A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, ou simplesmente A Gênese, como costuma ser abreviado, é o título da tradução da obra original em francês La Genèse, les Miracles et les Predictions selon le Spiritisme, da autoria de Allan Kardec, e o quinto livro da coleção conhecida como obras básicas da codificação espírita. Sua primeira edição foi lançada em 6 de janeiro de 1868, em Paris, França, sendo então a obra pela qual o codificador do Espiritismo então desenvolve com mais profundidade o aspecto especialmente científico dos conceitos doutrinários da Revelação Espírita, abordando, entre outros temas, a essência de Deus, a Criação do Universo e seu processo de expansão, a origem dos Espíritos e a comparação com a teoria bíblica da gênese, o caráter dos milagres, a natureza das profecias e as predições para o futuro da humanidade.
A Gênese, os milagres e as Predições segundo o Espiritismo, de Allan Kardec
Contexto histórico
A Gênese, os Milagres e as Predições é o quinto e último livro publicado por Allan Kardec, cuja primeira edição foi lançada pouco mais de um ano antes da desencarnação do autor, tendo já decorridos onze anos da primeira obra básica do Espiritismo — O Livro dos Espíritos — e uma década ininterrupta de edições da Revista Espírita. Portanto, o livro é, de alguma forma, uma síntese mais apurada e amadurecida da compreensão espírita quanto à natureza física e espiritual, levando em consideração as revelações da espiritualidade e o desenvolvimento da ciência humana.
Quando da sua publicação, estava muito em voga a discussão sobre a origem do universo e, por conseguinte, dos seres vivos; isso por conta especialmente da teoria evolucionista por meio de seleção natural, idealizada por Charles Darwin e publicada em A Origem das Espécies, de 1859, pari passu com os estudos de Alfred Russel Wallace, outro gigante da ciência moderna. É bem verdade que esta tese ainda não estava bem consolidada e enfrentava certa resistência, inclusive dentro do meio científico; fora do limitado círculo acadêmico, no meio popular do Ocidente, por consequência do secular predomínio do catecismo católico e do recrudescimento da interpretação muito literal das igrejas protestantes, a concepção clássica da origem e desenvolvimento do mundo e dos seres humanos era aquela baseada no primeiro livro da Bíblia — Gênesis, atribuída a Moisés, e qualquer suposição teórica fora da versão bíblica era obviamente entendida como heresia. Para os pensadores mais racionalistas, a concepção religiosa não passava de superstição e misticismo, que estavam com os dias contados, pois a ciência prometia explicar todos os mistérios do mundo e desbancar o que eles chamavam de sobrenatural; o resultado natural para estes resumia-se em materialismo e ateísmo.
No bojo das controvérsias sobre a gênese do Universo e da vida inteligente estavam também outras questões correlacionadas e igualmente efervescente que colocavam em choque as religiões — e por extensão toda a ideia de Deus e espiritualidade — e a ciência clássica; dentre essas questões estavam a dos milagres (que as igrejas tomavam como uma expressão da grandeza divina, o que era visto pelos céticos como um completo absurdo) e a das profecias e predições (impossíveis para os cientistas tradicionais e defendidas pelos religiosos também como algo miraculoso e necessário para provar a superioridade da divindade). Em resposta a estas controvérsias, este livro vem defender a veracidade de certas profecias e outros atos históricos (inclusive os da tradição bíblica, agora reinterpretados) tidos como miraculosos, e refutando assim a negação extrema da ciência positivista, mas também, a partir de uma análise racional e lógica, contrariando a ideia mística sustentada pelas religiões tradicionais, compreendendo a naturalidade de tais fenômenos, razão pela qual a própria descrição da obra na sua folha de rosto coloca em destaque: “Deus prova a sua grandeza e seu poder pela imutabilidade das suas leis, e não pela suspensão delas.”
Diante desse cenário, portanto, os propósitos de A Gênese eram revolucionários, e por demais desafiadores. Tanto que o Espírito São Luís, protetor da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, prenunciou, através de uma comunicação mediúnica recebida em 18 de dezembro de 1857, um mês antes de a obra ser trazida à lume:
“Esta obra vem na hora certa, na medida em que a doutrina está hoje bem estabelecida do ponto de vista moral e religioso. Seja qual for a direção que tome de agora em diante, tem precedentes muito arraigados no coração dos adeptos, para que ninguém possa temer que ela se desvie de seu caminho;
“[...] A religião, antagonista da Ciência, respondia pelo mistério a todas as questões da filosofia céptica. Ela violava as leis da Natureza e as adaptava à sua fantasia, para daí extrair uma explicação incoerente de seus ensinamentos. Vós, ao contrário, vos sacrificais à Ciência; aceitais todos os seus ensinamentos sem exceção e lhe abris horizontes que ela supunha intransponíveis. Tal será o efeito desta nova obra; não poderá senão assegurar mais os fundamentos da crença espírita nos corações que já a possuem, e fará dar um passo à frente para a unidade a todos os dissidentes, à exceção, entretanto, dos que o são por interesse ou por amor-próprio; esses o veem com despeito sobre bases cada vez mais inabaláveis, que os lançam para trás e os rechaçam na sombra (...)
“A questão de origem que se prende à Gênese é para todos uma questão apaixonada. Um livro escrito sobre esta matéria deve, em consequência, interessar a todos os espíritos sérios. Por esse livro, como vos disse, o Espiritismo entra numa nova fase e esta preparará as vias da fase que mais tarde se abrirá, porque cada coisa deve vir a seu tempo. Antecipar o momento propício é tão prejudicial quanto deixá-lo escapar.”
São Luís
Revista Espírita, Allan Kardec - Fevereiro de 1868: ‘Apreciação da obra A Gênese’
Estava claramente estabelecido que A Gênese viria para sancionar o fundamento da lógica e da razão sobre os conceitos espíritas e absolutamente afastar qualquer ideia de superstição, milagre e fantasias sobrenaturais, isto é, fora das leis da natureza criada por Deus; ela fazia parte de um planejamento para a continuação das obras kardequianas, conforme um diálogo de Kardec com o Espírito Verdade, em 1865, que assim previa a bibliografia fundamental do Espiritismo:
“A série de trabalhos doutrinários também será composta do seguinte modo:
Para a parte científica: O Livro dos Espíritos, o Livro dos Médiuns, o Livro dos Magnetizadores. Para a aplicação da doutrina: A gênese segundo o Espiritismo, a moral do Evangelho segundo o Espiritismo; os milagres do Evangelho segundo o Espiritismo, o céu e o inferno segundo o Espiritismo, a religião segundo o Espiritismo, o estado social (e o reinado de Deus) segundo o Espiritismo.”
Anúncio e repercussão da obra
Através da Revista Espírita, edição de janeiro de 1868 — o mês de lançamento do livro — Allan Kardec anunciava aquela nova obra. Logo mais, pela mesma revista, vamos encontrar o autor relatando as primeiras repercussões do livro. Já na edição do mês seguinte, por exemplo, Kardec noticia que a vendagem da primeira edição estava quase completa e já providenciava a segunda edição, ou, melhor dizendo, a segunda impressão, já que não faria qualquer alteração. E o sucesso continua de maneira fenomenal, pois um mês depois, já na Revista Espírita de março daquele ano, é anunciada a terceira edição.
O alcance e a boa recepção que o livro aqui tratado teve prontamente podem ser ilustrados pelo depoimento feito por um capitão do exército na África, conforme certo artigo na Revista Espírita:
“O Espiritismo se espalha no norte da África e ganhará o centro, se os franceses para ali se dirigirem. Ei-lo que penetra em Laghouat, nas bordas do Saara, a 33 graus de latitude [...]
“Desde alguns anos entrego-me ao estudo da Anatomia, da Fisiologia e da Psicologia comparadas. A mesma corrente de ideias arrastou-me para o estudo dos animais. Pude dar-me conta, pela observação, de que todos os órgãos, todos os aparelhos se simplificam, quando descem para as raças e espécies inferiores. Como a Natureza é bela para estudar! [...]
“Vossa última obra A Gênese, que acabo de reler, e sobre diversos capítulos da qual me detive particularmente, desvenda-nos os mistérios da Criação e desfere um terrível golpe nos preconceitos. Essa leitura fez-me imenso bem e me abriu novos horizontes. Eu já compreendia a nossa origem e via em meu corpo material o último elo da animalidade na Terra; sabia que o espírito, durante sua gestação corporal, toma uma parte ativa na construção do seu ninho e apropria o seu invólucro às suas novas necessidades. Esta teoria da origem do homem poderá parecer, aos orgulhosos, atentatória à grandeza e à dignidade humanas, mas será aceita no futuro graças à sua simplicidade e à sua empolgante amplitude (...)
“Não mais deve haver véu entre a Natureza e o homem, e nada deve ficar oculto. A Terra é o nosso domínio, cabendo a nós estudar as suas leis; a ignorância e a preguiça é que criaram os mistérios. Quanto Deus nos parece maior na harmonia e na unidade de suas leis!”
Revista Espírita - Nov. de 1868: ‘Os lazeres de um Espírita no Deserto’
Folha de rosto da obra original em francês
Versões e polêmicas sobre alterações
Enquanto encarnado, Allan Kardec publicou quatro edições de A Gênese, todas no mesmo ano de 1868 e todas com o mesmo conteúdo. No entanto, logo após sua passagem à vida espiritual, sabe-se que a Livraria Espírita (idealizada por Kardec) publicou uma quinta edição que, por sua vez, trazia alterações, tal como grafado na folha de rosto desta mesma impressão: "Revisada, corrigida e ampliada". Nesta nova versão, muitos trechos, em diversos capítulos, receberam substanciais alterações, em que linhas ou parágrafos inteiros foram suprimidos, outros foram deslocados e renumerados, ao passo que noutras partes da obra conteúdos foram acrescentados. Além disso, em todo as seções do livro são encontradas correções ortográficas.
Com efeito, doze anos após o lançamento da quinta edição, o divulgador espírita Henri Sausse denuncia, através do artigo ‘Uma infâmia’, publicado no periódico O Espiritismo (Le Spiritisme), que esta versão se tratava de uma adulteração, valendo-se de uma informação obtida através de uma terceira pessoa, dando conta de que as ditas “correções” desta nova versão haviam sido feitas por Pierre-Gaëtan Leymarie. No artigo, Sausse, muito indignado, especifica os trechos que sofreram modificações:
“Descobri, comparando os textos da primeira e da quinta edição, que 126 trechos tinham sido modificados, acrescentados ou suprimidos. Desse número, onze (11) forma objetos de uma revisão parcial. Cinquenta (50) foram acrescidos e sessenta e cinco (65) foram suprimidos, e não conto os números dos parágrafos trocados de lugar nem os títulos que foram adicionados.
“Todas as partes desse livro sofreram mutilações mais ou menos graves, mas o capítulo XVIII: Os tempos são chegados, é o que foi mais maltratado; as modificações feitas nele o tornam quase irreconhecível.
“Agora, digam-me, quem são os culpados?
“Qual o motivo dessas manobras?”
Henri Sausse
O Espiritismo - Dez. de 1884: ‘Uma infâmia’
Então sob o comando de Leymarie, a Sociedade Anônima Espírita respondeu ao artigo de Henri Sausse negando a violação e atribuindo ao legítimo autor da obra as modificações daquela edição revisada. Como a Sociedade Anônima Espírita detinha os direitos autorais da obra e garantia que a autoria das alterações pertencia a Kardec, foi a partir da versão desta 5ª edição que foram autorizadas as traduções oficiais da obra, tal como se efetuou para o inglês, espanhol, italiano, português etc. Sem uma prova documental, as denúncias de Henri Sausse ficaram sem muito efeito prático e caíram no esquecimento. Anos depois, viu-se o próprio Sausse passar a usar a edição revisada, por exemplo, inserindo citações dela no estudo ‘A Doutrina Espírita - Os ensinamentos de Allan Kardec’, publicado em série na Revista Espírita de março, agosto e setembro de 1914; a admissão formal veio em 1925:
“Enquanto muitos consideraram o artigo de Sausse como um marco de resistência aos que teriam tentado deturpar o Espiritismo, não podemos dizer o mesmo depois que lemos o relatório “Em busca das origens da alma humana” do próprio Sausse, nos anais do Congresso Espírita Internacional, em 1925. Nele, Sausse utilizou, sem qualquer ressalva, a sétima edição (com o texto atualizado) da obra, e afirmou que foi Kardec quem revisou e corrigiu o livro. Foi assim que, na França, o que poderia ter causado na época uma grande polêmica não ganhou adesão e rapidamente se dissipou, já que mesmo quem introduziu a ideia explicitamente deixou de acreditar nela.”
A Gênese de Allan Kardec: Da polêmica aos fatos,
Carlos Seth Bastos, Luciana Farias e Adair Ribeiro - Introdução
Passado um século, especificamente em 1998, o estudioso espírita Carlos de Brito Imbassahy (filho do renomado advogado, jornalista e escritor espírita Carlos Imbassahy, de quem herdou uma robusta biblioteca) tendo em mãos um velho exemplar em francês da 3ª edição desta obra, verificou a diferença de trechos de seu conteúdo com relação às edições comuns brasileiras; supondo erro de tradução, ele trabalhou numa tradução e levantou a suspeita de que as alterações houvessem sido promovidas intencionalmente pelas traduções editadas pela Federação Espírita Brasileira. As suspeitas, no entanto, não renderam e o caso silenciou-se.
Em 2017, contudo, justamente às vésperas da celebração jubilar em comemoração aos 150 anos de lançamento da referida obra, a questão voltou à tona: um trabalho de pesquisa realizado pela pesquisadora espírita Simoni Privato Goidanich resultou no livro O Legado de Allan Kardec (originalmente publicado em espanhol, pela Confederação Espiritista Argentina: El Legado de Allan Kardec) apresentando a tese de que a quinta edição revisada havia sido registrada e publicada pela Sociedade Anônima Espírita em 1872, portanto, três anos após a desencarnação de Allan Kardec, e, sem o menor indício de que tais alterações tenham sido efetivadas pelo codificador espírita. Essa tese propõe também que houve uma premeditada elaboração para distorcer certos conceitos espíritas, atendendo a outras ideias espiritualistas, e notadamente à doutrina conhecida de Jean-Baptiste Roustaing — conhecida como Roustainguismo —, muito por influência do Sr. Guérin, o testamentário de Roustaing e amigo de ocasião de Leymarie.
“Apesar da indignação no movimento espírita, a Sociedade Anônima permaneceu dominada por Guérin, com a colaboração de Leymarie, e foi transformada em um instrumento de propaganda, na França e no exterior, da teoria exposta na obra de Roustaing.”
O Legado de Allan Kardec, Simoni Privato Goidanich - cap. 15
A Confederação Espiritista Argentina passou a adotar a versão antiga como o conteúdo definitivo da obra, produzindo uma edição especial lançada em 2018, em espanhol (La Génesis, los Milagros y las Predicciones según el Espiritismo) traduzida pelo seu então presidente Gustavo N. Martinez, que também fez questão de homenagear José María Fernández Colavida (1819-1888), o grande líder espírita na Espanha — chamado “O Kardec espanhol” — que, pelo que se sabe, foi o tradutor primeiro das obras de Kardec para o idioma espanhol, tomando por base o conteúdo original da 1ª edição.
"A Gênese" em espanhol editada pela Confederação Espiritista Argentina
No Brasil, a União das Sociedades Espíritas - USE e a Fundação Espírita André Luiz - FEAL aderiram à campanha que propunha rejeitar a edição revisada. Em 2018, especialmente motivada pelos desdobramentos da pesquisa realizada por Simoni Privato Goidanich e em comemoração ao aniversário jubilar de 150 anos do lançamento do livro, a FEAL publicou uma edição de A Gênese com base na primeira versão, a partir da tradução de Carlos de Brito Imbassahy, e defendendo a tese de adulteração.
Entretanto, novos achados históricos referentes à polêmica vieram se sobrepor àquele contexto apresentado em O Legado de Allan Kardec, a começar pela descoberta de uma 5º edição (versão revisada) datada de 1869, devidamente catalogada numa biblioteca universitária na Suíça, que, combinados com outros dados (por exemplo, menção a esta edição presente em uma reimpressão de O Livro dos Médiuns de julho de 1869) resultam na compreensão que A Gênese revisada teria sido publicada em um ou em até três meses (entre abril e junho de 1869) posteriormente à morte de Kardec, e bem antes de Leymarie (então apontado como o principal articulador das ditas adulterações) assumir a condução das instituições espíritas responsáveis pelas publicações kardequianas (o que só viria a acontecer em julho de 1871, quando foi admitido membro diretor da Sociedade Anônima Espírita (entidade criada para administrar os bens legados por Kardec à propagação do Espiritismo). Como é sabido, esta edição “revisada, corrigida e aumentada” de A Gênese foi lançada pela Livraria Espírita, cuja direção estava a cargo de Edouard Mathieu Bittard, supervisionado diretamente pela viúva Kardec, que, aliás, notificou os confrades através da Revista Espírita de maio de 1869 que seria ela quem cuidaria pessoalmente das “reimpressões” e das “publicações novas” das obras espíritas de seu marido. A propósito, Madame Kardec (Amélie Boudet) era a legítima herdeira dos direitos autorais das obras literárias de Kardec.
Manuscritos de Allan Kardec e outros documentos então descobertos nessa nova fase de pesquisa também vieram evidenciar que o legítimo autor da obra — Kardec — trabalhara a revisão do conteúdo original e justamente quando estava preparando o lançamento desta edição revisada acabou surpreendido pela sua hora fatal. Entre esses documentos constam transcrições, feitas por Kardec, de mensagens mediúnicas assinadas por Espíritos amigos lhe inspirando correções para a nova edição. Em 22 de fevereiro de 1868, por exemplo, apenas um mês seguinte ao lançamento da edição original, o Mestre espírita recebeu uma comunicação, psicografada na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas pelo médium Desliens, intitulada “Conselhos sobre a Gênese”, que se crê ditada pelo Espírito do Dr. Demeure, da qual extraímos o seguinte trecho:
“Permita-me alguns conselhos pessoais sobre o seu livro A Gênese. Penso, como você, que deve sofrer certas reorganizações que a tornarão valiosa sob o aspecto metódico; mas eu recomendo vivamente que você também revise certas comparações dos primeiros capítulos que, sem serem imprecisas, podem levar à ambiguidade, e das quais alguém poderiam tirar vantagens de você exaltando palavras.
“[...] É apenas uma questão de detalhes, sem dúvida, mas os detalhes também são importantes; por isso achei útil chamar sua atenção para esse lado.
“[...] Minha opinião é que não há absolutamente nada para tirar da doutrina; tudo é útil e satisfatório em todos os aspectos; mas também acredito que você poderia, sem inconvenientes, condensar ainda mais certas ideias que não precisam de desenvolvimento para serem entendidas, já tendo sido esboçadas em outro lugar.”
De fato, vê-se que vários textos contidos em A Gênese de 1868 foram reproduzidos nas edições seguintes da Revista Espírita com várias modificações, as mesmas de que se serviu a edição revisada, corrigida e aumentada da Gênese de 1869.
Dentre outras tantas evidências encontradas nestes novos achados historiográficos, publicações vieram mostrar que o próprio Henri Sausse reconheceu a autenticidade kardequiana na edição revisada.
Para saber mais, ver a página especial O caso A Gênese.
Página especial de pesquisa: O Caso A Gênese
Dentre as quais as traduções brasileiras, destacamos as produções assinadas por: Guillon Ribeiro e Evandro Noleto Bezerra, pela editora da Federação Espírita Brasileira; João Teixeira de Paula, com a coautoria de José Herculano Pires, pela LAKE Editora; Salvador Gentile, Boa Nova Editora; Louis Neilmoris, versão numa linguagem simplificada, editada pela Luz Espírita.
Por padrão, mas não por exclusivismo, o Portal Luz Espírita adota e distribui livremente uma edição própria, traduzida por Ery Lopes, edição essa que dispensa os direitos autorais.
Estrutura da obra
A obra, além de conter uma introdução, é estruturada em três seções principais, a saber: “A Gênese segundo o Espiritismo”, “Os milagres segundo o Espiritismo” e “As predições segundo o Espiritismo”.
- Introdução: como o próprio título diz, traz uma apresentação do livro, seus objetivos e a sua essência, que é justamente tratar os três pontos principais — a origem do universo, a questão dos milagres e as profecias — à luz dos ensinamentos da revelação espírita, que tem por base a lógica e a razão e a refutação de toda e qualquer exploração de fenômenos de caráter sobrenatural, místico, mágico, supersticioso. Para tanto, o Espiritismo toma como fundamento a existência de dois elementos primordiais: o princípio espiritual e o princípio material. A partir deste ponto de vista, todos os fenômenos reais pertencem às leis da natureza, estabelecidas conforme a bondade, a justiça e a sabedoria de Deus, não cabendo o sobrenatural — que seria uma manifestação fora da ordem natural das coisas, tal qual o milagre, a magia:
“Ao demonstrar a existência do mundo espiritual e suas relações com o mundo material, o Espiritismo fornece a chave para uma imensidade de fenômenos incompreendidos, e por isso mesmo considerados inadmissíveis por uma certa classe de pensadores. Esses fatos ocorrem fartamente nas Escrituras, e é por falta de conhecer a lei que os regem que, girando sempre em torno das mesmas ideias, os comentadores dos dois campos opostos — uns desconsiderando os dados positivos da ciência, e os outros desconsiderando o princípio espiritual — não puderam chegar a uma solução racional.”
A Gênese - Introdução
- A gênese segundo o Espiritismo: nessa seção, a obra analisa um dos temas mais polêmicos no tocante às teorias religiosas desde há muito: a gênese de tudo, ou seja, a origem do Universo, da matéria e dos seres vivos, o que tem implicação direta com o próprio sentido da nossa existência e, por conseguinte, a destinação da alma após a morte.
Entretanto, antes de adentrar propriamente na questão a que se destina essa seção, Kardec começa o capítulo I estabelecendo os parâmetros necessários para a compreensão dos conceitos propostos pelo Espiritismo pelo que designou de ‘Caráter da revelação espírita’, distinguindo a Doutrina dos Espíritos do padrão das revelações religiosas tradicionais, cujo caráter é de dogmatismo: imposição de conceitos ditos absolutamente verdadeiros e sagrados, e por isso, não sujeitos ao questionamento — por mais absurdos que sejam eles. O autor ressalta que o Espiritismo é sim uma revelação, necessária inclusive, mas assentada sob os fundamentos da razão e da experimentação científica:
“Assim como a ciência propriamente dita tem por objeto o estudo das leis do princípio material, o objeto especial do Espiritismo é o conhecimento das leis do princípio espiritual; ora, como este último princípio é uma das forças da natureza, que reage incessantemente sobre o princípio material e reciprocamente, segue-se daí que o conhecimento de um não pode estar completo sem o conhecimento do outro. O Espiritismo e a ciência se completam um ao outro; a ciência sem o Espiritismo fica na impossibilidade de explicar certos fenômenos somente pelas leis da matéria; o Espiritismo sem a ciência careceria de apoio e comprovação...”
Idem - Cap. I, item 16
Estabelecidos esses parâmetros, desenvolve-se então a tese espírita sobre as evidências da existência de Deus, características aceitáveis sobre a sua natureza, seu modo de conduzir as coisas (providência divina) e os meios de se visualizar a divindade (cap. II). Para tanto, a obra cumpre uma lacuna comum a todas as doutrinas tradicionais especialmente em resposta aos incrédulos: Como conciliar a bondade, a sabedoria e a justiça de Deus com a maldade no mundo? — Explicando categoricamente o entendimento sobre o bem e o mal (cap. III).
Também discorre sobre "O papel da ciência na gênese" (Cap. IV) pelo que registra o confronto histórico entre religião e ciência no tocante às explicações acerca das coisas e observa o escopo das descobertas cientificas para a solidificação da compreensão dos elementos materiais e espirituais.
A obra também aprecia as diversas teorias da origem e desenvolvimento do nosso mundo, dos seres orgânicos e da gênese espiritual (cap. V a IX) e ainda a compara com a teoria bíblica (cap. XII).
- Os milagres segundo o Espiritismo: nessa seção, a obra trata da conceituação clássica do termo milagre e a analisa mediante os fundamentos espíritas, que são incompatíveis com a ideia sobrenatural que se convencionou dar a certos fenômenos (cap. XIII). Para tanto, Kardec destrincha a natureza dos fluidos (cap. XIV), que são a chave para a compreensão das manifestações promovidas pelos Espíritos em nossa dimensão material. Em vista disso, a obra igualmente pondera sobre o modo de ação e a qualidade dos fluidos nos fenômenos espirituais, em particular na ação magnética, por exemplo, na operação de curas pelo passe:
“Os efeitos da ação fluídica sobre os enfermos são extremamente variados, de acordo com as circunstâncias; algumas vezes essa ação é lenta e requer um tratamento prolongado, como no magnetismo comum; de outras vezes é rápida, como uma corrente elétrica. Há pessoas dotadas de um poder tal que operam curas instantâneas em certos doentes simplesmente pela imposição das mãos, ou até mesmo só por um ato da vontade. Entre os dois polos extremos dessa faculdade há infinitos níveis. Todas as curas desse gênero são variedades do magnetismo e só se diferem pela intensidade e pela rapidez da ação. O princípio é sempre o mesmo: é o fluido que desempenha o papel de agente terapêutico e cujo efeito é subordinado à sua qualidade e a circunstâncias especiais.”
Idem - Cap. XIV, item 32
Uma vez definida a inconsistência da crença no milagre, o Kardec faz considerações sobre os feitos de Jesus, ditos milagrosos, conforme as narrações evangélicas (cap. XV), que estão sintetizadas na seguinte citação:
“Os fatos relatados no Evangelho, e que até hoje têm sido considerados milagrosos, pertencem na sua maioria à ordem dos fenômenos psíquicos, isto é, dos que têm como causa primária as capacidades e os atributos da alma. Confrontando-os com os que foram descritos e explicados no capítulo anterior, reconheceremos sem dificuldade que há entre eles identidade de causa e de efeito. A História nos mostra fatos semelhantes em todos os tempos e em todos os povos, pela razão de que, desde que haja almas encarnadas e desencarnadas, os mesmos efeitos puderam se produzir. É certo que, no que se refere a este ponto, podemos contestar a veracidade da História; mas hoje eles se produzem sob os nossos olhos e, por assim dizer, à vontade, e por indivíduos que nada têm de excepcional. Só o fato da reprodução de um fenômeno, em condições idênticas, basta para provar que ele é possível e está submetido a uma lei, e que, portanto, não é miraculoso.”
Idem - Cap. XV, item 1
- As predições segundo o Espiritismo: nessa seção a obra aborda a natureza da predição, profecia, presciência, considerando as possibilidades de se conhecer o que convencionamos por “futuro”, bem como o alcance da visão de quem propõe tal previdência (cap. XVI), o que também está relacionada à questão das possibilidades e fatalidades dos eventos. Analisa também a destinação, utilidade e permissibilidade das revelações espirituais, em obediência aos desígnios de Deus.
No capítulo XVII, Kardec examina as predições atribuídas a Jesus narradas nos evangelhos bíblicos.
No fechamento da obra, o capítulo ‘Os tempos chegaram’ esboça uma espécie de previsão a respeito dos novos tempos marcados pela divindade para o futuro da humanidade, assim como examina os sinais precursores desses novos tempos (muito mais morais do que físicos) que serão estabelecidos pela “nova geração”, caracterizada assim:
“A nova geração, encarregada de fundar a era do progresso moral, se distingue por uma inteligência e uma razão geralmente precoces, juntamente com o sentimento inato do bem e de crenças espiritualistas — que é o sinal indubitável de certo grau de adiantamento anterior. Ela não será composta exclusivamente de Espíritos eminentemente superiores, mas daqueles que, já tendo progredido, estejam dispostos a assimilar todas as ideias progressistas e estejam aptos a ajudar o movimento regenerador.”
Idem - Cap. XVIII, item 27
Com tudo isso, A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo é um livro tão esclarecedor quanto motivador para aquele que tem certa compreensão do Espiritismo, pois ele evidencia a onipotência, sabedoria, justiça e bondade — o que dá à humanidade a certeza de que há uma ordem universal e que as virtudes espirituais se sobrepõem aos valores matérias circunstanciais em nosso mundo ainda um tanto atrasado; ela nos permite prever as benesses dos novos tempos na Terra, cujos sinais já estão aos nossos olhos, predestinados a se sucederem em um futuro próximo, para o qual todos nós somos chamados a contribuir e para o qual o Espiritismo é a doutrina que melhor nos conduz.
Veja também
Referências
- A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo, Allan Kardec. Ed. Luz Espírita, tradução: Ery Lopes - Ebook.
- La Genèse, les Miracles et les Prédictions selon le Spiritisme, Allan Kardec (em francês), 5ª edição, 1869 - Ebook.
- As Edições de A Gênese: vol. I e II, Obras de Kardec - Ebook.
- La Génesis, los Milagros y las Predicciones según el Espiritismo (em espanhol) editada pela Confederação Espiritista Argentina - Ebook.
- Página especial de pesquisa: O caso A Gênese.
- Coleções anuais da Revista Espírita - Ebooks.
- Artigo ‘Seminário 150 anos de A Gênese: o resgate histórico’ em Espiritismo em Movimento.
- O Legado de Allan Kardec, Simoni Privato Goidanich - Edições USE.
- Filme-documentárioEspiritismo à Francesa - a derrocada do Movimento Espírita na França pós-Kardec, Luz Espírita, 2018 - assistir ao filme online.
- A Gênese de Allan Kardec: Da polêmica aos fatos, Carlos Seth Bastos, Luciana Farias e Adair Ribeiro - Sociedade Espírita Primavera, 2023.
- Seminário ‘A Gênese, os Milagres e as Predições segundo o Espiritismo: novíssima tradução’ - YouTube.