A Sociedade Dialética de Londres, ou London Dialectical Society no original em inglês, foi uma associação de cientistas e notáveis sábios da elite inglesa constituída na capital britânica em 1867 com o objetivo de promover o debate acerca de temas metafísicos e teológicos, à luz da ciência, em face da forte propagação dos fenômenos espirituais que desencadeara o movimento conhecido como Espiritualismo Moderno e também havia suscitado o Espiritismo. Após intensos debates, uma comissão especial da Sociedade foi formada para realizar uma investigação especial e então apresentar um relatório oficial sobre aquela fenomenologia, cujo resultado foi favorável à veracidade dos fenômenos, contrariando a expectativa da maioria da entidade que, por fim, deliberou não o publicar; porém, à revelia desta decisão, os membros da comissão consideraram aquela pesquisa um bem comum e o publicaram por conta própria, provocando impacto em toda a comunidade científica de seu tempo. O desacordo de ideias entre seus associados resultou na sua dissolução, mas influenciando outras entidades com semelhante propósito.
Desde a década de 1850 os grandes centros urbanos, especialmente os da América e Europa, estavam tomados pela febre das sessões de mesas girantes e outros tantos fenômenos “estranhos” para a comunidade científica, que, de maneira geral, ignorava-os, julgando tratar-se de tão somente um modismo social passageiro. Todavia, as manifestações continuaram e o Espiritualismo Moderno e o Espiritismo chegaram ao ápice nos anos 1860, forçando os sábios a se posicionarem, qual fosse: negando aqueles efeitos, desmascarando aqueles ditos médiuns, apresentando uma explicação racional e provas peremptórias; ou sancionando a veracidade das manifestações espirituais.
É neste cenário que a Sociedade Dialética de Londres formada no ano de 1867 por notáveis homens da elite britânica do pensamento e das ciências, dispostos a praticar “com liberdade e sem preconceito” sobre os mais variados assuntos, desde que estes fossem de real interesse à sociedade. Escrevendo para o The British Medical Journal, o honorário secretário da Sociedade, D. H. Dyte define o caráter daquela entidade: “Que a Sociedade deve oferecer um campo para a consideração filosófica de todas as questões sem reservas, mas especialmente daquelas compreendidas no domínio da ética, da metafísica e da teologia.” E, logo adiante, evocando a fala de seu colega, Professor Bain, declara como aquele círculo dialético trabalha as questões propostas:
“A essência do método dialético é colocar lado a lado, com cada doutrina e suas razões, todas as doutrinas opostas e suas razões, permitindo que estas sejam declaradas integralmente pelas pessoas que as sustentam. Nenhuma doutrina deve ser tida como exposta, muito menos provada, a menos que esteja em paralelo com todas as outras contrateorias, com tudo o que pode ser dito de cada uma. Por um curto período de tempo, este sistema foi realmente mantido e praticado; mas a execução de Sócrates deu-lhe o primeiro freio, e a intolerância natural da humanidade tornou impossível a sua continuação. Desde a Reforma, lutas têm sido feitas para recuperar para a discussão de questões em geral - filosóficas, políticas, morais e religiosas - o procedimento bilateral dos tribunais; e talvez nunca mais vigorosamente do que agora.”
The British Medical Journal – 28, agosto de 1869
O caráter de seriedade da Sociedade rendeu-lhe prestígio e grande expectativa para o público quanto à solução da questão vigente da fenomenologia espiritualista, posto que seus membros evocavam a verdade dos fatos, tal como estava expresso em seu panfleto promocional, publicado por ela em 1868.
“Que a Verdade é, de todas as coisas, a mais desejável, e que é melhor evocada pelo conflito de opiniões opostas, são proposições sobre as quais todos os filósofos concordam e que precisam apenas ser enunciadas para obter o consentimento universal.”
Panfleto promocional da Sociedade Dialética de Londres – ‘Prospectus’
Em sua fundação, a presidência foi ocupada por Sir John Lubbock (1834-1913), o Lorde Barão Avebury, um respeitado polímata, filantropo, banqueiro, político e cientista, especialmente dedicado à biologia, sendo aquele que cunhou os termos paleolítico e neolítico, ainda em voga na arqueologia — que ele ajudou a estabelecer como uma disciplina particular; também foi um dos primeiros defensores de Charles Darwin na discussão sobre a teoria evolucionista das espécies.
Além de Sir John Lubbock, a Sociedade Dialética de Londres contou com outras personalidades marcantes, dentre as quais: o biólogo, naturalista, geógrafo e antropologista Alfred Russel Wallace (1823-1913), o advogado e escritor Edward William Cox (1809-1879), o escritor e clérigo anglicano Charles Maurice Davies (1828-1910), o engenheiro Cromwell Varley (1828-1883) etc.
O mais famoso debate promovido pela Sociedade, o qual a tornou internacionalmente célebre, foi mesmo aquele em torno da fenomenologia mediúnica do movimento espiritualista de então, para o qual foi criado em 26 de janeiro de 1869 um comitê especial formado por 33 membros.
Além dos já mencionados Alfred Russel Wallace, Edward William Cox, Charles Maurice Davies e Cromwell Varley, a comissão foi formada pelo ex-ativista do ateísmo Charles Bradlaugh, H. G. Atkinson, G. Wheatley Bennett, J. S. Bergheim, G. Fenton Cameron, George Cary, D. H. Dyte e sua esposa, James Edmunds e sua esposa, James Gannon, Grattan Geary, William B. Gower, Robert Hannah, Jenner Gale Hillier e sua esposa, Henry Jeffery, H. D. Jencken, Albert Kisch, J. H. Levy, Joseph Maurice, Isaac L. Meyers, B. M. Moss, Robert Quelch, Thomas Reed, G. Russel Roberts, W. H. Sweepstone, William Volckman, Josiah Webber e Horace S. Yeomans.
Jornais e revistas deram visibilidade à empreitada e criaram grande expectação para a conclusão do caso. Enfim, nomes respeitados e reputados de grande sabedoria iriam se pronunciar sistematicamente sobre aqueles estranhos fenômenos — embora, no fundo, contava-se (especialmente a comunidade científica) que o parecer viria rechaçar a ideia espiritualista.
Durante cerca de dois anos os comissários se dividiram em seis subcomitês, colhendo matérias e depoimentos e participando de sessões, algumas particularmente reservadas para suas investigações, incluindo a participação de famosos médiuns da época, como o grande Daniel Dunglas Home.
O relatório final deste comitê foi apresentado à Sociedade Dialética de Londres em 20 de julho de 1870: um dos subcomitês concluiu haver indícios fortes de fenômenos “presumidamente espirituais”, enquanto os demais relataram não terem encontrado nada substancial e conclusivo. De qualquer forma, o parecer final contemplava a alegação dos espiritualistas, estabelecendo as seguintes premissas:
A evidência foi resumida no relatório, como se segue:
Ao apresentar o seu relatório, o Comitê, levando em consideração o caráter e grande inteligência de muitas das testemunhas a estes fatos extraordinários, a extensão na qual o seu testemunho é apoiado pelos relatórios dos subcomitês, e ausência de qualquer prova de fraude ou ilusão, no que se refere a grande parte destes fenômenos, e ainda tendo considerado o caráter excepcional destes fenômenos, o grande número de pessoas em cada classe social e toda a comunidade mundial, a qual é mais ou menos influenciada na crença da origem sobrenatural destes fenômenos, e ao fato que nenhuma explicação filosófica para eles tenha ainda sido proposta, é incumbida a eles declararem sua convicção que o assunto é suficientemente relevante para dispensa de atenção mais séria e investigação cuidadosa do que aquela recebida até o momento.
Dois dos subcomitês relataram falhas para obter ou observar os fenômenos, um deles investigou o médium Daniel Dunglas Home com resultados muito inconsistentes, e três testemunharam fortes manifestações físicas sem contato ou inteligência por detrás destas operações. Opinião contrária à do relatório foi registrada pelo Coordenador do comitê geral, Dr. James Edmunds e por mais três membros: Henry Jeffrey, Grattan Geary e H. G. Atkinson.
Alfred Russel Wallace declarou na obra Nos milagres do Espiritualismo Moderno (1875) que dos 33 membros atuantes do comitê, apenas 8 acreditaram nos fenômenos de imediato, enquanto que não mais do que quatro aceitaram a teoria espiritual. Durante os questionamentos/arguições, pelo menos 12 daqueles completamente céticos tornaram-se convencidos da realidade de muitos dos fenômenos físicos, ao frequentarem os subcomitês experimentais, quase todos eles através da mediunidade dos membros do comitê. Pelo menos três daqueles anteriormente céticos tornaram-se, mais tarde, completamente espiritualistas. O grau de convicção foi, aproximadamente, proporcional ao tempo e atenção dispensados às investigações.
Entre aqueles que forneceram evidências ou leram artigos antes das atividades do comitê foram: Wallace, Emma Hardinge Britte, H. D. Jencken, Benjamin Coleman (mais tarde um membro da British National Association of Spiritualists), Cromwell F. Varley, D. D. Home, e o professor de Lindsay. Correspondências foram recebidas de Bulwar Lytton, Dr. Robert Chambers, Dr. Garth Wilkinson, William Howitt, e Camille Flammarion.
Pouquíssima resistência ou relutância foi levantada. Lord Lytton acreditou em influências materiais cuja natureza era ignorada, Dr. Carpenter em atuação inconsciente, e Dr. Kidd no diabo. Ao cabo das discussões, o relatório foi aprovado, mas a direção da Sociedade recusou-se a publicá-lo oficialmente. Entretanto, o comitê entendeu que aquelas conclusões eram de interesse público e, desta forma, resolveu por publicar o seu relatório por meios próprios, tal como se deu em 1871.
Na imprensa em geral recebeu o relatório publicado pelo comitê com hostilidade.
The London Times pronunciou-se com “nada mais do que conclusões miscelâneas e impotentes, guarnecidas por uma monstruosa massa de lixo com nunca vista para a qual tivemos a infelicidade de apreciar. The Morning Post considerou-o totalmente inútil, sem valor. The Saturday Review mostrou-se desapontado e não mais se pronunciou nem um pouco para desacreditar o relatório "uma das mais inequívocas e aviltantes superstições que já foram encontradas entre os seres racionais”. " The Standard tomou uma visão de mente mais aberta. The Daily News declarou que "isto pode ser referente à uma importante contribuição para um assunto, o qual, em algum dia, considerando um grande número de seguidores, poderá demandar investigação mais extensa.” Por sua vez, o The Spectator concordou com as conclusões do relatório em que os fenômenos justificam investigações subsequentes e cuidadosas.
Embora o relatório considere apenas os aspectos relacionados aos fenômenos do Espiritualismo e não questiona a sobrevivência da alma ou Espírito, influenciou significativamente os investigadores a examinarem este assunto. Mesmo convictamente cético, o escritor Frank Podmore admitiu veementemente em seu livro Espiritualismo Moderno (2 vols., 1902): "O trabalho realizado pela Sociedade Dialética foi, sem dúvida, de valor, desde que reuniu e preservou para nós um grande número de dados de experiências pessoais por Espiritualistas representativos.”
Em A História do Espiritualismo, Sir Arthur Conan Doyle vai declarar:
“No futuro será reconhecido, de um modo geral, que em seus dias e naquela geração, a Comissão da Sociedade Dialética realizou um trabalho excelente. A grande maioria de seus membros se opunha às alegações psíquicas, mas, em face da evidência, com poucas exceções, tais como o Dr. Edmunds, estes reforçaram o testemunho dos sentidos. Houve poucos exemplos de intolerância, como a infeliz declaração de Huxley e a de Charles Bradlaugh de que nem mesmo examinaria certas coisas, porque se situavam na região do impossível; mas, em conjunto, o trabalho das subcomissões foi excelente.”
A História do Espiritualismo, Arthur Conan Doyle - cap. 14
Desde o trabalho efetuado por aquele comitê para investigação dos fenômenos do Espiritualismo Moderno, a Sociedade Dialética de Londres ganhou enorme projeção internacional e fomentou crescente interesse de cientistas e demais pensadores pela questão mediúnica e as consequências das revelações espíritas. Quando as divergências de ideias de seus membros e a sua burocracia institucional não mais permitiram a continuidade desta entidade, outras tantas lhe sucederam, dentre as quais se destacou a Sociedade de Pesquisas Psíquicas (Society for Psychical Research, no original em inglês), para onde migrariam Alfred Russel Wallace e outros colegas cientistas renomados.
Com isso, o Espiritismo foi forçosamente levado às considerações científicas, das quais nenhuma refutação consistente recebeu, seja para negar os efeitos práticos da fenomenologia espiritual, seja para derrubar seus postulados filosóficos, cuja moral — fundamentada no Evangelho do Cristo — e entendimento das problemáticas humanas — logicamente solucionáveis pelos princípios doutrinários espíritas, especialmente a lei de reencarnação — permanecem sem ser superados.
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