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Índice de verbetes


Necromancia



Necromancia é conhecida como a arte de fazer adivinhação através da comunicação com os mortos (Espíritos desencarnados). A origem do termo vem do grego clássico: necro (νεκρός nekrós) = "morte" + mancia (μαντεία, manteía) = "adivinhação", que algumas vezes é traduzido como nigromancia. Por se considerar mesquinhos os interesses comuns que a motivam (desvendar segredos do passado e do presente, adquirir conhecimentos místicos, evocar proteção especial e obter profecias, leitura da sorte para o futuro etc.), a prática dessa arte é normalmente vista pejorativamente, por vezes associada ao ocultismo, à magia negra. à feitiçaria e, de certa forma, ao Xamanismo. Os médiuns e os praticantes espíritas em geral são eventualmente reputados pelos seus acusadores como necromantes, embora os fundamentos do Espiritismo façam uma evidente distinção de propósitos: enquanto a necromancia objeta valores de interesse da vida terrena, a mediunidade espírita se orienta conforme valores superiores, tais como a instrução intelectual e a motivação moral, em vista da evolução espiritual, bem como a confraternização e realce dos laços afetivos entre encarnados e desencarnados. Entre os métodos usados pela necromancia figuram-se a cartomancia, o tabuleiro ouija e o jogo de búzios.



Necromancia ao longo da história

Pelo que se sabe, a mais remota menção ao termo necromancia — νεκρομαντεία (nekromanteía) — é a do teólogo grego Orígenes de Alexandria (185-253 d.C.), embora, por outros termos, a arte de evocar e consultar os mortos seja relatada em poemas bem mais antigos, por exemplo, na Odisseia de Homero (cerca do século VIII a.C.): para encontrar o caminho de volta para casa, depois de participar da épica guerra de Troia, Ulisses se vale da feiticeira Circe para evocar o Espírito Tiresias.

Registros históricos dão conta da vulgarização da necromancia especialmente nas antigas civilizações do Egito, Babilônia, Grécia e Roma, onde era feita por pessoas comuns ou através de necromantes de ofício — mais frequentemente mulheres — como as chamadas sacerdotisas, pitonisas, feiticeiras etc.

O Judaísmo instituiu a absoluta proibição á necromancia. Em Levítico, 20:27, Moisés deixa explicito: "Quando, pois, algum homem ou mulher em si tiver um espírito de necromancia ou espírito de adivinhação, certamente morrerá; serão apedrejados; o seu sangue será sobre eles." Apesar disso, Saul, rei de Israel, fez uma feiticeira de Endor evocar o Espírito Samuel (um profeta judeu recém-falecido), jurando a ela garantias de que não seria molestada por causa daquela evocação (I Samuel, 28:3-25). Se, por um lado, a lei mosaica proibia a mesquinha necromancia, por outro, em se tratando de propósitos nobres, Moisés não apenas sancionava a comunicação com os mortos — então chamada de profecia — como também a exortava, tal como o fez a exemplo do caso dos médiuns Eldad e Medad (Números, 11:26-29), ao que, Josué, auxiliar de Moisés, exclama: "Quem dera todo o povo do Senhor fosse profeta". A lei judaica vai influenciar o Cristianismo e toda a cultura Ocidental moderna, colocando a necromancia no escopo de Bruxaria e satanismo.

Na Era Medieval, em sintonia com essa orientação religiosa, praticamente todos os estados europeus vão caracterizar em seus códigos de justiça a prática da necromancia como crime. Em decorrência disso, surgiu logo mais adiante, em grande parte da Europa, um movimento de alta perseguição contra a necromancia e outras práticas místicas que ficou conhecido como caça às bruxas, perdurando com mais força entre os séculos XVI e XVIII e, segundo estimativas, matando cerca de 50 mil pessoas.



Já com o afrouxamento das leis, uma nova onda de evocação de mortos se deu por ocasião do movimento chamado Espiritualismo Moderno, em meados do século XIX, como ficou caracterizado no fenômeno das Mesas Girantes. Originada naquela época, a Doutrina Espírita também foi acusada de necromancia, levando o seu codificadorAllan Kardec — a frequentemente refutar tal associação, como o fez por várias vezes em sua obra literária.

"A crítica malévola representou as comunicações espíritas como mescladas pelas práticas ridículas e supersticiosas da magia e da necromancia; se esses homens que falam do Espiritismo sem conhecê-lo se dessem ao trabalho de estudá-lo, teriam poupado esses desperdícios de imaginação, que só servem para provar sua ignorância ou má vontade.
(...)
O apelo aos Espíritos faz-se em nome de Deus, com respeito e recolhimento; é a única coisa que se recomenda às pessoas sérias que desejem entrar em relação com Espíritos sérios."
Allan Kardec, O que é o Espiritismo - Cap. II, item 49


Rituais necromantes

Na Antiguidade, cria-se que, uma vez morto, a entidade — ou pelo menos os mais nobres — revestia-se de grande poder místico e infinito saber, bênçãos essas que poderiam ser derramadas sobre os evocadores ou sobre os parentes que contratavam os necromantes de ofício. Daí a recorrência de tal arte. E, não raro, em prol dos supostos benefícios provindos dos mortos, os envolvidos ofereciam oferendas e faziam os mais diversos sacrifícios.

A associação que se costuma fazer da necromancia com a bruxaria tem origem nos métodos vulgares de que os antigos necromantes utilizavam nas evocações. Supondo angariar maior poder para "trazer o Espírito" para uma consulta, os evocadores valiam-se de pertences materiais do morto e de posses deles executavam diversos rituais — alguns deles muito macabros. De acordo com textos antigos, o necromante também poderia cercar-se de aspectos mórbidos da morte, que muitas vezes incluía vestir roupas do finado, exumar o cadáver, manipular a ossada e até mutilar e consumir os restos mortais do falecido. Isso porque se acreditava que os recém-falecidos eram mais facilmente propensos a se manifestar.

A partir do Espiritualismo Moderno, os rituais e aparatos mórbidos foram sendo deixados de lado e a preocupação com os processos de evocação basicamente se limitava ao modo de interpretar a mensagem espiritual. Com os Espíritos que se manifestavam através de efeitos físicos, como batidas nos móveis e transporte de objetos, os evocadores estabeleciam códigos. Nas sessões pioneiras das Mesas Girantes, por exemplo, perguntas feitas pelos evocadores poderiam ser confirmadas pela entidade espiritual com a produção de duas pancadas e negadas com uma. Quando queriam que o Espírito ditasse uma palavra ou frase, associavam um determinado número de pancadas para cada letra do alfabeto.



Adiante, sistemas mais sofisticados foram desenvolvidos, como aquele que distribuía letras e números sobre a mesa e no entorno deles se colocava um objeto apontador, como um copo ou um ponteiro, a ser movido por ação do Espírito, indicando a sequência de caracteres a fim de formar palavras e frases.

Em processos mais simples, o necromante — quando dotado de capacidades mediúnicas — pode absorver mentalmente a mensagem do Espírito comunicante e retransmiti-la, por exemplo: oralmente (no caso de psicofonia) e por escrito (psicografia).


Comunicabilidade dos mortos e o Espiritismo

A questão da necromancia nos remete naturalmente para o princípio da comunicabilidade espiritual — quer dizer, a capacidade de interação entre os homens (almas encarnadas) e mortos (Espíritos desencarnados). A crença nesse princípio é intuitiva e está presente desde as culturas mais longínquas. A possibilidade de interagir com os mortos foi amplamente cultuada pelas civilizações antigas e permaneceu viva no inconsciente popular mesmo na Era Moderna, apesar do avanço das ideias materialistas, especialmente entre os século XVI e XVIII.

Com o advento do Espiritualismo Moderno no século XIX, a consulta aos mortos não apenas voltou à tona como até virou moda nos salões dos grandes centros urbanos, notadamente nos EUA, na Europa e no Brasil. Os adornos místicos, os rituais sinistros e os sacrifícios sangrentos da antiga necromancia deram lugar a um novo padrão de oraculismo: no lugar dos característicos necromantes, pessoas comuns — inclusive das classes sociais mais elevadas —; no lugar de fórmulas e liturgias sinistras para evocar os Espíritos, uma simples oração; no lugar de templos e altares, uma casa familiar, um salão de festa comum ou uma sombra de uma árvore, ao ar livre; no lugar de apetrechos esdrúxulos, no máximo uma mesa, um tabuleiro com o alfabeto ou qualquer utensílio doméstico.

A comunicabilidade dos mortos é um dos fundamentos do Espiritismo, até porque este é consequência daquela atividade; a Doutrina Espírito surgiu precisamente da intervenção dos Espíritos mensageiros do Cristo que vieram trazer a Terceira Revelação. O intercâmbio entre encarnados e desencarnados faz parte do plano divino para a espiritualização da Humanidade, tendo como primeiro efeito prático a evidência da sobrevivência da alma além-túmulo; essa interação se dá de forma natural, em acordo com as leis da natureza, fora de qualquer concepção de algo sobrenatural, místico, mágico, milagroso ou de coisas afins.

"No seu significado inicial e pela sua etimologia, o termo milagre significa coisa extraordinária, coisa admirável de se ver. Mas como tantas outras, essa palavra se afastou do seu sentido originário e hoje significa (segundo a Academia de Ciência) um ato do poder divino, contrário às leis comuns da Natureza. De fato, esse é o seu significado usual e ela é aplicada apenas por comparação e por metáfora às coisas vulgares que nos surpreendem e cuja causa se desconhece. De nenhuma forma entra em nossas cogitações questionar se Deus tem julgado útil revogar as leis que Ele próprio estabeleceu, em certas circunstâncias; nosso fim é unicamente demonstrar que os fenômenos espíritas — por mais extraordinários que sejam — de maneira alguma derrogam essas leis, que não têm nenhum caráter de miraculosos, do mesmo modo que não são maravilhosos ou sobrenaturais"
Allan Kardec, O Livro dos Médiuns - Cap. II, item 15


Contudo, conforme os preceitos do Espiritismo, e diferenciando-se essencialmente da necromancia, a atividade de comunicar-se com os mortos (Espíritos) deve ser isenta de interesses mesquinhos e objetivar valores espirituais, conforme nos diz Allan Kardec:

"A proibição de Moisés era bastante justa porque a evocação dos mortos não se originava nos sentimentos de respeito, afeição ou piedade para com eles, sendo antes um recurso para adivinhações, tal como nos augúrios e presságios explorados pelo charlatanismo e pela superstição. Essas práticas, ao que parece, também eram objeto de negócio, e Moisés, por mais que fizesse, não conseguiu desentranhá-las dos costumes populares."
O Céu e o Inferno, Allan Kardec - 1ª parte, cap. XI, item 4

As instruções mais seguras sobre como evocar, sobre as perguntas que podemos fazer aos Espíritos, sobre os inconvenientes e perigos dessa interação com o mundo espiritual e demais assuntos relacionados à mediunidade, nós encontramos basicamente em O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec.


Necromancia e obsessão

Obviamente, a mediunidade não é um patrimônio do Espiritismo, pois a comunicação com os mortos é de todos os tempos da História da Humanidade. Deus permite o intercâmbio espiritual das mais variadas qualidades, inclusive como prova e expiação. Desta maneira, e em acordo com a lei de afinidade, a evocação de mortos objetivada por interesses negativos, mesquinhos e por qualquer futilidade pode constituir um princípio de relacionamento obsessivo com entidades espirituais que se aprazem com frivolidades, cujas consequências podem ser mais ou menos graves.

Aqueles que brincam com as evocações ou os que praticam a necromancia, visando vantagens menos nada nobres estão muito próximos de atrair a presença de Espíritos zombeteiros, que, a exemplo de qualquer gaiato ou charlatão encarnado, então procurará se aproveitar da situação para se divertir:

"(...) Aquele a quem os Espíritos mistificam geralmente é mistificado por lhes perguntar o que eles não devem ou não podem dizer, ou porque não se acha bastante instruído sobre o assunto para distinguir da impostura a verdade.
Além disso, muitos só veem no Espiritismo um novo meio de adivinhação e imaginam que os Espíritos existem para predizer a sorte de cada um. Ora, os Espíritos levianos e zombeteiros não perdem ocasião de se divertirem à custa dos que pensam desse modo. É assim que anunciarão maridos às moças; ao ambicioso prometerão honras, heranças, tesouros ocultos, etc. Daí, muitas vezes, desagradáveis decepções, das quais, entretanto, o homem sério e prudente sempre sabe se preservar."
Allan Kardec, O Livro dos Médiuns - cap. III, item 25

Essa relação frívola acaba por estabelecer assim um caso de obsessão simples, mas que pode progredir para processos mais complexos e mais nocivos para ambos.


Referências

  • O Livro dos Médiuns, Allan Kardec
  • O que é o Espiritismo, Allan Kardec
  • A Histórica do Espiritualismo, Arthur Conan Doyle.


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