Alma, segundo a codificação espírita é basicamente a condição do Espírito durante sua existência corporal, ou seja, durante uma encarnação. De forma prática, então, chamamos de almas os encarnados (em se tratando dos seres inteligentes, os seres humanos, pessoas), ao passo que denominamos os desencarnados de Espíritos. Além da concepção espírita, esse termo tem outras concepções, em geral, está ligado ao princípio da vida e à própria condição de vitalidade. Para os demais espiritualistas, é o próprio indivíduo, a pessoa em si — seja na vida terrena, seja no plano espiritual. Na tese materialista, é a força vital orgânica, espécie de eletricidade puramente material, que anima os corpos e se extingue com a morte. Já desde a apresentação da Doutrina Espírita, Allan Kardec precisou a necessidade de se compreender bem os diversos significados e aplicações desse termo, a fim de evitar confusões com os conceitos que propunha:
"Igualmente, há outra palavra que todos nós devemos entender, por ser em si um dos fechos de abóbada, ou seja, a sustentação de toda doutrina moral e ser objeto de inúmeras controvérsias, por falta de uma acepção bem determinada. É a palavra alma."
Allan Kardec - O Livro dos Espíritos: Introdução, item II
O termo alma vem do latim anìma (às vezes descrito ânima), que por sua vez vem do grego psykhés (ou psiquê), cujo significado básico é ar, vento, sopro. Por extensão, em sentido figurado, significa também vida, animação, força motora, energia etc. Daí se convencionou usar a mesma palavra para representar a personificação desses atributos, ou seja, de vida para ser vivo. Assim, a alma é o próprio ser, a sede originária e motora da vida, uma criatura individualizada, o mesmo que Espírito.
Ver Espírito.
Na interpretação comum do Materialismo, trata-se de um efeito da matéria (especialmente da massa cerebral), que produz a vida orgânica, assim como a inteligência, a memória, os sentimentos, emoções etc. Nessa concepção, por ser um produto do organismo físico, a alma é a própria manifestação da vida individual de cada ser vivo (corpo orgânico) e se extingue definitivamente após a falência de seu corpo, tal como a vida útil de uma bateria gasta. Entretanto, essa concepção — outrora tão difundida, notadamente no meio acadêmico — já não se sustenta cientificamente, entre outras coisas, em razão de demonstradas manifestações inteligentes sem os recursos sensoriais do corpo (por exemplo, nos casos de sonambulismo e mediunidade).
Ver Materialismo.
Segundo a concepção panteísta, a alma é o princípio da inteligência, agente universal do qual cada ser absorve certa porção, em que haveria em todo o Universo apenas uma única alma (que alguns denominam Alma Universal, Deus, O Grande Todo) a distribuir centelhas (partes da mesma alma) pelos diversos seres inteligentes durante a vida destes e que, com a morte, cada centelha voltaria à fonte comum, onde se misturaria com o todo, como os riachos e os rios voltam ao mar, de onde saíram. Nessa hipótese, a alma não é produto do corpo — contrariando a tese materialista — e sobrevive à morte do organismo físico. Contudo, após a morte, o resta da alma voltaria para a tal alma universal, perdendo a sua individualidade e a consciência de si mesmo, bem como não é passível das consequências de seus atos — nem recompensa pelo bem que praticou, nem expiação pelo mal que tenha praticado.
Ver Panteísmo.
Para os espiritualistas em geral, alma é o mesmo que Espírito, ou seja, um ser individual, mais ou menos inteligente e consciente de si mesmo, que sobrevive à morte do corpo físico e passível de suas responsabilidades — premiação por suas boas obras e punição pelos seus erros. Por essa ótica, a alma é de natureza espiritual, não um efeito da matéria. Portanto, a ideia mais natural é a de a alma ser totalmente independente da matéria. Com a falência física, ela se mantém intacta e desembaraçada para se manifestar no plano espiritual. Contudo, há certos espiritualistas que propõem uma necessária correlação entre alma e corpo humano para a manifestação da vida, inclusive pós-morte, conforme a interpretação comum da ideia de ressurreição.
Ver: Ressurreição.
Na introdução de O Livro dos Espíritos, Kardec distingue as três concepções supracitadas e, como ensaio, propôs três qualificativos para alma, pelos quais validaria suas aplicações, a saber:
Mais adiante, ele a define:
"A alma é um Espírito encarnado, sendo o corpo apenas o seu envoltório.
Allan Kardec - O Livro dos Espíritos: Introdução, item VI
Há no homem três coisas: 1º) o corpo ou ser material idêntico ao dos animais e animado pelo mesmo princípio vital; 2º) a alma ou ser imaterial, Espírito encarnado no corpo; 3º) o laço que prende a alma ao corpo, princípio intermediário entre a matéria e o Espírito."
No mesmo O Livro dos Espíritos, na questão 134, os seus guias espirituais corroboram esta definição: "Sim, as almas não passam de Espíritos. Antes de se unir ao corpo, a alma é um dos seres inteligentes que povoam o mundo invisível, os quais temporariamente revestem um corpo carnal para se purificarem e esclarecerem."
Além de atestar a preexistência da alma, o Espiritismo confirma a sua sobrevivência pós-morte, bem como a sua individualidade e qualidades intelectuais e morais.
"Deixando o corpo, a alma volta ao mundo dos Espíritos, de onde saiu, para passar por nova existência material, após um tempo mais ou menos longo, durante o qual permanece em estado de Espírito errante.
Allan Kardec - O Livro dos Espíritos: Introdução, item VI
(...) As qualidades da alma são as do Espírito que está encarnado em nós; assim, o homem de bem é a encarnação de um bom Espírito, o homem perverso a de um Espírito impuro."
Por essa linguagem, a alma desencarnada volta a ser Espírito, que, então, é totalmente independente do corpo humano. Portanto, sem o Espírito, o corpo é uma simples massa material.
Com efeito, a conservação da individualidade da alma e das suas capacidades morais e intelectuais acumuladas nas múltiplas vivências corporais, transpassando as reencarnações, explicam a diversidade de caráter e talentos das almas deste mundo. As almas mais capacitadas são aquelas que acumulam mais aprendizados, em concordância com os esforços empregados para progredir.
Anteriormente ao Espiritismo, a essência espiritual dos indivíduos humanos era chamada simplesmente de "alma" — tanto em vida quanto pós-morte. Kardec, por sua vez, para designar o desencarnado, difundiu o termo "espírito"; — de cuja raiz extraiu o título da nova doutrina. Longe de se tratar de um mero jogo de palavras do codificador, essa diferenciação se fazia necessária para demarcar duas condições marcantes: a condição da vida material e a da vida espiritual.
"(...) As palavras alma e Espírito, embora sinônimas e empregadas indiferentemente, não exprimem exatamente a mesma ideia. A alma é, a bem dizer, o princípio inteligente, inatingível e indefinido como o pensamento. No estado dos nossos conhecimentos, não podemos concebê-lo isolado da matéria de maneira absoluta. O perispírito, apesar de ser formado de matéria sutil, faz dele um ser limitado, definido e circunscrito à sua individualidade espiritual, donde se pode formular esta proposição: A união da alma, do perispírito e do corpo material constitui o HOMEM; a alma e o perispírito separados do corpo constituem o ser chamado ESPÍRITO."
Allan Kardec - Revista Espírita - , Junho de 1864: 'A vida de Jesus, pelo Sr. Renan (2° artigo)'
No seu livro O que é o Espiritismo, cap. II, item 14, Kardec anota que "Seria mais exato reservar a palavra alma para designar o princípio inteligente, e o termo Espírito para o ser semimaterial formado desse princípio e do corpo fluídico; mas, como não se pode conceber o princípio inteligente isolado da matéria, nem o perispírito sem ser animado pelo princípio inteligente, as palavras alma e Espírito são, no uso, indiferentemente empregadas uma pela outra; é a figura que consiste em tomar a parte pelo todo, do mesmo modo por que se diz que uma cidade é povoada de tantas almas, uma vila composta de tantas famílias; filosoficamente, porém, é essencial que se faça essa diferença."
Enquanto a condição espiritual (de desencarnado) constitui de grande ou total desprendimento físico, a condição da vida material (da alma, de um encarnado) naturalmente impõe implicações graves para o exercício prático da vida, a começar pela influência do organismo físico, de modo que a alma não é exatamente o mesmo Espírito, no sentido de que, enquanto encarnada, ela não tem as mesmas capacidades de quando desembaraçada da matéria; sua memória espiritual e suas aptidões intelectuais ficam condicionados aos órgãos; a alma já não pensa com a leveza de antes, quando era Espírito, mas, por assim dizer, fica condicionada ao instrumento cerebral; seus sentimentos e emoções também ficam subordinados à qualidade dos nervos, carne, sangue etc. "Os órgãos são os instrumentos da manifestação das capacidades da alma, manifestação que depende do desenvolvimento e do grau de perfeição dos órgãos, como a excelência de um trabalho o está à da ferramenta própria à sua execução." (O Livro dos Espíritos, questão 369).
Dentro dessa dinâmica, devemos considerar a posição do indivíduo na escala espírita, em que, quanto mais evoluído seja o Espírito, menos a alma sofrerá a influência da matéria e vice-versa.
A Revelação Espírita é categórica ao distinguir a classe humana da classe animal. Os Espíritos encarnam tão somente na espécie humana. Logo, só existe alma — ou seja, Espírito encarnado — nos seres humanos.
As plantas não têm alma e nem qualquer individualidade; sua vitalidade é puramente física e, de fato, a este reino, bem se pode aplicar o conceito do Materialismo.
Os animais têm um princípio individualizado, independente e sobrevivente ao corpo, caracterizado por uma inteligência instintiva, mas não é exatamente uma alma, nem se tornam Espíritos quando desencarnam. Na falta de um termo mais apropriado, esse princípio foi descrito como uma "alma inferior", mas muito inferior à alma que há no homem.
"É também uma alma, se quiserem [chamar assim], isto dependendo do sentido que se der a esta palavra, mas, inferior à do homem. Entre a alma dos animais e a do homem há distância equivalente à que separa entre a alma do homem e Deus."
O Livro dos Espíritos, Allan Kardec - questão 597-a
Portanto, essa "alma inferior" conserva sua individualidade após a falência orgânica do corpo animal, mas não tem consciência de si. Como sua inteligência é apenas instintiva, não possui livre-arbítrio e nem é passível das consequências de suas atitudes (que se limitam às necessidades materiais do seu organismo físico). Pós-morte, esse princípio individualizado não é um ser errante, não tem participação ativa no mundo espiritual e é quase imediatamente encaminhado para uma nova experiência corporal — sempre num corpo animal.
Como tudo na Natureza, o princípio que anima os animais também progride, pela força das coisas e não por esforços conscientes, e é notável que há dentre as espécies desse reino individualidades bem mais desenvolvidas que outras. A codificação espírita diz ainda que em mundos mais adiantados que a Terra os animais também são mais evoluídos do que os que conhecemos aqui, embora continuem bastante inferiores e servidores ao homem. Lemos em O Livro dos Espíritos, questão 606-a, que a fonte da "alma animal" é a mesma da qual se originam os Espíritos: essa fonte é o princípio inteligente. A diferença é que o Espírito passou por uma elaboração que o eleva bem acima da individualidade animal, donde deduzimos que as individualidades se separam do princípio inteligente e começam a trilhar o seu curso evolutivo particular, atravessando diversos estágios. Em certo grau de desenvolvimento, passando pelo reino mineral e vegetal, entram no reino animal, encarnando em corpos animais. Em seguida, atingindo no grau superior de Espírito, entra no período de humanização e passa a encarnar na espécie humana, já não guardando relação com os estados primitivos anteriores (questão 611 da referida obra).
Com isso, o Espiritismo igualmente derruba a tese da metempsicose, classicamente atribuída ao filósofo e matemático grego Pitágoras (VI a.C.). Dentro dessa ideia, a crença mais comum diz respeito à possibilidade de a alma transmigrar entre corpos humanos e animais e vice-versa, em que reencarnar nas espécies inferiores (no reino animal) constitui expiação para o Espírito. A refutação espírita se baseia numa das leis da natureza, que estabelece a lei de evolução e, por consequência, de não regressão: "O rio não volta à sua nascente" (O Livro dos Espíritos, questão 612).
Cada Espírito é uma individualidade e, pelo processo de encarnação, se liga a um único organismo físico, mantendo sua indivisibilidade, não podendo animar dois corpos diferentes (O Livro dos Espíritos, questões 137 a 140).
Para se manifestar na dimensão material, a alma assume o comando físico do corpo humano pelo intermédio do perispírito. Este envoltório semimaterial enraíza-se em todas as moléculas orgânicas e serve à alma como o instrumento de transmissão das sensações físicas. Sendo de natureza imaterial, a alma não se acha trancafiada dentro dos limites físicos do corpo, podendo irradiar-se e até se manifestar fora dele, a exemplo da luz além dos limites da lâmpada. A Revelação Espírita diz que o centro dessa irradiação varia: nos sábios e pensadores, situa-se mais particularmente na cabeça; nos homens mais sentimentais, irradia-se a partir da região do coração (O Livro dos Espíritos, questões 141 a 146).
Na condição de alma, as capacidades espirituais ficam condicionadas às leis do mundo físico onde está encarnado. Na nossa dimensão terrena — ainda bastante materializada — a alma está muito privada dos recursos próprios dos Espíritos. O próprio plano espiritual lhe é invisível. Contudo, a Natureza lhe propicia mecanismos de emancipação, pelos quais a alma se desliga parcialmente do corpo físico e se põe em contato com o mundo dos Espíritos. Os mecanismos mais comuns são: estado de sono, sonambulismo, clarividência, mediunidade e êxtase. Esse desprendimento não é total; corpo físico e perispírito permanecem unidos por um ligamento comumente descrito como cordão de prata, fio de prata, fio prateado etc. O estado de emancipação da alma também é chamado desdobramento, viagem astral etc.
Ver Emancipação da alma.
O caráter da individualidade do Espírito refuta a ideia mística de que haja almas gêmeas, ou seja, que existe para cada indivíduo um ser predestinado a lhe completar, formando uma união particular. Se cada qual tivesse a sua "cara-metade", ambos estariam divididos, incompletos, enquanto separados — o que é impossível. Os Espíritos se simpatizam, se atraem e se ligam verdadeiramente uns aos outros por sentimentos, não por laços materiais ou outra força qualquer.
No curso evolutivo, aqueles que compartilham dos mesmos desejos e instintos atraem-se e, inclusive, se habilitam para compartilhar de múltiplas experiências reencarnatórias juntos — como cônjuges, irmãos, amigos etc.
As atrações particulares entre as almas são relativas ao seu grau evolutivo. Porém, uma vez que alcancem a perfeição espiritual, largam as particularidades e se entrelaçam pelo princípio da fraternidade universal, em que somos todos irmãos, todos filhos de Deus (O Livro dos Espíritos, questões 298 a 303).
Ver: Alma gêmea.
Embora se costume dizer que a existência da alma (ser espiritual, consciência extracorporal) seja um "problema" da Religião e da Filosofia, não pertencendo ao escopo da Ciência, muitas academias científicas têm se ocupado diretamente com a questão, conquanto até então nenhuma conclusão tenha sido formalizada — nem para provar, nem para negar oficialmente que exista alma. De modo geral, o que as ciências (como a Psicologia e a Neurociência) consideram por alma é simplesmente o agente ativo da vida, das percepções sensoriais e da manifestação intelectual do indivíduo, também chamado de consciência, mente, psique, relacionado aos impulsos do cérebro — como que efeito do órgão cerebral, portanto, numa abordagem tradicionalmente materialista. O próprio Kardec assinala a limitação da ciência em relação às questões espirituais:
"As ciências gerais se fundamentam nas propriedades da matéria, que se pode experimentar e manipular livremente; os fenômenos espíritas se apoiam na ação de inteligências dotadas de vontade própria e que nos provam a cada instante que não estão subordinadas aos nossos caprichos. Portanto, as observações não podem ser feitas da mesma forma; requerem condições especiais e outro ponto de partida. (...) A Ciência propriamente dita, como ciência, é incompetente para se pronunciar na questão do Espiritismo: não tem que se ocupar com isso e qualquer que seja o seu julgamento — favorável ou não — nenhum peso poderá ter."
O Livro dos EspíritosAllan Kardec, - Introdução ao estudo da Doutrina Espírita, item VII
No entanto, publicações de caráter científico têm sido eventualmente apresentadas a respeito do assunto, demonstrando a possibilidade concreta de uma potência inteligente agindo extracorpo, embasadas em fenômenos concretos, por exemplo, experiências de quase-morte (EQM), reminiscência de vidas passadas e manifestações mediúnicas, que fogem às leis convencionais das ciências, mas são muito bem explicáveis à luz da Doutrina Espírita.
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