José Pedro de Freitas (Congonhas, Minas Gerais, 18 de outubro de 1921 - Congonhas, 11 de janeiro de 1971) mais conhecido como José Arigó ou simplesmente Zé Arigó, foi um célebre médium e dirigente do Centro Espírita Jesus Nazareno, em sua cidade natal (à época, Congonhas do Campo), ganhando fama nacional e internacionalmente devido às extraordinárias cirurgias espirituais assistidas pelo Espírito denominado Dr. Fritz. Acusado de charlatanismo, foi condenado e preso, depois anistiado pelo então presidente da República Juscelino Kubitschek; em seguida, condenado e preso novamente, apesar de forte apelo popular contrário à sua prisão. Foi contemporâneo e amigo de Chico Xavier e José Herculano Pires — os mais notáveis influenciadores espíritas de seu tempo. Herculano inclusive foi seu biógrafo e destemido defensor da integridade moral de Arigó, em meio a controvérsias no movimento espírita quanto ao menor interesse daquele médium pelas questões doutrinárias do Espiritismo em relação ao trabalho de cura, embora suas capacidades mediúnicas não suscitassem dúvidas muito sérias; ao contrário, elas evidenciavam uma exuberante força psíquica, que foi consagrada às pessoas mais carentes.
Zé Arigó (1921 - 1971)
O simples “Zé” nasceu numa família de roceiros, sitiantes numa fazenda distante seis quilômetros da cidade mineira Congonhas (famosa pela arte do mestre Aleijadinho), sendo um dos oito filhos do casal Antônio de Freitas Sobrinho e Maria André de Freitas. As escassas condições financeiras só lhe permitiram cursar até o terceiro ano do ensino fundamental, forçando-o precocemente a se dedicar ao trabalho da roça. Tentando a sorte na cidade, investiu dois anos como proprietário de um pequeno bar e dele se desfez para ingressar numa companhia de mineração, onde trabalharia por seis anos.
Seu pouco estudo e seu jeito rude no trato com as coisas rendeu-lhe, nessa época, um qualificativo que se tornaria seu sobrenome conhecido:
Ao lado da ausência de uma cultura letrada, contudo, desenvolvia nele um carisma especial que envolvia as pessoas com quem se relacionava mais aproximadamente, o que lhe arrastou ao movimento sindical e, consequentemente, à política, predominando nele uma incomum preocupação com os mais necessitados. Mais tarde, seria nomeado servidor da autarquia pública de pensões IAPETC (posteriormente incorporada ao INSS) lá prestando serviço até sua aposentadoria.
Em 1942, aos vinte e cinco anos de idade, casou-se Arlete Soares de Freitas, sua prima em 4º grau — a quem chamava de "anjo encarnado" — de cuja união nasceram seis filhos: José Tarcísio, Haroldo, Eri, Sidney, Leôncio Antônio e Leonardo José.
A par dos acontecimentos comuns de sua trajetória, Zé Arigó carregava a singularidade de impressionantes capacidades mediúnicas. A síntese dessa trajetória assim foi descrita pelo filósofo Herculano Pires:
Ainda na infância, o pequeno Zé protagonizou no seu cotidiano episódios em que estranhos fatos então incompreendidos e que mais tarde lhe seriam naturalmente explicados como intervenções espirituais. Muitos desses episódios, aliás, viriam lhe render até castigos físicos dos pais, como repreensão à “imaginação fértil” do menino.
Educado na cultura católica e totalmente alheio ao Espiritismo e à mediunidade, Zé cresceu convivendo com certos infortúnios que sua sensibilidade especial lhe causava, sem compreender a si próprio e tendo que desconsiderar o estranhamento comum das pessoas que lhe ridicularizavam.
Em certo momento, já homem feito, casado e pai de família, os fenômenos se intensificaram e o arrastaram para um despertar das atribuições excepcionais que lhes seriam confiadas, mediante seu planejamento reencarnatório. Ele começou a ter fortes dores de cabeça, visões de um forte facho de luz, seguidas muitos pesadelos; nos sonhos, era recorrente uma voz gutural, num idioma que ele ignorava. Certa noite, teve um sonho bem mais nítido, em que estava numa sala de cirurgia, entre médicos e enfermeiras, usando trajes antigos, reunidos em torno de um paciente submetido a uma operação sob a direção de um homem robusto e calvo, de quem reconheceu a voz estrangeira. Após repetidas noites com o mesmo sonho, aquele personagem central se apresentaria ao Zé pelo nome Dr. Adolpho Fritz, dizendo-se médico alemão desencarnado durante a I Guerra Mundial, sem completar sua obra na Terra. Arigó teria sido o seu escolhido para ser o médium que deveria completar a sua obra. Outros Espíritos, que também tinham sido médicos encarnados, igualmente lhe ajudariam, e Arigó então deveria dedicar-se à tarefa de curar os enfermos e aflitos. Ao despertar abruptamente, fortemente assustado, Arigó pulou da cama e saiu correndo nu para a rua, aos gritos. Parentes e vizinhos o reconduziram à sua casa, enquanto ele chorava copiosamente.
Submetido a exames clínicos e psicológicos, nada de anormal nele foi diagnosticado, mas os pesadelos e as dores de cabeça continuavam. Recurso comum nesses casos, ele foi levado ao pároco da cidade, que tentou ajudá-lo com sessões de exorcismo — obviamente, sem nenhum resultado positivo.
Já um tanto convencido da real existência do Espírito do tal Dr. Fritz — e de não estar louco — ele vai passar por uma experiência inusitada: encontrando fortuitamente um amigo aleijado, que usava muletas para andar, Arigó fora tomado de um impulso que o levou a bradar “Já é tempo de você largar estas muletas!”, ao mesmo tempo em que arrancava dele aqueles amparos, ordenando-o que caminhasse. E de fato ele o fez, passando deste dia em diante a caminhar normalmente.
Arigó em frente à sua casa
Em depoimento à escritora Leida Lúcia de Oliveira, o próprio Dr. Fritz — incorporado em Arigó — relata sua biografia na vida passada.
Adolf Fritz nasceu em Munique, Alemanha, filho de camponeses, que depois migraram para a Polônia em busca de um clima melhor, já que seu pai era asmático. Semelhante ao médium escolhido, ingressou muito cedo no trabalho para ajudar a família, não deixando jamais de lado um obstinado desejo de ser médico. Com esforço conseguiu entrar na faculdade de medicina e quando ainda estava estagiando num hospital, pouco tempo faltando para sua formatura, teve o infortúnio de ser responsabilizado pelo procedimento equivocado de uma enfermeira assistente num atendimento de urgência de uma filha de um general.
Desenho mediúnico do Dr. Fritz
Ainda no comecinho de sua jornada, quando o Dr. Fritz despertava Arigó para a necessidade do trabalho espiritual, o médium teve contato com um renomado político de seu estado, que mais adiante se consagraria senador da República, resultando daí um caso que ganhou certa notoriedade.
Lúcio Bittencourt estava em campanha para a eleição de 1950, concorrendo a uma vaga para deputado federal, malgrado a advertência dos seus médicos, devido a ele ter sido diagnosticado com câncer pulmonar; a recomendação era a de ele procurar uma operação imediatamente, de preferência nos Estados Unidos, em razão da escassez de recursos técnicos para tal caso no Brasil, e ainda assim sem muitas esperanças de grande êxito. Entretanto, Bittencourt deliberou adiar a cirurgia para depois das eleições. Em meio à sua campanha, achou-se lado a lado num palanque com Zé Arigó em Congonhas. O futuro deputado ficou impressionado com o carisma e o magnetismo transmitidos no discurso feito por aquele sindicalista iletrado e o convidou a lhe seguir para Belo Horizonte, onde participariam de mais um comício. Acabou que o político e o médium ficaram hospedados num mesmo hotel, onde se daria um fato surpreendente — para os dois.
Estando Lúcio Bittencourt estendido na cama de seu quarto, pensativo e preocupado com seu quadro de saúde, viu a porta do recinto abrir-se e por ela adentrar o seu correligionário. Arigó, ora com um aspecto estranhamente grave, acendeu a luz do quarto e, com uma navalha na mão, fez com que o político lhe oferecesse as costas. Estarrecido com a "invasão", o paciente tentou erguer-se, mas uma estranha fraqueza o dominou e o fez cair em sono profundo. Desperto na manhã seguinte, verificou que seu pijama estava rasgado nas costas e coberto de sangue já coagulado. O próprio médium, ao ouvir o relato do operado, ficou abismado, porque de absolutamente nada se recordava. O tumor cancerígeno havia sido removido, e, como se confirmou mais tarde, o paciente ficou completamente curado.
Especialmente esses dois êxitos — o do senador e aquele do aleijado — animaram Arigó a ouvir e dar crédito ao amigo espiritual, do que brotou uma parceria admirável.
Obedecendo às orientações do doutor invisível, Arigó começou a gastar a navalha. A fama de curandeiro correu depressa e a demanda cresceu vertiginosamente. Não tardou, ele abriu um consultório em Congonhas para atender os desesperados que lhe apelavam socorro. As das incisões, por vezes Dr. Fritz também prescrevia remédios e passava receitas caseiras.
E assim se estabeleceu uma rotina: depois do seu expediente no IAPETC, no período da tarde, o médium ia para o seu consultório atender o grupo, cada vez maior, de enfermos até perder a conta das horas de serviços prestados, noite adentro — e cumpre que se diga: sempre ao custo de zero pagamento. No máximo, aqui e acolá custava ao paciente um conselho mais cru do Dr. Fritz. Numa dessas ocorrências, o alemão disse a um rapaz que lhe reclamava dores abdominais: “Vai embora. Você não tem nada. Come demais e dorme demais. Só isso. Mande tirar uma chapa. Se tiver alguma coisa traga aqui que eu engole!”
A procura pelo médium só crescia. O expediente no consultório girava em torno de duzentos atendimentos diários, tanto que às vezes o médium também dava plantão na parte da manhã, não obstante a rudeza com que frequentemente o doutor do além falava pela boca do médico do Zé. E delicadeza dali passava longe mesmo. A primeira aparição do Dr. Adolf Fritz causou espanto ao médium, que descreveu: "Era um monstro com uma barriga enorme a cara de alemão".
De outra feita, uma madame que estava gravemente enferme viajara de longe para “tentar a sorte” no consultório de Arigó, mas ao invés de lá se apresentar pessoalmente, enviou o seu chofer. Ao ver o rapaz na fila, o Espírito incorporado no médium bradou “O que você veio fazer aqui? Você não ter nada. Vá embora! Dê o lugar pra quem precisa!”
Aos pacientes do tipo recorrente, nem escutava a queixa: “Não precisa. Já sei. Você bebe tudo gelado, pita muito. Como quer sarar da bronquite? Bebida e fumo estão acabando com brasileiros!”
Até quando queria ser consolador, era grosso:
Também no amparo dos trabalhos de Arigó/Fritz, numerosas entidades espirituais prestavam serviço. Falava-se até da existência de um exército de seiscentos pigmeus africanos liderado por um Espírito denominado Papudo (em virtude do papo que lhe engrossava o pescoço).
Tão impressionante quanto o resultado em si (muitas curas foram relatadas) é o modo de atuação do Dr. Fritz via Zé Arigó. Além das receitas ele atuava simplesmente com facas e canivetes para fazer pequenas incisões e extrair tumores e quistos dos pacientes, ali mesmo na sala onde outros enfermos aguardavam a vez, à vista de qualquer um, numa velocidade desafiadora e um ar de simplicidade e segurança do que está fazendo, tal a de alguém que está apenas descascando uma fruta. E tudo isso sem anestesia ou cuidados especiais de assepsia, em que o paciente nada mais sentia do que um contato externo, porquanto eram tomados por uma espécie de prostração.
Dr. Fritz em ação, incorporado em Arigó
O célebre pesquisador espírita Jorge Rizzini conta que, certa vez, Fritz pediu mais luz ao colega Espírito Frei Fabiano de Cristo e vários doentes caíram em estado de catalepsia.
Com o nome correndo mundo a fora, gente do restante da América Latina, dos Estados Unidos, Europa e até do Japão desembarcaram para se submeter ao doutor espiritual. Outros vieram para verificar o fenômeno.
Esse o caso dos norte-americanos Dr. Andrija Puahrich e Dr. Henri Belk, cientistas da área médica e interessados em paranormalidade, que em 1963 foram a Congonhas acompanhados de dois intérpretes da Universidade do Rio de Janeiro, além de Jorge Rizzini, que se ofereceu para filmar o atendimento.
Acontecia que o Dr. Puahrich há mais de sete anos era portador de um tumor, embona não de tipo maligno, um lipoma, dentro do cotovelo esquerdo, que, apesar de indolor, incomodava um tanto. Conquanto hesitante, o Dr. Puahrich resolveu pedir a Arigó para extirpar o lipoma. E aí foram feitos todos os preparativos para a filmagem do evento. Quando Puahrich chegou à clínica, na manhã seguinte, Arigó virou-se para os pacientes, que já enchiam a sala e perguntou: “Alguém aí tem um bom canivete brasileiro para usar neste americano?” Embora horrorizado, Puahrich não podia mais recuar. De todos os lados apareceram canivetes. Então, Arigó, ou melhor, Dr. Fritz escolheu um e se voltou para o paciente dizendo, com a delicadeza que lhe era peculiar: “Arregace a manga, doutor!”
Alguns segundos depois, Puahrich sentiu na palma da mão algo macio, juntamente com o canivete. Era o lipoma. Olhou para seu braço e notou a parte onde ficava o tumor totalmente desinchada. Havia apenas uma pequena incisão, de menos de cinco centímetros de comprimento e uma pequena quantidade de sangue. O americano experimentou apenas uma vaga sensação e declarou mais tarde: “Nada senti. Não podia acreditar no que aconteceu e, entretanto, acontecera, pois, quanto a isso, não pode haver mais dúvida.”
A cirurgia não foi seguida de qualquer infecção e o ferimento cicatrizou completamente. O filme de Rizzini ficou muito nítido e mostrou que a operação durara apenas alguns segundos. Os americanos não tiveram mais dúvidas e ficaram totalmente convencidos da veracidade dos fenômenos.
A repercussão dessa operação foi sucedida por outras mais, como o caso de uma equipe japonesa formada por quinze membros da televisão de Tóquio (Nipon Television Network Corporation) reportando as investigações do professor e escritor Toshyia Nakaoka, que foi duas vezes operado pelo médium.
Criado num de católicos praticantes, Arigó cresceu trabalhando e rezando o rosário, sem muitas dúvidas ou preocupações teológicas. E, mesmo já prestando atendimento espiritual com o médico do além havia cinco anos, permaneceu alheio às questões religiosas e se declarando católico. Em dado momento, porém, começou a ser ostensivamente questionado sobre a conformidade desse ofício inusitado com o catecismo da igreja. Cansado dessas querelas e dos açoites de clérigos, resolveu deixar a igreja de lado e se declarar espírita, carregando, como lembrança do catolicismo, um já gasto crucifixo, que ele conservava todo o tempo no bolso.
Após essa ruptura, aproximou-se de um conterrâneo estudioso do Espiritismo com ele e se iniciou na doutrina codificada por Allan Kardec. Daí então surgiu o Centro Espírita Jesus Nazareno, o primeiro de Congonhas. Apoiado por este grupo, o médium passou a atender seus pacientes na sede da instituição.
No entanto, esse nome qualificativo e o refúgio no centro espírita não lhe aliviariam as críticas; ao contrário, agora, além de precisar se defender de não ser um charlatão, tinha que enfrentar a fúria do fanatismo religioso pela acusação de heresia.
Mas o trabalho continuava.
Além dos pobres anônimos, pesquisadores e curiosos em geral, a fila crescia de gente de tudo quanto era lugar. Congonhas passou a ter linha de ônibus regular para São Paulo, Santiago do Chile e Buenos Aires da Argentina. E como não poderia ser diferente, celebridades e pessoas da alta sociedade igualmente marcavam presença em Congonhas em busca do tratamento do Dr. Fritz. Porém todos, qualquer que fosse o status, eram tratados com equidade e Arigó seguia prestando seus serviços sem jamais cobrar nada — embora se dissesse que ele não recusava presentes.
A fama veio acompanhada de sérios problemas: além de enfrentar a perseguição do clero católico e seus fiéis mais fanáticos, Arigó se viu de encontro com as autoridades de justiça. Em 1958 a Associação Médica de Minas Gerais o processou, sob a acusação de prática de curandeirismo; condenado a quinze meses de prisão, Arigó foi preso, mas logo em seguida recebeu o indulto do então presidente da República, Juscelino Kubitschek (que era declarado simpatizado da obra de Chico Xavier e do Espiritismo, conquanto se declarasse católico) e retornou ao seu emprego na agência pública e a executar seu vocacionado mediúnico no Centro Espírita Jesus Nazareno. Um ano depois, o médium retribuiria o favor ao presidente curando sua filha, Márcia Kubitschek, de uma sofrida crise de cálculos renais.
Entretanto, em 1964, ele vai responder a novo processo, pela mesma acusação e pelo mesmo autor da denúncia do julgamento anterior. Lendo a sentença, Arigó ouviu do escrivão:
Na sequência da leitura, a condenação e a pena estipulada em dezesseis meses de xadrez. A caminho da penitenciária de Conselheiro Lafaiete, o médium, resignado, disse a um jornalista: “Agora vou ter muito tempo para ler o Evangelho”. A mais influente revista da época, O Cruzeiro, ironizou o infortúnio do espírita com uma matéria intitulada ‘O feitiço contra o feiticeiro’, mas reconheceu a resignação do condenado: “Como a delegacia de Congonhas não dispõe de veículo para conduzir presos, Arigó foi para o xadrez dirigindo seu jipe, acompanhado por dois soldados da Força Pública e pelos filhos e irmãos (ele tem seis filhos). O jipe era seguido por numerosos automóveis, cujas buzinas soavam lugubremente, expressando a fé de alguns adeptos nos misteriosos poderes do ‘médium’, os quais, para seu infortúnio, não bastaram para comover a Justiça.”
O presidente prontamente se comprometeu a lhe indultar novamente, mas desta vez o condenado recusou a gentileza: “indulto é para criminoso” — alegou Arigó, que só não havia rejeitado aquele primeiro, concedido em 1958, por sequer saber exatamente de que se tratava tal “privilégio”.
Arigó preso
Em dias de visitação, verdadeira caravana se dirigia ao presídio para visitá-lo: alguns para lhe levar consolo, outros para buscar cura de suas doenças — e o Dr. Fritz não se ausentou. Outra importante revista da época, Fatos e Fotos, publicou uma matéria — bem mais branda que o editorial de O Cruzeiro — intitulada ‘O milagre continua’. Conta-se que até o delegado da cidade levou a mãe para se tratar através do médium detento, que não se recusou a consulta, contudo não lhe permitiu furar a fila, que já era considerável àquela hora do dia.
Dócil para com todos, o médium recebeu tratamento diferenciado dos demais presos, mas fez dessas regalias uma campanha em prol de melhores condições a todos os ali penitenciados. "É uma pena o que fazem com esses meus colegas, gente boa, que precisa ser melhor tratada para se corrigir!” — declarou ele. Herculano Pires registrou seus apelos:
Chegou a denunciar espancamento e humilhações contra outros detentos a que ali presenciara, conseguindo inclusive a abertura de alguns inquéritos a respeito. Certa vez, diante dos fatos absurdos que presenciou, foi tomado de forte comoção e sofreu um enfarte que obrigou a sua remoção para um hospital. Seu sofrimento era intenso. Mas todos os que o visitavam saíam consolados com as suas palavras: "Tudo o que Deus faz é bom — dizia ele constantemente —. Se Deus me permitiu vir para cá era porque eu tinha alguma coisa a fazer."
O serviço de correspondência da Secretaria Particular do Presidente da República divulgou que, entre outubro de 1964 e julho de 1965, das oitenta mil cartas ali recebidas, do país e do exterior, a maioria destinava-se a pedir indulto para o médium sacrificado. Dos pedidos do exterior destacavam-se ofícios e memorandos de instituições interessadas em pesquisas psíquicas.
Pedidos de apelação foram feitos, mas o Tribunal de Alçada de Minas Gerais confirmou a sentença do Juiz, apesar de todas as razões da defesa formulada pelo advogado Jair Leonardo Lopes, apoiado por importantes pareceres de grandes juristas do Rio, de Belo Horizonte e de São Paulo. Em seu livro Arigó – a verdade que abala o Brasil, o jornalista Moacir Jorge chamou Arigó de “réu sem vítimas”, pois desses dois milhões de clientes nem um só recorreu à Justiça para processá-lo. Nem um só reclamou contra qualquer prejuízo. Todos foram beneficiados. Nenhum médico, dos mais famosos, se encontra nessa situação privilegiada, no mundo inteiro.
As grandes instituições espíritas não se comprometeram efetivamente na defesa do médium, exceção feita ao Clube dos Jornalistas Espíritas do Estado de São Paulo — muito em função da mobilização feita por José Herculano Pires, amigo e íntimo conhecedor da obra de Zé Arigó. O Clube enviou várias delegações a Congonhas e posteriormente a Lafaiete, oferecendo assistência jurídica e amparo moral. O caso foi afinal parar no Supremo Tribunal Federal e ali se obteve — por unanimidade — a anulação da sentença. Arigó foi solto e os autos voltaram ao Juiz de Congonhas para proferir nova sentença. Em liberdade provisória, à espera do novo pronunciamento da Justiça, Arigó foi recebido em Congonhas com verdadeira festa popular. E continuou no cumprimento da sua missão.
Obviamente que as perseguições não sossegariam, e muito natural imaginar Arigó a questionar a justeza das coisas em meio a tantos desajustes. Seu amigo Herculano mesmo registrou um momento desses:
A “despreocupação” de Arigó com as letras da doutrina sempre incomodou os kardecistas mais ortodoxos e não é surpreendente que ainda atualmente alguns destes lhe neguem a qualidade de espírita.
Sua mediunidade era notória demais para ser questionada e os efeitos dela não exigiam muito estudo doutrinário para serem bem compreendidos; a questão, no entanto, era a forma como estava sendo utilizada. Herculano Pires, seu amigo e pessoal defensor, pontuou o que horror que pairava no meio dos seus confrades em relação ao modus operandi do matuto de Congonhas:
Pesava contra ele também acusações de certos benefícios materiais colhidos a partir dos serviços espirituais: ele não cobrava, mas aceitava e fazia uso de presentes espontâneos — o que deixava muitos espíritas escandalizados.
Em dado momento ele, seu pai e seus irmãos alcançaram uma condição financeira melhor, de roceiros a fazendeiros, o que serviu de sugestão para certas pessoas os acusarem de enriquecimento por benefício da fama dos trabalhos espirituais, ainda que por negócios indiretos. Um dos irmãos de Arigó, por exemplo, era dono da pensão que hospedava os romeiros; respondendo ao Diário de São Paulo sobre um possível favorecimento com este negócio, por conta do irmão médium, ele depôs que montou a pensão para que os doentes não ficassem abandonados nas ruas, mas que não precisava dela (já que somente o arrendamento de sua fazenda para a extração de minério lhe garantia um confortável sustento familiar). Acentuou que os doentes pobres nada pagavam, sendo justo que os outros, de posse, o fizessem. Não seria espantoso haver quem considerasse Arigó, senão diretamente desonesto, pelo menos cúmplice de interesseiros. Quanto a isso, o Dr. Fritz declarou: "Arigó não vende doutrina e foi por isso que o escolhi. Levei quinze anos preparando este médium e não o faria se não estivesse seguro de que ele é honesto."
A infração às regulamentações da prática regular da medicina igualmente causava controvérsia entre os espíritas. Alguns ainda ajuntavam que a operação espiritual bem poderia dispensar as incisões — especialmente feitas por instrumentos rústicos (como canivetes comuns) ainda por cima operadas em qualquer lugar (e não num exclusivamente num centro espírita) e sem nenhuma privacidade para os pacientes (aos olhos de todos, inclusive de curiosos).
Dos confrades espíritas que em seu tempo mais prestigiaram a obra do médium congonhense e o abraçaram sem censura, destacamos José Herculano Pires, Jorge Rizzini, Chico Xavier e Divaldo Franco.
José Arigó e Divaldo Franco
Arigó foi visitado algumas vezes pelo colega Chico Xavier. Numa dessas visitas, registra-se uma psicografia do médium vindo de Uberaba, atribuída ao Espírito André Luiz, obtida em 23 de dezembro de 1952, numa sessão no Centro Espírita Jesus Nazareno (onde Arigó operava seus pacientes) mensagem aliás famosa pelo teor — embora intitulada “Mensagem de Natal” — traçando uma previsão para os futuros acontecimentos políticos do país para as décadas seguintes àquela ocasião.
Sabendo que o amigo sofria de sérios problemas visuais, Arigó teria se oferecido tratá-lo, mas a oferta foi recusada, segundo uma biografia de Chico Xavier:
Mas na primeira edição do programa Pinga-Fogo, da antiga TV Tupi de São Paulo, Chico Xavier deu um afetuoso depoimento em favor de Arigó:
Outro médium e amigo comum de Arigó e Chico, Waldo Vieira, deu testemunho das fantásticas capacidades mediúnicas produzidas pela parceria do congonhense com o Dr. Fritz. Conta Waldo que certa vez, enquanto o médico invisível operava um paciente como de habitualmente, uma mulher veio testar seu alemão e ele respondeu prontamente naquele idioma, a despeito de Arigó mal falar o português, consistindo assim mais uma evidência irrecusável do fenômeno mediúnico. Waldo diz também ter pressentido e alertado Arigó do perigo de ele abusar da velocidade ao volante, especialmente considerando a sinuosidade das estradas da região.
Zé Arigó, Chico Xavier e Waldo Vieira
Zé Arigó faleceu justamente de um acidente automobilístico. Pouco dias antes, tivera um sonho prevendo para breve a sua passagem para o plano espiritual. No dia 11 de janeiro de 1971, ele esteve na clínica, como de costume, mas avisou aos seus pacientes que teria que ir a uma cidade vizinha. Por volta do meio-dia, enquanto dirigia, teve um mal súbito, perdeu o controle e, passando à contramão, colidiu com um veículo que vinha em sentido contrário. Na violência do choque, perdeu a vida por traumatismo craniano, ainda por completar seus cinquenta anos de vida.
Foi-se o médium e ficou um legado inestimável.
Uma de suas biógrafas, Leida Lúcia de Oliveira, que conviveu desde a infância e cresceu assistindo às sessões espirituais de Arigó, assim o descreve:
Quanto ao legado de Zé Arigó para a humanidade, seu amigo Herculano Pires sintetiza:
Às vésperas do centenário de nascimento do médium de Congonhas, uma produção cinematográfica contando sua trajetória chegou a ficar pronta, mas sua estreia nos cinemas acabou sendo adiada em função da pandemia de covid-19; o filme Predestinado - Arigó e o Espírito do Dr. Fritz, produzido em 2019 sob a direção de Gustavo Fernandez e estrelado por Danton Mello, teve então seu lançamento adiado para 1 de setembro de 2022, realizado, aliás, com grande sucesso.
Cartaz do filme Predestinado - Arigó e o Espírito do Dr. Fritz
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