Oração, no mesmo sentido que a prece, é uma invocação religiosa mediante a qual o orador intenta uma conexão com as potências espirituais — principalmente Deus, ou seus intermediários (santos, anjos, Espíritos superiores etc.) — seja para fazer um pedido, para agradecer ou louvar. A Doutrina Espírita reconhece a eficácia e o valor da oração e, ainda mais, torna compreensível a sua ação, explicando o modo de transmissão de pensamento, o estabelecimento da sintonia entre aquele que ora e aquele que é invocado, os resultados práticos possíveis do ato de orar e as características que definem a verdadeira e eficaz oração, que torna o indivíduo mais próximo da divindade e dos bons Espíritos, angariando assim mais inspiração e força moral para sua evolução espiritual. Na codificação espírita, encontramos ensinamentos acerca da oração especialmente em O Evangelho segundo o Espiritismo, de Allan Kardec. O poder da oração tem sido objeto de interesse da ciência e há inúmeros estudos científicos favoráveis à ideia positiva da ação da prece em favor dos pacientes que oram ou daqueles por quem são feitas intercessões desse gênero.
Etimologia e contexto histórico
O vocábulo oração vem do latim oratìo,ónis, que se traduz como discurso, linguagem, palavra, exortação etc. Também de origem latina, prece vem dos termos prex, precis, associados ao sentido de pedido e súplica.
No contexto religioso, orar é um fundamento que estabelece uma ligação dos fiéis com as forças superioras da espiritualidade para os mais diversos fins. Algumas religiões desenvolvem um modo particular de orar através de uma liturgia, com preces e ritos sacramentais pré-definidos — também conhecidos como rezas — considerados indispensáveis para o seu ofício religioso, também adotando esse tipo de adoração como um mecanismo de salvação da alma. O Espiritismo, por sua vez, dispensa todo ritualismo e qualquer formalidade, observando as instruções do Cristo no tocante a essa prática:
“E, quando orarem, não sejam como os hipócritas, que gostam de orar em pé nas sinagogas e nos cantos das praças, para serem vistos pelos outros. Em verdade lhes digo que eles já receberam a sua recompensa. Mas, ao orar, entre no seu quarto e, fechada a porta, ore ao seu Pai, que está em secreto. E o seu Pai, que vê em secreto, lhe dará a recompensa. E, orando, não usem vãs repetições, como os gentios; porque eles pensam que por muito falar serão ouvidos. Não sejam, portanto, como eles; porque o Pai de vocês sabe o que vocês precisam, antes mesmo de lhe pedirem.”
Mateus, 6: 5 a 8
Segundo a Revelação Espírita, a prática da oração — assim como a religiosidade humana — desenvolveu-se naturalmente em todos os povos, desde os mais primitivos; é, portanto, um “Sentimento inato, como o da existência de Deus. A consciência da sua fraqueza leva o homem a se curvar diante daquele que o pode proteger.” (O Livro dos Espíritos, Allan Kardec - questão 650)
Desse modo genuíno de expressão íntima, porém, o significado da oração foi sendo moldado ao longo dos tempos ao sabor das crenças, servindo em muitos cultos como instrumento ritualístico, místico e formalizado para práticas exteriores.
Revivescendo seu significado original, o Espiritismo define a característica geral da prece:
“A prece é um ato de adoração. Orar a Deus é pensar nele, é se aproximar dele, é se colocar em comunicação com ele. Pela prece nós podemos nos propor três coisas: louvar, pedir e agradecer.”
O Livro dos Espíritos, Allan Kardec - questão 659
Além desse direcionamento a Deus, as preces podem ser dirigidas aos intermediários divinos, embora esteja sempre subordinada à vontade do Criador:
“A prece é uma invocação; através dela, nós nos colocamos em contato pelo pensamento com o ser a quem nos dirigimos. [...] As preces endereçadas a Deus são recebidas pelos Espíritos encarregados da execução das vontades divinas; as que se dirigem aos bons Espíritos são reportadas a Deus. Quando oramos aos outros seres que não a Deus, é apenas como intermediários, intercessores, pois nada pode ser feito sem a vontade de Deus.”
O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec - cap. XXVII, item 9
Características da prece
Basicamente, a oração pode ter por objetivo:
- Louvor, glorificação, adoração, mediante o sentimento de reconhecimento e contentamento diante das forças divinas e de sua obra;
- Súplica, pedindo uma graça para si ou intercedendo por terceiros — sejam eles encarnados ou desencarnados;
- Agradecimento por uma graça alcançada.
Conforme a Doutrina Espírita, a oração pode ser feita na intimidade do indivíduo ou pública e coletiva, sob a condição de uma concentração de sentimentos:
“A prece em grupo tem uma ação mais poderosa quando todos aqueles que estejam orando se associam de coração a um mesmo pensamento e têm o mesmo objetivo, pois é como se muitos clamassem juntos e em uníssono; mas que importa estar reunidos em grande número de pessoas se cada uma age isoladamente e por conta própria? Cem pessoas reunidas podem orar como egoístas, enquanto duas ou três, unidas por uma mesma aspiração, oram como verdadeiros irmãos em Deus, e sua prece terá mais força do que a das cem outras.”
O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec - Cap. XXVII, item 15
Eficácia da oração
Na harmonia do Universo, há leis imutáveis que, portanto, não podem ser revogadas. Entretanto, no proceder da sua vida, o indivíduo tem seu livre-arbítrio, dentre certo escopo de liberdade, no qual é possível que sua prece interfira positivamente nos acontecimentos, pelo que se justifica o dizer de Jesus: “Seja o que for que peçam na prece, creiam que o obterão e será concedido a vocês o que pedirem.” (Marcos, 11:24). Em harmonia com o preceito cristão, o Espiritismo ensina que, pela prece, o homem obtém o auxílio dos bons Espíritos que acorrem a sustentá-lo em suas boas resoluções e a lhes inspirar ideias sãs; desse modo, ele adquire a força moral necessária para vencer as dificuldades e para voltar ao caminho reto, quando deste tiver se afastado. Por esse meio, o indivíduo pode também desviar de si os males que atrairia pelas suas próprias faltas.
“Ora, aqui a ação da prece é facilmente concebida, porque ela tem por efeito chamar a inspiração salutar dos bons Espíritos e lhes pedir a força para resistir aos maus pensamentos cuja execução pode ser funesta para nós. Nesse caso, não é o mal que eles afastam; eles apenas nos desviam do mau pensamento que pode causar o mal. Eles não contrariam em nada os decretos de Deus, nem suspendem o curso das leis da natureza; é a nós que eles impedem de infringir essas leis ao orientar o nosso livre-arbítrio. Mas eles fazem isso sem que saibamos, de uma maneira oculta, para não constranger a nossa vontade. O homem se encontra então na posição de alguém que solicita bons conselhos e os põe em prática, mas que é sempre livre para segui-los ou não; Deus quer que seja assim para que o homem tenha a responsabilidade dos seus atos e o mérito da escolha entre o bem e o mal. É isso o que o homem sempre obterá — se pedir com fervor — e ao que podemos aplicar especialmente estas palavras: ‘Peçam e vocês obterão’.”
O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec - Cap. XXVII, item 12
As intercessões feitas em favor de terceiros é um ato de elevação espiritual e de caridade para com aqueles. Os Espíritos sofredores esperam por preces e estas lhes são proveitosas, porque, verificando que há quem pense neles, se sentem menos abandonados e menos infelizes. Entretanto, a prece tem sobre eles ação mais direta: reanima-os, inspira neles o desejo de se elevarem pelo arrependimento e pela reparação e, possivelmente, desvia-lhes do mal o pensamento. É nesse sentido que pode não apenas aliviá-los, como abreviar os seus sofrimentos.
A força da prece está no pensamento e na intenção daquele que ora, e não no jogo de palavras; o lugar e o horário só exercem influência quando circunstancialmente podem favorecer o recolhimento e a concentração.
Modo de orar
Segundo a concepção espírita, a oração boa, forte e que traz resultados positivos é aquela feita com sentimento, sinceridade e humildade, através de um pensamento claro e objetivo; aquelas formuladas com adornos superficiais de palavras, as repetitivas e as alongadas denotam o cumprimento de um costume, um mero dever religioso:
“Para que a prece sensibilize, é preciso que cada palavra desperte uma ideia, mas se não a entendermos, a palavra não pode despertar nenhuma ideia; ela será repetida como simples fórmula que tem uma maior ou menor virtude conforme o número de vezes que ela for repetida. Muitas pessoas oram por dever, outras até mesmo para se adequar aos costumes; é por isso que eles se julgam quites quando dizem uma oração num determinado número de vezes e nessa ou naquela ordem. Deus lê no fundo dos corações; ele percebe o pensamento e a sinceridade, e seria rebaixá-lo acreditar que ele fosse mais sensível à forma do que ao fundo.”
O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec - Cap. XXVII, item 17
Enfim, compreender, reconhecer e agradecer as ininterruptas maravilhas concedidas por Deus a todos nós é razão para que façamos da nossa própria vida, em cada gesto mais comum, uma eterna oração de louvor. E dentre as coisas que possamos pedir a Deus e à espiritualidade, a doutrina dos Espíritos nos recomenda destacar as virtudes e a coragem para exercê-las em nosso cotidiano:
“O que Deus concederá ao homem, quando este se dirigir a Deus com confiança, é a coragem, a paciência e a resignação. O que Deus também lhe concederá são os meios de ele mesmo se livrar das dificuldades, com a ajuda das ideias que Deus fará os bons Espíritos lhe sugerirem, deixando assim ao homem o mérito. Deus auxilia os que ajudam a si mesmos, segundo esta máxima: ‘Ajuda-te e o céu te ajudará’, e não aqueles que esperam tudo de um socorro estranho sem fazer uso das suas próprias faculdades; entretanto, na maior parte do tempo, o que o homem preferiria ser socorrido por um milagre sem precisar fazer nada.”
Idem - Cap. XXVII, item 7
Por conta de toda essa conjuntura positiva, os Espíritos amigos da codificação do Espiritismo sempre nos recomendam a oração e nos instruem para o modo mais eficaz, a exemplo desta comunicação mediúnica do Pastor Monod:
“O primeiro dever de toda criatura humana, o primeiro ato que deve assinalar o seu retorno à vida ativa de cada dia, é a prece. Quase todos vocês oram, mas quão poucos são os que sabem orar! Que importam ao Senhor as frases que vocês ligam umas às outras maquinalmente, porque vocês têm isso como um hábito, como um dever que vocês cumprem e que, como qualquer dever, é um peso para vocês. [...]
“Vocês devem orar sem cessar, sem que para isso vocês se recolham nos seus santuários ou se lancem de joelhos nas praças públicas. A prece diária é o cumprimento dos seus deveres, sem exceção de nenhum dos deveres, qualquer que seja a natureza deles. [...]
“Isso independe das preces regulares da manhã, da noite e dos dias consagrados; mas como vocês podem ver, a prece pode ser feita em todos os instantes, sem trazer nenhuma interrupção aos seus trabalhos; dita assim, por sua vez, ela santifica os trabalhos. E fiquem bem certos de que um só desses pensamentos — partindo do coração — é mais percebido pelo seu Pai celestial do que as longas orações ditas por hábito, frequentemente sem causa determinante e às quais a hora convencional os chama maquinalmente.”
Pr. Monod
O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec - Cap. XXVII, item 17
Ação da transmissão de pensamento na prece
Em se tratando de um ato sincero e humilde, nenhuma prece fica sem resposta. A Doutrina Espírita nos esclarece que estamos todos mergulhados num fluido que ocupa todo o espaço; esse fluido universal recebe os impulsos emitidos pelos nossos pensamentos e os transmite a quem os endereçamos, conforme a força magnética que empregamos:
“Quando o pensamento é dirigido a um ser qualquer — na Terra ou no Espaço, de encarnado para desencarnado, ou de desencarnado para encarnado — então uma corrente fluídica se estabelece de um para o outro, transmitindo o pensamento como o ar transmite o som.
“A energia da corrente é proporcional à energia do pensamento e da vontade. É assim que a prece é recebida pelos Espíritos em qualquer lugar que eles se encontrem; é assim que os Espíritos se comunicam entre si, que eles nos transmitem suas inspirações e que se estabelecem relações à distância entre os encarnados.”
Idem - Cap. XXVII, item 10
O Espírito André Luiz nos dá um exemplo da magnitude da prece em face de uma intenção nobilíssima::
“A mente centralizada na oração pode ser comparada a uma flor estelar, aberta ante o Infinito, absorvendo-lhe o orvalho nutriente de vida e luz. [...] Orar constitui a fórmula básica da renovação íntima, pela qual divino entendimento desce do Coração da Vida para a vida do coração. Semelhante atitude da alma, porém, não deve, em tempo algum, resumir-se a simplesmente pedir algo ao Suprimento Divino, mas pedir, acima de tudo, a compreensão quanto ao plano da Sabedoria Infinita, traçado para o seu próprio aperfeiçoamento, de maneira a aproveitar o ensejo de trabalho e serviço no bem de todos, que vem a ser o bem de si mesma.”
Mecanismos da Mediunidade, Chico Xavier e Waldo Vieira - Cap. 25
A oração de Jesus
Em Espiritismo, Jesus é o exemplo mais emblemático para demonstrar à humanidade o valor da oração; segundo os evangelhos bíblicos, o Cristo constantemente estava em sintonia com o Pai celestial e frequentemente se recolhia em oração mais profunda, prescrevendo aos seus discípulos tal prática, como lemas na prescrição “Vigiem e orem, para não entrarem em tentação!” (Mateus, 26:41).
Também a título de inspiração para nossas preces, o Messias divino nos ditou a oração do Pai Nosso:
“Portanto, orem assim: Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu nome; venha o teu Reino; seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu; o pão nosso de cada dia nos dá hoje; e perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós também perdoamos aos nossos devedores; e não nos deixes cair em tentação; mas livra-nos do mal; pois teu é o Reino, o poder e a glória para sempre. Amém!”
Jesus
Mateus, 6: 9 a 13
Representação gráfica de Jesus orando
Sobre a oração cristão do Pai Nosso, também chamada de Oração dominical, Allan Kardec comenta:
“Este é o modelo mais perfeito de concisão, verdadeira obra-prima de sublimidade na simplicidade. Com efeito, sob a forma mais singela, ela resume todos os deveres do homem para com Deus, para consigo mesmo e para com o próximo; ela contém uma profissão de fé, um ato de adoração e de submissão; o pedido das coisas necessárias à vida e o princípio da caridade. Dizê-la na intenção de uma pessoa é pedir para ela o que se pediria para si mesmo.”
O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec - Cap. XXVIII, item 2
Preces espíritas
A Doutrina Espírita nos demonstra que, no que toca à oração, a fórmula nada vale e o pensamento é tudo; por isso, os Espíritos superiores jamais receitam qualquer reza ou forma absoluta de preces. Contudo, uma oração proferida por outro alguém — a exemplo do Pai Nosso, ditado pelo Cristo — pode nos servir de inspiração, para uma melhor fixação das ideias e para nos chamar a atenção sobre certos princípios doutrinários. É com esse espírito que encontramos em O Evangelho segundo o Espiritismo, no seu capítulo XXVIII, uma coletânea de preces espíritas, inspiradoras para diversas ocasiões e propósitos.
Nessa coletânea, encontramos preces gerais, preces para si mesmo e para outrem: pelos mortos, pelos enfermos, obsediados, pelos inimigos etc.
Quanto às orações prescritas pelas crenças fora do Espiritismo, Kardec diz:
“O Espiritismo reconhece como boas as preces de todos os cultos, quando elas são ditas pelo coração, e não pelos lábios; ele não impõe nem reprova nenhuma delas. Deus, segundo o Espiritismo, é grande demais para rejeitar a voz que a ele implora ou canta louvores, só porque a prece é feita de um jeito mais do que de outro. Aquele que lançasse o anátema contra as preces que não estejam no seu formulário provaria que desconhece a grandeza de Deus. Crer que Deus se atenha a uma fórmula é lhe atribuir a pequenez e as paixões humanas.”
O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec - Cap. XXVIII, item 1
A ciência e o poder da oração
Cada vez mais a ciência demonstra interesse no estudo do poder da oração e já há vários estudos sugerindo resultados concretos em favor de pacientes que oram e ou que recebem intercessões de terceiros. A grande dificuldade dos cientistas é compreender, para em seguida admitir, o mecanismo da intervenção espiritual em certas curas. Pelo senso comum, essa intervenção milagrosa há de ser um efeito místico, mágico, sobrenatural, revogando as leis físicas — coisa que a ciência naturalmente repudia, uma vez que ela se fundamenta exatamente na ordem dessas leis físicas.
O Espiritismo então apresenta a solução para este embaraço: não há revogação das leis da natureza na terapêutica espiritual, mas um fenômeno absolutamente natural, mediante a ação de uma inteligência invisível (os Espíritos) e recursos também inerentes à natureza (os fluidos curadores). Quando a ciência conseguir compreender a interação deste nossa dimensão física com os planos mais sutis da matéria então poderá sancionar não apenas os efeitos da prece, mas também o mecanismo de sua ação.
Veja também
Referências
- O Livro dos Espíritos, Allan Kardec - Ebook.
- O Evangelho segundo o Espiritismo, Allan Kardec - Ebook.
- Bíblia - versão online.
- Mecanismos da Mediunidade, Chico Xavier e Waldo Vieira - Editora FEB.