Superstição é o conjunto de crenças e práticas que se baseiam na ideia de causalidade entre um determinado ato causal e um evento resultante daquele, sendo esta relação considerada infundada, irracional e tola, sustentada então pela fé em uma ligação mística entre a causa e o efeito. Consequentemente, em geral o termo é aplicado de forma pejorativa para evidenciar e ou ridicularizar quaisquer ideias, concepções e tradições que estejam fora do entendimento da ciência, deslocando-as para a categoria dita “crendice popular”. Seja por pura ignorância, por preconceito ou por sistemático antagonismo doutrinário, o Espiritismo e toda a fenomenologia mediúnica têm sido ocasionalmente colocados dentre dessas crenças supersticiosas, pelo que a codificação kardequiana tratou de distinguir esta doutrina das superstições, demonstrando a naturalidade das manifestações espirituais e a justeza da sua mensagem moral, cuja racionalidade está em franca oposição a tudo o que é supersticioso.
A origem das superstições se perde na memória da História e seu desenvolvimento encontra-se presente em todos os povos, crescendo em meio aos mitos, folclores e tradições populares.
Esse vocábulo vem do latim superstitìo, que suscita interpretações variadas. Uma delas associa superstição ao conjunto de fobias oriundas do medo de que se pudesse “ofender os deuses” (especialmente nas culturas da Grécia Antiga e Império Romano) a partir de simples atos do cotidiano — mesmo os involuntários. Daí viriam as ideias de sorte ou azar supostamente sinalizados por determinados eventos (cruzar com um gato preto, passar por baixo de uma escada, quebrar um espelho etc.).
Noutro contexto, superstição representa “aquilo que excede a crença dominante”, ou seja: o que está fora da religião convencional, adentrando também no terreno do paganismo. A esta linha de interpretação se junta também a concepção de superstição como uma crença ou um ato — ineficaz e errôneo — cuja motivação é a de se presumir que tão somente certos eventos exteriores (como acender uma vela em determinada data e hora, recitar uma fórmula litúrgica etc.) possam suprir os compromissos religiosos e morais:
A superstição é um desvio do sentimento religioso e das práticas que ele impõe. Também pode afetar o culto que prestamos ao verdadeiro Deus: por exemplo, quando atribuímos uma importância de algum modo mágica a certas práticas, aliás legítimas ou necessárias. Atribuir só à materialidade das orações ou aos sinais sacramentais a respectiva eficácia, independentemente das disposições interiores que exigem, é cair na superstição.
Catecismo da Igreja Católica - 3ª parte, item 2111
Enquanto as doutrinas religiosas tradicionais admitem a validade de certos atos litúrgicos externos (por exemplo: o batismo para o cristianismo, a circuncisão para o judaísmo, o ramadã para o Islamismo) como parte dos seus compromissos de fé, ao lado do cumprimento de determinado comportamento moral, pensadores iluministas como Immanuel Kant não pouparam da ideia de superstição nenhum ato natural (prática exterior, físico) associado a alguma obrigação religiosa:
"A ilusão de mediante ações religiosas do culto obter algo em vista da justificação perante Deus é a superstição religiosa; assim como a ilusão de tal querer levar a cabo por meio do esforço em vista de um suposto trato com Deus é o fanatismo religioso. – É ilusão supersticiosa pretender tornar-se agradável a Deus por ações que todo o homem consegue fazer, sem que tenha justamente de ser um homem bom (por exemplo, pela confissão de proposições de fé estatutárias, pelo respeito da observância e da disciplina eclesial e quejandos). Chama-se supersticiosa porque escolhe para si simples meios naturais (não morais), os quais nada podem absolutamente operar por si em ordem ao que não é natureza (i.e., ao bem moral."
Religião nos limites da simples razão, Immanuel Kant - 2ª seção, § 2.
A partir daí, muitos pensadores da Era Moderna passaram a agregar no mesmo terreno da superstição todo fenômeno e todas as ideias que não satisfizessem as exigências positivas da lógica e da experimentação científica, portanto, admitindo como realidade e verdade somente o que é demonstrado pela racionalidade das ciências — leia-se: materialismo puro, exclusão da espiritualidade.
A superstição basicamente se caracteriza pela ligação direta entre dois elementos, a saber: um primeiro evento, que supostamente pode resultar num segundo evento (ou cadeia de eventos), que é o segundo elemento desse processo de causalidade, enquanto a ligação entre esses elementos seja — pelo menos aparentemente — desprovida de qualquer razão, lógica ou comprovação científica. Por sua vez, os supersticiosos, em suma, fundam sua crença nessa causalidade pela pura fé numa intervenção sobrenatural.
O evento causal (primeiro elemento) pode ser fortuito, acidental e involuntário — por exemplo, deixar cair sem querer um pouco de sal (associado a azar) ou um talher (associado à futura visita de alguém: homem, se for uma faca; mulher, se for um garfo ou uma colher) — ou pode ser consciente e voluntário, o que caracteriza a superstição também como uma prática, intencional, e não somente crença. Esta prática pode ser proativa (por exemplo; descascar uma laranja completamente conservando a casca numa única peço com o objetivo de atrair um pretendente de casamento; outro exemplo clássico: colocar a vassoura atrás da porta para espantar visitas indesejadas) ou uma ação em resposta a um sinal anterior, por exemplo: dar três pequenas batidas numa madeira para afastar o azar após cruzar com um gato preto (primeiro sinal).
Sabe-se de pessoas supersticiosas que estabeleceram um hábito de vida baseado em um verdadeiro ritual a partir de tradições para alegadas atrações de sorte e azar. Santos Dummont, inventor do avião, também é lembrado por sua mania de sempre dar o primeiro passo com o pé direito, tendo inclusive projetado em sua casa uma escada com o primeiro batente recolhido ao lado direito. O futebolista Mário Jorge Zagallo é um notável apologista ao número 13 — embora este número seja classicamente associado como sinal de azar.
A supersticiosidade se apresenta naturalmente quando não se vê uma explicação ponderável acerca dos elementos envolvidos nessas crenças típicas. É de se perguntar realmente, por exemplo; que relação existe em uma coceira (sensação física) atrás da orelha ser resultado de outro alguém (por vezes muito distante) estar falando mal do indivíduo que ora tem esta sensação? Ou ainda, que a coceira na palma da mão seja presságio de dinheiro que se estar por vir? Por outra: que azar ou perigo pode haver futuramente para quem passa por baixo de uma escada senão, basicamente, a possibilidade de esta mesma escada tombar sobre o transeunte no instante em que este se aventura ali passar?
Desde seu surgimento, a Doutrina Espírita tem sofrido a acusação de pertencer ao conjunto de superstições. Allan Kardec, o codificador espírita, tratou deste tema por diversas vezes ao longo de sua obra. Já no livro inaugural da doutrina, ele anota, distinguindo o Espiritismo da superstição:
"Portanto, ensinando o dogma da pluralidade das existências corporais, os Espíritos renovam uma doutrina que teve origem nas primeiras idades do mundo e que se conservou no íntimo de muitas pessoas, até aos nossos dias. Eles simplesmente a apresentam de um ponto de vista mais racional, mais de acordo com as leis progressivas da Natureza e mais de conformidade com a sabedoria do Criador, livrando-a de todos os acessórios da superstição."
O Livro dos Espíritos, Allan Kardec – questão 222
E então evidencia a distinção entre esses dois campos de ideias:
"O Espiritismo e o magnetismo nos dão a chave de uma imensidade de fenômenos sobre os quais a ignorância criou um número infinito de fábulas, em que os fatos se apresentam exagerados pela imaginação. O conhecimento lúcido dessas duas ciências que, a bem dizer, formam uma única, mostrando a realidade das coisas e suas verdadeiras causas, constitui o melhor preservativo contra as ideias supersticiosas, porque revela o que é possível e o que é impossível, o que está nas leis da Natureza e o que não passa de ridícula crendice."
Idem - comentário à questão 555
Completando mais adiante:
"Quanto aos Espíritos, sua lembrança se perpetuou sob os diversos nomes, conforme os povos, e suas manifestações, que nunca deixaram de se produzir, foram diversamente interpretadas e muitas vezes exploradas sob o manto do mistério; enquanto a religião viu fenômenos miraculosos, os incrédulos viram mentiras. Hoje, graças aos estudos mais sérios, feitos à plena luz, o Espiritismo livra-os das ideias supersticiosas que os obscureceram durante séculos e nos revela um dos maiores e mais sublimes princípios da natureza."
Idem - comentário à questão 668
Vê-se, portanto, que aquele conceito vulgar e preconceituoso era aplicado já desde o movimento que o precedeu a codificação espírita — o Espiritualismo Moderno, bem como, de uma maneira geral, todos os fenômenos mediúnicos:
"Os fenômenos modernos do Espiritismo têm atraído a atenção sobre fatos parecidos de todos os tempos e nunca a História foi tão ativa neste sentido como ultimamente. Pela semelhança dos efeitos, concluiu-se a unidade da causa. Como sempre acontece relativamente a fatos extraordinários que o senso comum desconhece, o ignorante viu nos fenômenos espíritas uma causa sobrenatural, e a superstição completou o erro misturando-os com crendices absurdas. Vem daí uma multidão de lendas, que na maior parte são um misto de poucas verdades e muitas mentiras."
O Céu e o Inferno, Allan Kardec - 1ª parte, cap. X, item 1
E vai dizer mais: que “A crítica malévola se agrada em representar as comunicações espíritas revestidas das práticas ridículas e supersticiosas da magia e da nigromancia, Entretanto, se os que falam do Espiritismo — sem conhecê-lo — procurassem estudá-lo, poupariam trabalhos de imaginação e alegações que só servem para demonstrar a sua ignorância e má vontade.”
Kardec observa o movimento materialista de seu tempo e analisa os reflexos propagados por esse movimento, cuja intenção é — já não admitindo sequer o mistério das coisas, pela pretensão de já se ter ciência de toda a Natureza — estabelecer uma rotina fundamentada simplesmente no saber científico catalogado pelas academias modernas e, com isso, excluir qualquer ideia de espiritualidade:
"Para os que consideram a matéria a única potência da Natureza, tudo o que não pode ser explicado pelas leis da matéria é maravilhoso, ou sobrenatural, e, para eles, maravilhoso é sinônimo de superstição. Se assim fosse, a religião — que se baseia na existência de um princípio imaterial — seria um tecido de superstições (...)
"Os que atacam o Espiritismo em nome do maravilhoso se apoiam geralmente no princípio materialista, porque, negando qualquer efeito extramaterial, por isso mesmo, negam a existência da alma. Porém, examinem o fundo das suas consciências, investiguem bem o sentido de suas palavras e descobrirão quase sempre esse princípio, se não categoricamente formulado, germinando por baixo da capa com que o cobrem, a de uma pretensa filosofia racional. Lançando à conta do maravilhoso tudo o que decorre da existência da alma, pois, são consequentes consigo mesmos: não admitindo a causa, não podem admitir os efeitos. Daí, entre eles, uma opinião preconcebida, que os torna impróprios para julgar lisamente do Espiritismo, visto que o princípio donde partem é o da negação de tudo o que não seja material."
O Livro dos Médiuns, Allan Kardec – 1ª parte, cap. II, itens 10 e 11
Explicando racionalmente os fenômenos mediúnicos, colocando-os na lei natural divina, a codificação kardequiana coloca-se então em oposição às superstições, respeitando seus limites de conhecimento, mas abrindo o campo para o estudo e a pesquisa acerca dos mistérios naturais a serem desbravados pela humanidade, progressivamente, conforme sejam aperfeiçoadas as capacidades humanas:
"Demonstrando que esses fenômenos fazem parte de leis naturais, como os fenômenos elétricos, e em que condições normais podem se reproduzir, o Espiritismo desfaz o império do maravilhoso e do sobrenatural e, conseguintemente, a fonte da maior parte das superstições. Faz com que acreditemos na possibilidade de certas coisas consideradas por alguns como impossíveis, também impede que se creia em muitas outras, das quais ele demonstra a impossibilidade e a irracionalidade."
A Gênese, Allan Kardec – cap. I, item 40.
É natural pensar que também as manifestações espirituais modernas, em meio à febre das Mesas Girantes daqueles meados do século XIX viessem, naqueles que pouco ou nada se instruíram a respeito, reacender velhas superstições e até suscitar novas. Contudo, de forma prática e didática, a codificação espírita veio refutar as ditas crendices, rechaçando o sincretismo das ideias supersticiosas com os conceitos fundamentais da nova doutrina.
A obra kardequiana vai então pontuar a invalidação de certas alegações, tais como a de que pudesse haver dia e hora especialmente consagrados para as sessões espíritas:
"Não há dias nem horas mais especialmente propícios às evocações: isso, como tudo que é material, é completamente indiferente aos Espíritos, além de ser supersticiosa a crença em tais influências. Os momentos mais favoráveis são aqueles em que o evocador pode conter-se melhor das suas preocupações habituais, calmo de corpo e de espírito."
O Céu e o Inferno, Allan Kardec – 1ª parte, cap. X, item 10
Ou o pretenso poder oculto de enfeitiçar:
"Algumas pessoas dispõem de grande força magnética, de que podem fazer mau uso, se seus próprios Espíritos forem maus, nesse caso, podem ser ajudados por outros Espíritos maus. Porém, não acreditem num pretenso poder mágico, que só existe na imaginação de criaturas supersticiosas, ignorantes das verdadeiras leis da Natureza. Os fatos que citam, como prova da existência desse poder, são fatos naturais, mal observados e sobretudo mal compreendidos."
O Livro dos Espíritos, Allan Kardec – questão 552
Em alusão às crenças semelhantes a astrologia, infere:
"Antiga superstição, que prendia os destinos dos homens às estrelas. Alegoria que algumas pessoas fazem a tolice de tomar ao pé da letra."
Idem - questão 867
Conforme melhor explicado aqui, tratando diretamente da crença na influência das constelações do zodíaco:
"Como esses agrupamentos só existem em aparência, o significado que uma crença vulgar e supersticiosa lhe atribui é ilusória, e sua influência não poderia existir senão na imaginação.
A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, Allan Kardec - cap. V, item 12
"Para distinguir suas constelações, foi dado a elas nomes como estes: Leão, Touro, Gêmeos, Virgem, Libra, Capricórnio, Câncer, Áries, Hércules, Grande Ursa ou Carro de David, Pequena Ursa, Lira etc., e as representaram pelas figuras que esses nomes lembram — fantasiosas em sua maioria, mas que, em todos os casos, não têm qualquer relação com a forma aparente do grupo de estrelas. Seria assim em vão procurar tais formas no céu.
"A crença na influência das constelações — sobretudo daquelas que compõem os doze signos do zodíaco — veio da ideia ligada aos nomes que elas trazem; se àquela que se chama leão fosse dado o nome de asno ou de ovelha, certamente lhe teriam atribuído outra influência."
"Antiga superstição, que prendia os destinos dos homens às estrelas. Alegoria que algumas pessoas fazem a tolice de tomar ao pé da letra."
Idem - questão 867
Quanto ao poder protetor dos talismãs, encontramos o ensino seguinte:
"(..) Ora, aquele que seja bastante bobo para acreditar na virtude de um talismã muito raramente deixará de desejar um fim mais material do que moral. Entretanto, em qualquer caso, essa crença denuncia uma inferioridade e uma fraqueza de ideias que favorecem a ação dos Espíritos imperfeitos e gozadores."
Idem - questão 854
Também destaca a supersticiosidade que algumas pessoas acrescentam à arte vulgar de interpretação dos sonhos:
"Os avisos por meio de sonhos desempenham grande papel nos livros sagrados de todas as religiões. Sem garantir a exatidão de todos os fatos narrados e sem os discutir, o fenômeno em si mesmo nada tem de anormal, sabendo-se como se sabe que durante o sono é quando o Espírito — estando desprendido dos laços da matéria — entra momentaneamente na vida espiritual, onde se encontra com os que são seus conhecidos. Essa é a ocasião que com frequência os Espíritos protetores aproveitam para se manifestar a seus protegidos e lhes dar conselhos mais diretos. São numerosos os casos de avisos em sonho, porém, não se deve inferir daí que todos os sonhos são avisos, nem, ainda menos, que tudo o que se vê em sonho tem uma significação. A arte de interpretar os sonhos deve ser incluída entre as crenças supersticiosas e absurdas."
A Gênese, Allan Kardec – cap. XV, item 3
Enfim, Kardec, exalta o valor de se conhecer o Espiritismo, para a iluminação pessoal e para a extinção da superstição e seus prejuízos:
"Quem quer que tenha meditado sobre o Espiritismo e suas consequências e não o reduza à produção de alguns fenômenos terá compreendido que ele abre uma estrada nova à Humanidade e desvenda seus horizontes do infinito. Iniciando os homens nos mistérios do mundo invisível, mostra a eles o seu verdadeiro papel na criação, papel perpetuamente ativo — tanto no estado espiritual, como no estado corporal. O homem já não caminha às cegas: sabe de onde vem, para onde vai e por que está na Terra. O futuro se revela a ele em sua realidade, livre dos prejuízos da ignorância e da superstição. Já não se trata de uma vaga esperança, mas de uma verdade palpável — tão certa como a sucessão do dia e da noite. Ele sabe que o seu ser não se acha limitado a alguns instantes de uma existência transitória; que a vida espiritual não se interrompe por efeito da morte; que já viveu e tornará a viver e que nada se perde do que tenha ganho em perfeição; em suas existências anteriores depara com a razão do que é hoje e reconhece que: do que ele é hoje — qual se fez a si mesmo — poderá deduzir o que será um dia."
Idem - cap. XVIII, item 15
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