subjugados e fascinados.”
O Livro dos Médiuns, Allan Kardec - 2ª parte, cap. XXIII, item 241
Essa formulação kardequiana assentava-se em uma questão anteriormente posta aos seus mentores espirituais sobre a possibilidade de um Espírito tomar posse de um corpo encarnado animado por outro Espírito, mesmo que por instantes, e cuja resposta havia sido negativa:
Um Espírito pode tomar momentaneamente o envoltório de uma pessoa viva, isto é, introduzir-se num corpo animado e agir no lugar daquele que ali está encarnado?
O Livro dos Espíritos, Allan Kardec - questão 473
“O Espírito não entra em um corpo como se entra numa casa; ele se assimila com um Espírito encarnado que tenha os mesmos defeitos e as mesmas qualidades, a fim de agir conjuntamente. Contudo, é sempre o Espírito encarnado quem atua, conforme queira, sobre a matéria da qual está revestido. Um Espírito não pode substituir aquele que já está encarnado, pois o Espírito e o corpo ficam ligados até o período marcado para o término da existência material.”
Posteriormente, contudo, o codificador espírita vai estudar os eventos de um determinado caso de obsessão, de gravíssimo grau, e reformula suas concepções acerca da possessão:
“Temos dito que não havia possessos no sentido vulgar do vocábulo, mas somente subjugados. Voltamos a esta asserção absoluta porque agora nos é demonstrado que pode haver verdadeira possessão, isto é, substituição, posto que parcial, de um Espírito errante a um encarnado.”
Revista Espírita, Allan Kardec - dez. 1863: ‘Um caso de possessão’
Kardec então vai formular uma teoria sobre o modo de operação na possessão, que se distingue do processo comum da obsessão (em que a ação se dá externamente, de perispírito para perispírito):
“Na possessão, em vez de agir exteriormente, por assim dizer, o Espírito atuante se substitui ao Espírito encarnado; toma o seu corpo como domicílio, sem que, no entanto, esse corpo seja abandonado pelo seu dono — porque que isso só se pode dar pela morte. Portanto, a possessão é sempre temporária e em intervalos, pois um Espírito desencarnado não pode tomar definitivamente o lugar de um encarnado, pela razão de que a união molecular do perispírito e do corpo só se pode operar no momento da concepção.
A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, Allan Kardec - cap. XIV, item 47
“De posse momentânea do corpo do encarnado, o Espírito se serve dele como se fosse o seu: fala pela sua boca, vê pelos seus olhos, opera com seus braços, conforme faria se estivesse vivo. Não é como na mediunidade falante (psicofonia), em que o Espírito encarnado fala transmitindo o pensamento de um desencarnado; no caso da possessão é mesmo o último que fala e obra; quem o tenha conhecido em vida, reconhece sua linguagem, a voz, os gestos e até a expressão da fisionomia.”
Desde essa reclassificação, a possessão é colocada como um fenômeno à parte da obsessão, porque nem sempre a manifestação possessiva é um assédio; pode tratar-se, pois, de um tipo de “possessão do bem”:
“Na possessão pode tratar-se de um Espírito bom que queira falar e que, para causar maior impressão nos ouvintes, toma de um encarnado, que voluntariamente lhe empresta o corpo, como emprestaria sua roupa a outro encarnado. Isso se verifica sem qualquer perturbação ou incômodo, durante o tempo em que o Espírito encarnado se acha em liberdade, como no estado de emancipação, conservando-se este último ao lado do seu substituto para ouvi-lo.”
Idem - cap. XIV, item 48
Todavia, embora se não possa dizer que toda possessão seja uma obsessão, de fato há certos ataques obsessivos em que o assediador faz uso dos recursos da possessão, e, nestes casos, os efeitos podem ser ainda mais danosos:
“As coisas se passam de outro modo quando o Espírito possessor é mau Ele não toma moderadamente o corpo do encarnado, arrebata-o, se este não possui bastante força moral para lhe resistir. Faz isso por maldade para com este, a quem tortura e martiriza de todas as formas, indo ao extremo de tentar exterminá-lo — seja por estrangulação, seja atirando-o ao fogo ou a outros lugares perigosos. Servindo-se dos órgãos e dos membros do infeliz paciente, blasfema, injuria e maltrata os que o cercam; entrega-se a estranheza e a atos que apresentam todos os tipos da loucura furiosa.”
Idem
Quando a possessão é do tipo obsessiva — praticada por um Espírito de ordem inferior e objetivando fazer mal ao obsidiado —, convém desembaraçar-se do assediador e cessar seu aceso a tal domínio. De modo geral, a prevenção e o tratamento da possessão são similares aos procedimentos recomendados contra uma obsessão comum, passando pelo recondicionamento moral dos envolvidos, posto que o processo obsessivo só pode ocorrer enquanto houver uma sintonização fluídica ocasionada pelo estado de imperfeição de ambos (obsessor e obsediado). Na existência de um processo obsessivo já em curso, os meios práticos para se combatê-la variam de acordo com o grau de influenciação estabelecido. Comumente, esse tratamento é chamado de desobsessão.
Nos casos de obsessão simples, por exemplo, casos isolados de possessão, sem maiores consequências, a recomendação básica é:
“Há duas coisas essenciais a se fazer nesse caso: provar ao Espírito que não estamos iludidos por ele e que é impossível ele nos enganar; e segundo, esgotar sua paciência mostrando-se mais paciente do que ele. Quando ele estiver bem convencido de que está perdendo tempo, acabará se retirando, como fazem os importunos a quem não damos ouvidos.”
O Livro dos Médiuns - 2ª parte, cap. XXIII, item 249
Já em situações tais de um assédio mais obstinado, de possessões constantes e constrangedoras...
“Mas nem sempre isso basta, e pode durar muito tempo, porque há Espíritos que são teimosos, para os quais os meses e os anos significam pouca coisa. Além do mais, o médium deve fazer um apelo fervoroso ao seu bom anjo, assim como aos bons Espíritos que sejam simpáticos a ele, pedindo-lhes que o ajudem.”
Idem
Nas ocorrências mais graves, quando há uma interligação obsessiva mais complexa, faz-se necessário um procedimento mais metódico:
“A cura das obsessões graves requer muita paciência, perseverança e devotamento. Exige também tato e habilidade, a fim de encaminhar para o bem Espíritos muitas vezes perversos, endurecidos e espertos, pois há os rebeldes ao extremo. Na maioria dos casos, temos de nos guiar pelas circunstâncias. Mas, qualquer que seja o caráter do Espírito, nada se obtém, é isto um fato incontestável, pelo constrangimento ou pela ameaça. Toda influência reside no ascendente moral. Outra verdade igualmente comprovada pela experiência tanto quanto pela lógica, é a completa ineficácia dos exorcismos, fórmulas, palavras sacramentais, amuletos, talismãs, práticas exteriores, ou quaisquer sinais materiais. A obsessão muito prolongada pode ocasionar desordens patológicas e, por vezes, reclama tratamento simultâneo ou consecutivo — tanto magnético, quanto médico — para restabelecer a saúde do organismo. Destruída a causa, resta combater os efeitos.”
O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec - cap. XXVIII, Item 84
Pode até chegar ao ponto de se precisar de um interventor amigo e capacitado:
“A subjugação corporal muitas vezes tida do obsidiado a energia necessária para dominar o mau Espírito; por isso, é preciso a intervenção de uma terceira pessoa agindo, seja pelo magnetismo, seja pela força da sua vontade. Na falta da cooperação do obsidiado, essa pessoa deve tomar o domínio do Espírito; mas como essa ascendência só pode ser moral, ela não pode ser exercida senão por um ser moralmente superior ao Espírito, e seu poder será tanto maior quanto maior for a sua superioridade moral, porque então ele se impõe ao Espírito, que se vê forçado a se inclinar diante dele. Por isso é que Jesus tinha um poder tão grande para expulsar aqueles a quem naquela época se chamavam demônios, ou seja, maus Espíritos obsessores.
O Livro dos Médiuns - cap. XXIII, item 251
“Não podemos aqui dar mais do que conselhos gerais, pois não há nenhum procedimento material, sobretudo nenhuma fórmula, nem qualquer palavra sacramental que tenha o poder de afastar os Espíritos obsessores. O que às vezes falta ao obsidiado é uma força fluídica suficiente; nesse caso, a ação magnética de um bom magnetizador pode vir utilmente a ajudar. Ademais, é sempre bom tomar os conselhos de um Espírito superior ou do anjo guardião, através de um médium confiável.”
Em suma, a educação moral é a chave para a desobsessão:
“A uma causa física, opõe-se uma força física; a uma causa moral, é preciso uma força moral. Para se preservar das enfermidades, fortifica-se o corpo; para se garantir contra a obsessão, é preciso fortalecer a alma; daí, para o obsediado, a necessidade de trabalhar para o seu próprio melhoramento, o que muitas vezes basta para livrá-lo do obsessor, sem o socorro de outras pessoas. Esse socorro se torna necessário quando a obsessão degenera em subjugação e em possessão, porque nesse caso o paciente muitas vezes perde a sua vontade e o seu livre-arbítrio.”
A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo - cap. XIV, item 46
Lembrando que os cuidados também devem ser estendidos aos Espíritos obsessores, no sentido de estimulá-los a renunciar ao mal:
“[...] para assegurar a libertação, é indispensável levar o Espírito perverso a renunciar aos seus maus costumes; é preciso fazer brotar nele o arrependimento e o desejo do bem, por auxílio de instruções habilmente dirigidas, em evocações particularmente feitas com o objetivo de sua educação moral; pode-se então ter a dupla satisfação de libertar um encarnado e de converter um Espírito imperfeito.”
Idem
Quando o obsediado é bem instruído sobre essa condição e então contribui voluntariamente com o tratamento, inclusive dirigindo suas preces em favor do refazimento consciencial do seu agressor (o Espírito obsessor) o trabalho fica mais fácil, porque assim, além de se fortalecer espiritualmente, aquele que é agredido dá ao seu algoz uma demonstração de nobreza, em se resignando diante do mal sofrido, ao mesmo tempo em que inspira o Espírito obsessor a buscar uma posição melhor. Além do que, ainda que este não reformule suas intenções, enquanto a vítima estiver fortalecida pelos bons pensamentos, sua atmosfera psíquica bloqueará as investidas de seu inimigo invisível.
A prece, aliás, é o mais poderoso meio de que dispomos para desviar o obsessor de seus propósitos maléficos e para atrair a proteção dos bons Espíritos, que estão sempre de guardar para ajudar, desde que haja comprometimento por parte daqueles que o evocam:
“Precisamos pedir ao nosso anjo guardião e aos bons Espíritos que nos assistam na luta; porém, não basta pedir que afastem o Espírito mau; devemos nos lembrar desta máxima: ajuda-te a ti mesmo e o céu te ajudará e, sobretudo, rogar a força que nos falta para vencermos os nossos maus pendores, que, para nós, são piores que os maus Espíritos, pois são esses pendores que os atraem, como a podridão atrai as aves de rapina. Orando também pelo Espírito obsessor, retribuiremos o mal que nos queira com o bem a ele e nos mostraremos melhores do que ele — o que já é uma superioridade. Com perseverança, muitas vezes acabamos por induzi-lo à posse de melhores sentimentos e a transformá-lo de perseguidor em amigo grato.”
Obras Póstumas, Allan Kardec - 1ª parte, "Manifestações dos Espíritos", item 58
Portanto, com a impotência dos recursos médicos e dos rituais de exorcismo ante o problema das obsessões, o Espiritismo então se apresenta como a melhor doutrina para esclarecer esse mal e oferecer o remédio para se combatê-lo e preveni-lo.
Dentre os modelos de orações oferecidas em O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec nos inspira com três preces especialmente dedicadas ao tema em questão: a primeira serve de exemplo àquele que sofre a perseguição espiritual:
“Meu Deus, permita que os bons Espíritos me livrem do Espírito mal-intencionado que se ligou a mim. Se é uma vingança que toma dos agravos que eu lhe haja feito no passado, tu a consentes, meu Deus, para minha punição e eu sofro a consequência da minha falta. Que o meu arrependimento me permita teu perdão e a minha liberdade! Mas, seja qual for o motivo, imploro para o meu perseguidor a tua misericórdia. Digna-te de lhe mostrar o caminho do progresso, que o desviará do pensamento de praticar o mal. Possa eu, de meu lado, retribuindo-lhe com o bem o mal, induzi-lo a melhores sentimentos. Mas, também sei, ó meu Deus, que são as minhas imperfeições que me tornam passível das influências dos Espíritos imperfeitos. Dá-me a luz de que necessito para reconhecê-las; combate, sobretudo, em mim o orgulho que me cega com relação aos meus defeitos. Qual não será a minha indignidade, pois que um ser maldoso me pode subjugar! Ó meu Deus, faça que me sirva de lição para o futuro este golpe desferido na minha vaidade; que ele fortifique a resolução que tomo de me purificar pela prática do bem, da caridade e da humildade, a fim de opor, daqui por diante, uma barreira às más influências. Senhor, dê-me forças para suportar com paciência e resignação esta prova. Compreendo que, como todas as outras, ela há de contribuir para o meu adiantamento, se eu não lhe estragar o fruto com os meus lamentos, pois me proporciona ensejo de mostrar a minha submissão e de exercitar minha caridade para com um irmão infeliz, perdoando-lhe o mal que me fez.”
O Evangelho segundo o Espiritismo - cap. XXVIII, Item 82
A segunda prece serve àquele que se encarrega de intervir num processo obsessivo, em favor de um obsediado:
“Deus Todo-Poderoso, digna-te de me dar o poder de libertar [nome do favorecido] da influência do Espírito que o obsidia; se estiver nos teus desígnios pôr fim a essa prova, concede-me a graça de falar com autoridade a esse Espírito. Bons Espíritos que me acompanham e tu, seu anjo guardião, deem a mim a ajuda de vocês; auxiliem-me a livrá-lo do fluido impuro em que se acha envolvido. Em nome de Deus Onipotente, peço ao Espírito malfazejo que o atormenta a que se retire.”
Idem - cap. XXVIII, item 83
A terceira, finalmente, inspira orarmos pelos Espíritos obsessores:
“Deus infinitamente bom, imploro à tua misericórdia para o Espírito que obsidia [nome do favorecido]. Faça-lhe entrever as divinas claridades, a fim de que reconheça falso o caminho por onde enveredou. Bons Espíritos, me ajudem a fazer-lhe compreender que ele tudo tem a perder, praticando o mal, e tudo a ganhar, fazendo o bem.
Idem - cap. XXVIII, item 84
“Espírito que se alegra em atormentar [nome do favorecido], escuta-me, pois que te falo em nome de Deus.
“Se quiseres refletir, compreenderá que o mal nunca vencerá o bem e que não pode ser mais forte do que Deus e os bons Espíritos. Possível lhes seria preservar [nome do favorecido], dos teus ataques; se não o fizeram, foi porque ele (ou ela) tinha de passar por uma prova. Mas, quando essa prova chegar a seu fim, toda ação sobre tua vítima te será vedada. O mal que lhe tiver feito, em vez de prejudicá-la, terá contribuído para o seu adiantamento e para torná-la por isso mais feliz. Assim, a tua maldade terá empregado em pura perda e se voltará contra ti.
“Deus, que é todo-poderoso, e os Espíritos superiores, seus delegados, mais poderosos do que tu, serão capazes de pôr fim a essa obsessão e a tua força se quebrará de encontro a essa autoridade suprema. Mas, por isso mesmo que é bom, Deus quer te deixar o mérito de fazer que ela cesse pela tua própria vontade. É uma demora que te concede; se não a aproveitares, sofrerá as duras consequências. Grandes castigos e cruéis sofrimentos te esperarão. Será forçado a suplicar a piedade e as preces da tua vítima, que já te perdoa e ora por ti, o que constitui grande merecimento aos olhos de Deus e apressará a libertação dela.
“Então, reflita enquanto ainda é tempo, visto que a justiça de Deus cairá sobre ti, como sobre todos os Espíritos rebeldes. Pense que o mal que neste momento pratica terá forçosamente um limite, ao passo que, se persistir na tua teimosia, aumentarão de contínuo os teus sofrimentos.
“Diante disso, veja o que perde; observa os bons Espíritos que te cercam e diga se não é preferível a sorte deles à tua. Da felicidade de que gozam, também tu compartilharás, quando o quiser. Que é preciso para isso? Implorar a Deus e fazer, em vez do mal, o bem. Sei que não te pode transformar repentinamente; mas, Deus não exige o impossível; quer apenas a boa vontade. Experimenta e nós te ajudaremos. Faça que em breve possamos dizer em teu favor a prece pelos Espíritos penitentes e não mais considerar-te entre os maus Espíritos, enquanto te não conte entre os bons.”
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